Rock é Rock Mesmo

‘O jeito Cavalera de se fazer metal’

‘Saídos’ do Sepultura pela história, irmãos Cavalera buscam nas suas raízes no som apresentado pelo Cavalera Conspiracy no primeiro álbum, “Inflikted”.

Meus amigos, o mundo está mesmo de cabeça para baixo. Como diria o baiano de discurso recorrente, alguma coisa está fora da ordem. Envergonha-me começar uma coluna citando nefasta figura, mas o que dizer de um festival chamado de Rock in Rio acontecer em tudo o que é lugar, menos no Rio? E do fato de o Noites Cariocas ter acontecido, nesse ano, fora do Morro da Urca? E o já tradicional Humaitá Pra Peixe, que em janeiro aconteceu, acreditem, em Copacabana? Não dá pra aceitar, né? Muito menos em um Sepultura sem nenhum Cavalera na formação.

O bravo Andreas Kisser que me desculpe, mas Sepultura sem Cavalera não dá mesmo. Por isso o aparecimento do Cavalera Conspiracy, com os irmãos Max e Iggor (agora com dois “g”) de volta traz ares de revigoração para a música pesada, mesmo sabendo que pouca coisa realmente nova pode sair dali. O Sepultura foi uma banda top no mundo da música internacional há mais de dez anos, e chegou a revolucionar o heavy metal com o álbum “Roots”, que apresentou uma misturada do thrash de origem da banda com o nu-metal patrocinado pelo produtor Ross Robinson e bandas como o Korn, e com a típica batucada pra turista. Mas isso foi, repito, há mais de 10 anos.

No final de maio do ano passado fui incumbido de fazer uma entrevista com Max Cavalera para a seção de entrevistas da Revista Outracoisa. A idéia era antiga, pois Max sempre foi um bom personagem, mas havia o entrave do acesso ao músico, já que mora em Phoenix, Arizona, e só consegui o contato da “empresa” de Max e Gloria (mulher dele e pivô da saída do Sepultura) naquele período, numa conversa com um jornalista, amigo e companheiro de shows por aí a fora. A idéia, repito, era traçar um perfil de Max, suas andanças na terra do Tio Sam, como tem se virado como artista solo, e como teve que, a fórceps, ver a banda que ele criou com o irmão não ser mais a sua banda.

Acontece que, do outro lado da linha, encontrei um Max empolgadíssimo por estar de novo em contato com o irmão Iggor, e por eles estarem preparando um trabalho juntos, na época ainda sem nome. Cutucado por este que vos escreve, Max revelou, entretanto, o nome de uma das músicas desse novo grupo. Era a primeira vez que ele dizia o nome “Inflikted”, que depois se tornaria o nome da banda, mais tarde mudado para Cavalera Conspiracy, por questões de direitos autorais – “Inflikted” passou a ser, então, o nome do primeiro disco da banda, completada por Marc Rizzo (também Soulfly, guitarra) e Joe Duplantier (baixo).

Max se referia ao projeto como “o jeito Cavalera de ser fazer metal”, e à participação de Iggor como “a volta do som do trovão”. A entrevista poderia ter se transformado numa super matéria multi-gancho, se tivéssemos colhido depoimentos de outros envolvidos, como o próprio Iggor e Andreas Kisser, já que Max sugere uma reunião do Sepultura, mas o nosso querido editor não via assim. De qualquer forma, foi a capa daquela edição, e pautou diversos veículos, sobretudo nesta balbúrdia virtual. Hoje, com “Inflikted”, o disco, nas mãos, descubro que a inefável Rolling Stone Brasil trará os irmãos Cavalera na capa da próxima edição. Muito bom isso.

Mas eu disse que estou com o disco nas mãos, e na verdade esse blá blá blá todo foi só para chegarmos até aqui. O ouvinte menos atento dirá que o Cavalera Conspiracy é “igual ao Sepultura fase Max”, mas não é. Há, sim, uma busca às raízes, mas que antecedem ao Sepultura. Parece que Max e Iggor focaram os primórdios de suas vidas, quando ainda eram crianças em Belo Horizonte, e resgatam referências deles daquela época, como o hardcore, e o metal de então, chamado de power metal, hoje identificado com o metal tradicional. Só que tudo sob uma ótica atual, afinal quase tinta anos se passaram, eles próprios viveram muitas experiências (juntos e separados), os avanços tecnológicos são evidentes, e o mundo, convenhamos, é outro.

Max, no Soulfly, nunca abdicou do peso, mas viveu uma certa onda espiritual que o levou a flertar com outras manifestações musicais que não o metal, chegou até a ver sua música “classificada” como world metal. Agora, busca o esporro desmedido, com a anuência de Iggor e de todos na banda. Iggor, por sinal, mesmo voluntariamente afastado de sua batera por algum tempo, voltou possesso, sentando a mão – em “Sanctuary” é tão rápido quanto os velocistas do metal atual. Max capricha nos vocais rasgados típicos do thrash/death metal, e dessa vez tem a companhia de uma guitarra melódica, porém neurotizada e que aponta para a agonia típica do gênero – “Terrorize”, com mais um show de Iggor no final, é exemplo cristalino disso. Mas atenção: isso não é uma resenha.

No meio do heavy metal é uma unanimidade dizer que os anos 80 é que foram os anos de ouro do metal em todo o planeta. Difícil dizer se isso é verdade, porque todo mundo que assina embaixo dessa máxima era, na época, adolescente, e teve o crescimento marcado pelo metal de então. Entre eles estão Iggor e Max, o que torna evidente essa busca, talvez seja por aí o tal “jeito Cavalera de se fazer metal” a que Max se referia naquela entrevista. E é o que fica bem claro nesse primeiro disco do Cavalera Conspiracy. “Inflikted” traz ecos de bandas que eram um must na época, como Celtic Frost, Exciter, Acid, Venon, Voivod, Possessed e toda a geração pré-thrash. Um tempo em que o heavy metal não tinha tantos subgêneros, e, portanto, carregava um pouco de cada um deles em si mesmo. Daí a convivência, em cada faixa de “Inflikted”, de elementos do thrash/death metal, do metal melódico, do heavy metal tradicional, do doom metal, do black metal e até do hardcore, que Max nunca deixou de lado. Vale também o destaque para a criativa e exuberante colaboração do guitarrista Marc Rizzo, que se supera em quase todas as faixas, fazendo algo completamente diferente do trablho dele próprio, no Soulfly

Tudo isso não faz de “Inflikted” um disco retrô ou revivalista, porque o mundo não parou nos últimos vinte e poucos anos, e Max sabe disso. E, ainda, porque seria impossível isso acontecer, a menos que fosse feito deliberadamente com esse objetivo. Max e Iggor conseguiram resgatar tudo aquilo que viveram na adolescência, dando um verdadeiro salto no tempo, como se, por assim dizer, o Sepultura não tivesse existido e eles estivessem começando a primeira banda deles agora, com o genuíno “jeito Cavalera de se fazer metal”.

Até a próxima e long live rock’n’roll!!!

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