Fazendo História

Max Cavalera
Destino traçado

Entrevista com Max Cavalera feita no final de maio de 2007. Ele mostrou interesse em se reunir com o Sepultura e disse, pela primeira vez, estar trabalhando, depois de mais de 10 anos, com o irmão Iggor, no projeto que se transformaria no grupo Cavaleira Conspiracy. Matéria publicada na Outracoisa número 21, de agosto de 2007. Foto: Divulgação/Roadrunner.

maxMax Cavalera ensaia uma volta às raízes do metal, trabalha com o irmão Iggor e busca reaproximação com o Sepultura. O sobrenome dele é empolgação. Envolvido na produção de dois álbuns ao mesmo tempo – o de sua banda, Soulfly, e de um certo projeto – o músico brasileiro mais conhecido no exterior depois de Tom Jobim está com tudo e não está prosa. Seu último disco, “Dark ages”, atualizou o metal pesado de outrora e agradou geral, mostrando uma certa reaproximação ao Sepultura dos bons tempos. Na prática, o reencontro com o passado se deu com o irmão Iggor, com quem não falava há mais de dez anos, quando foi obrigado a deixar a banda que revolucionou o metal mundial para ficar ao lado de sua esposa. É que os serviços de empresária de Gloria Cavalera já não interessavam aos outros três quartos do Sepultura. Foi preciso que Max e Iggor tocassem duas músicas juntos, numa apresentação do Soulfly, em agosto do ano passado, para que tudo voltasse a fazer sentido: estava de volta o “som do trovão”, o “jeito Cavalera” de se fazer heavy metal. O resultado vai ser visto no tal projeto que ocupa metade do tempo de Max, e que deve ser lançado até o final do ano; disco do Soulfly só em 2008. Nessa entrevista, concedida por telefone direto dos aposentos do clã dos Cavalera, em Phoenix, Arizona, Max entrega os detalhes em primeira mão, fala de como tem iniciado a prole no meio metálico, das mazelas de um tal George Bush, feijoada e, claro, da cada vez mais próxima reunião do Sepultura.

Faz tempo que você não dá uma entrevista em português?

Agora tá mais devagar porque quando eu tô fazendo disco e o departamento de entrevista não me incomoda. Mas fico muito feliz de falar para o Brasil, principalmente depois de ter feito uma turnê na América Latina, e não ter dado para tocar aí. Fiquei bem chateado, mas vamos ver se dá para fazer um show com o disco novo, o projeto novo sai esse ano, e no ano que vem vai dar pra voltar ao Brasil.

Você se refere ao disco novo do Soulfly? Que projeto é esse?

Estou fazendo dois discos ao mesmo tempo, há cerca de um ano. Um é o Soulfly novo, que tá bem legal porque houve uma recepção ótima para o “Dark ages”. Entramos numa fase boa com a banda nova, com o Marc (Rizzo, guitarra), o Joe (Nunez, bateria), o Bobby (Burns, baixo). E de outro lado tá muito excitante o lance do meu irmão. No ano passado, passamos a conversar de novo, depois de dez anos, tocamos juntos. Desde muito tempo, muita gente me pergunta sobre o Nailbomb, que eu fiz na época do “Chaos A.D.” (álbum do Sepultura lançado em 1993), e eu nunca fiz outro projeto. No início nem tinha o Iggor; e com ele ficou especial, tocar com o Iggor de novo depois de dez anos, fazer um projeto porrada, sem frescura, mostrar pra molecada como que se faz metal, os irmãos Cavalera fazendo um metal de primeira.

Como é o nome do projeto?

Não tem nome ainda, eu tô mais ligado no ideal, na raiz do projeto. São dez anos de tudo que tá engarrafado, então vai explodir. Dez anos de silêncio, raiva, emoção, alegria, tudo, que vai ser traduzido numa forma mais pesada, quero fazer tipo o Nailbomb, mas mais porrada ainda, mais animal, deixar as coisas mais loucas para o Soulfly.

Você está compondo sozinho?

Por enquanto, estou fazendo minhas próprias demos; inclusive, uma delas, do Soulfly, saiu no mês passado na internet. Muita gente gostou. Uma canção chamada “Inflikted”… Eu tô fazendo com bateria eletrônica, do jeito que eu sempre compus desde o Sepultura. Vou mandar umas coisas para o Iggor ouvir e para outras galeras, porque a gente não sabe direito quem está no projeto. Quero chamar pessoas especiais, que têm alguma coisa a ver comigo, com o meu irmão, gente do metal, talvez um pouco do hardcore, quem sabe até uma coisa brasileira. E o pessoal mais velho que a gente conheceu com o Sepultura, como Celtic Frost, Slayer, Morbid Angel.

O seu irmão ficou a fim de fazer isso? Ele saiu do Sepultura porque tava cansado de fazer essa coisa pesada…

Mas esse projeto é outra coisa, é coisa minha e dele, não tem explicação, é uma coisa mágica, as pessoas ao redor percebem. Quando o Igor tocou aqui em Phoenix, a primeira coisa que eu ouvi dos roadies foi que “voltou o som do trovão, Max e Igor. Ele fez a bateria soar como um trovão, não parece nem bateria”. Não dá pra explicar.

Você gostou de tocar com ele de novo, a coisa fluiu?

Lógico, tinha muita coisa pra sair, isso foi só um aperitivo, duas músicas do Sepultura. Era o show que marcou os dez anos da morte do Danna (Wells, enteado de Max e cuja morte foi o estopim para a saída dele do Sepultura, em 1996), tocamos as músicas que mais tinham a ver com ele, “Attitude”, que ele fez a letra comigo, e também “Roots bloody roots”. Eu queria tocar “Straighthate”, “Troops of doom”, mas deu pra fazer só duas. O Iggor se amarrou na galera do Soulfly, conheceu o Joe, que é gente muito boa, humilde. Não tem estrela aqui não, e o Igor sentiu a parada, é muito diferente do que ele tava esperando. Todo mundo do Soulfly é fã do Sepultura e respeita muito eu e o Iggor e tudo que a gente fez.

Você já tem músicas prontas?

Tem uma que eu gostei, uma coisa bem Max mesmo, de juntar dois nomes em inglês, se chama “Onslaughter”. Que é onslaught com slaughter: devastação. Também penso em fazer alguma coisa em português, mas mais na linha hardcore, tipo “Polícia” ou “Porrada”, que eu fiz no “Prophecy” (álbum do Soulfly lançado em 2004), que eu gostei pra caralho. É tudo novo demais, você é a única pessoa no Brasil pra quem eu tô falando isso.

Para o Soulfly, já tem algo encaminhado?

A única coisa que eu queria fazer diferente era não gravar em Phoenix, pela primeira vez desde do primeiro do Soulfly, que foi gravado na Califórnia, com o Ross Robinson. Eu gosto muito dos discos do Soulfly, mas ficou um pouco de repetição depois de tantos anos gravando em Phoenix. São várias opções, aqui mesmo, na Califórnia, tem uns amigos que gravaram lá, e fizemos uma cover do Marilyn Manson. Tem um na Alemanha, onde eu fiz uma música com a galera do Apocalyptica.

O repertório está fechado?

Tem bastante coisa, tá rodo mundo ajudando. Eu me dou muito bem com Marc, praticamente temos o mesmo aniversário, ele nasceu em 3 de agosto e eu sou do dia 4. Ele é tipo um terceiro irmão na banda, gosta de tudo que eu gosto, da coisa porrada, das músicas mais thrash, mas também tem um lado do flamenco. Eu tô recolhendo material de todo mundo, do Marc, do Bobby, do Joe, e tô escrevendo que nem um louco. Essa é a primeira vez desde o Sepultura que eu tô fazendo dois discos ao mesmo tempo.

O que mais você pode adiantar?

De música quase nada. Pretendo trabalhar de novo com o Michael Whelan, que fez a arte do “Dark ages”. O que eu sinto é que o projeto deve vir antes do disco do Soulfly, deve sair até o fim do ano, e logo depois é o trabalho do Soulfly novo, que é legal que eu faço o ano que vem inteiro de turnê, e espero passar pelo Brasil. Tenho muita saudade do cheiro de Brasil, não vejo minha mãe há sete anos, é muito tempo.

Como tá o som do Soulfly? No “Dark ages” rolou uma volta às raízes do tempo do Sepultura, tem até uma citação a uma música do Dorsal Atlântica…

Foi uma homenagem, do jeito que eu faço, misturei a letra do “Caçador da noite” com música do Soulfly. Eu tô sentindo vontade de fazer um som mais porrada mesmo. Nada contra o som experimental, eu continuo pensando em fazer, mas gostei muito do “Dark ages”, pra te falar a verdade.

Isso tem a ver com o fato de o metal ter virado moda? Isso te leva a buscar uma alternativa numa coisa de raiz pra mostrar como é o metal de verdade?

De certa forma sim; conversando com o Iggor no ônibus, sobre fazer um som novo, ele falou: “Se a gente fizer alguma coisa juntos, vamos mostrar pra esses americanos como é que se faz metal de verdade”. Tem um lance saturado mesmo, você vai ao shopping e vendem camisa de metal. Não faz parte do clima que era antes, porque metal não é pra estar na moda, não é pra mãe e pai gostarem. A maioria das pessoas com quem eu falo… o pai nem deixa botar o poster do Nailbomb na parede, porque é muito hardcore.

Esse disco é muito parecido com o ponto de partida lá do Sepultura, do “Roots”, tem até umas músicas que os títulos têm a ver, como “Arise again”, “Innerspirit”…

Totalmente certo. “Arise again” vem do “Arise”, mas eu também usei em “Eye for an eye”, no primeiro do Soulfly. Tem muita referência dessa época, muita coisa influenciada pelo Sepultura velho, da época do “Morbid visions”, o Marc gosta pra caralho. Talvez role a participação do Roger (Miret), vocalista do Agnostic Front, eu sou fãzão deles. Eles tocaram aqui há pouco tempo, eu não via um show tão hardcore desde a época do Circo Voador, aquelas coisas porrada, com um público animal. Tenho a maior saudade dessa época.

O Circo Voador reabriu…

Eu ouvi dizer de muitas bandas se reunindo, como o Korzus, isso é legal, o espírito do metal nunca morre. Comigo às vezes passa uma fase maior, menor, mas o espírito não morre. Vendo esses shows e vendo essas coisas é que me deu vontade de fazer mais coisas nessa linha. Até porque o “Dark ages” veio dessa maneira, foi meio inesperado pra todo mundo, até pra mim, mas o resultado final foi bem legal, e os fãs adoraram.

Falando em reuniões, você tem comentado muito sobre uma volta do Sepultura nos últimos tempos, coisa que você não fazia antes. Acha que isso vai acontecer?

Eu gostaria, até falei com umas pessoas na internet que seria uma coisa legal, não somente uma reunião do Sepultura, mas trazer outros membros, como o Jairo (Guedes, guitarrista), a galera das antigas. Não seria só o Sepultura que tá todo mundo acostumado, com nós quatro. A gente já tinha bastante caminho andado quando o Andréas (Kisser, guitarrista do Sepultura) chegou na banda.

Você já conversou isso com o Andreas e com o Iggor?

Não, isso é uma coisa da minha cabeça. Seria mais legal do que uma reunião que todo mundo tá esperando, mostrar tudo mesmo, tocar coisa antiga do death metal de BH. Mas isso não tá nas minhas mãos, eu faço a minha parte. Todo mundo sabe que eu to pré-disposto a fazer, tô pronto. Os fãs sabem disso, mas não depende só de mim.

Fica chato o Sepultura sem você e o Iggor, né?

Não faz nem sentido. O Sepultura é realmente uma das bandas mais importantes do metal mundial. Eu assisti ao documentário do Sam (Dunn, um dos diretores do filme “Metal: A Headbanger’s Journey”), a primeira cena que aparece quando começa a falar do metal mais novo é o Sepultura tocando em Barcelona. Eu arrepiei quando vi, senti que o Sepultura chegou e mudou o cenário mundial do metal, então seria legar fazer uma coisa novamente. Mas enquanto isso não rola, tamô aí com o projeto e com o Soulfly.

Como é viver nos Estados Unidos? Há preconceito, algum problema que precisa ser driblado?

Eu vivo muito ocupado com música, pra mim isso é indiferente. Aqui, é legal pela privacidade, é bom pra molecada ir pra escola e fazer as coisas deles mais à parte, e é legal para eu escrever música. Quando acaba a turnê eu volto pra caverna, como no filme do Led Zeppelin, o “The song remains the same”. Aqui ninguém enche o saco e dá pra trabalhar. E a Gloria faz comida brasileira, uma das cláusulas do contrato, quando a gente se casou, é que ela teria que aprender a fazer comida brasileira, ela faz uma feijoada do caralho.

Com a reeleição do Bush ficou mais complicado viver aí?

O Bush é uma merda… É um governo baseado no medo do povo, que se alimenta do medo de TV, de internet. Ele mantém o povo americano nesse lance do medo pra continuar tendo petróleo, ficando mais rico. Quando você conversa com as pessoas, todo mundo é inseguro, com medo de ir na esquina pegar uma coca cola. Na época do (Bill) Clinton não era assim; o pessoal não tinha medo das coisas, era um país mais tranqüilo.

Isso te inspira a fazer música?

A música sempre foi influenciada por isso. As melhores coisas do mundo da música saíram da insatisfação com a política. Sex Pistols, Sepultura, o Neil Young pedindo o impeachment do Bush. Mas independente disso eu moro aqui na coisa de fazer o meu trabalho. Eu nem gosto muito daqui, preferia outro lugar. Talvez mais tarde, quando a molecada estiver crescida, eu vá morar em outro lugar.

Alguma preferência?

Eu sou meio nômade, não gosto de ficar num só lugar. Muitos músicos fizeram um trabalho diferente quando mudaram. O Caetano Veloso, na época em que foi exilado, o melhor disco do Bob Marley é o “Exodus”, porque foi pra Inglaterra, começou a captar outras vibrações. Voltando à pergunta, eu procuro achar inspiração em tudo quanto é coisa, filme, livro, experiência própria, conversando com as pessoas. Eu vi um filme francês, “O ódio” (“La Haine”, de Mathieu Kassovitz), e penso em fazer uma letra sobre ele. Letra não tem regra, você pode fazer o que quiser, uma música que todo mundo tá esperando, de ódio, de raiva, mas também uma completamente diferente, sobe a perda de uma pessoa, lidando com a vida, com a morte. Na cena metal tem uma repetição que é foda. Até quando vai dar pra ouvir o Slayer falando sobre satã e inferno? Eu adoro Slayer, mas fica um pouco cansativo bater na mesmo tecla. Eu acho legal quando uma banda faz uma coisa inesperada. Hoje tem metal na Indonésia, na Austrália, até os aborígenes estão formando banda de metal. Ciganos da Europa, da Eslováquia, têm banda de metal. Isso é uma coisa que veio do Sepultura, com o “Roots”. Foi o que mostrou para o mundo inteiro que dá pra fazer uma coisa diferente. Você pode trazer algumas coisa das suas próprias raízes e colocar na música, que ser for bem feito, fica bom.

Tem uma banda brasileira chamada Cansei de Ser Sexy que está em evidência no exterior e estão comparando o sucesso deles com o do Sepultura da época do “Roots”. Você já ouviu falar neles?

Nunca ouvi falar, não… É metal?

Música pop/eletrônica, tá fazendo muito sucesso na Inglaterra…

Nunca ouvi dizer, não…

Você está com 37 anos, filhos crescidos. Convive bem com essa maturidade ou sente falta de ser o adolescente de antes?

Eu não penso muito nessa coisa de idade, isso nunca me incomodou. Quando eu era pequeno sempre tava envolvido com gente mais velha, foi assim que começou o Sepultura. A molecada da nossa idade tava ouvindo Menudo e a gente começando a ouvir Black Sabbath, AC/DC, aterrorizando minha mãe e ela pensando: “Fodeu tudo, agora os moleques não vão mais pra escola”. Mas a idade não incomoda, o importante é fazer o que você gosta, para viver uma vida melhor.

Como é a relação com os seus filhos? O Igor (com um G só mesmo, filho de Max) tocou contigo nessa demo nova?

Botei ele pra tocar baixo, não falei que tava gravando pra ele não ficar nervoso. Disse pra fazer qualquer coisa e ficou bem legal, aparece na música que tá na internet. Fiquei um papai coroa mesmo, vendo meu filho gravando baixo distorcido numa música que parece até Napalm Death. O Zyon tá com 13 anos, mas ele não gosta de música, só de skate. O Igor tem 12, tem diabetes e muito problema de saúde, mas gosta muito de metal, principalmente metal mais extremo, death metal, hardcore. Então a gente passa muito tempo juntos. Tem uma loja que a gente vai junto aqui que chama “Metal Devastation”, o nome veio de um disco do Sepultura, “Bestial Devastation”. O dono é um mexicano louco que é fã de Sepultura antigo. Na loja só tem death metal, nem Iron Maiden os caras carregam, ele nem foi ver o Slayer quando tocou aqui, porque pra ele é muito pop. Saiu na “Revolver”, uma revista americana, que eu vou nessa loja e levo o Igor. Ele me falou que chega um monte de gente esperando me encontrar. Isso me lembra a época do Brasil, de ir pra loja de CD, descobrir coisas novas. Pra mim a situação é a mesma, eu tô mais velho, mas pra mim o amor à música não morre nunca.

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Comentários enviados

Existem 2 comentários nesse texto.
  1. Amizadai em novembro 24, 2010 às 2:51
    #1

    Muito foda essa entrevista! Sepultura antigo é o que há

  2. natalia em agosto 27, 2013 às 17:02
    #2

    Max, mestre!!!

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