O Homem Baile

Em noite inspirada, Buzzcocks passa a limpo um pedaço da história do rock

Banda e público entram em sintonia e em menos de uma hora acontece uma geral na gênese do punk rock e suas ramificações.

Quem foi ao Circo Voador na noite de ontem viu um dos shows mais rápidos de que se tem notícia. E, de outro lado, acabou tendo uma das mais ricas aulas de punk rock em todos os tempos. Exatos cinqüenta e seis minutos foram o suficiente para o Buzzcocks passar a limpo tudo isso, sem dar chance para o ordinário, o entediante, o banal, o irrelevante. Nem para respirar ou pensar em algo que retirasse do show a atenção de todos, fosse ela traduzida em pogo, mosh, braços erguidos, olhares fixos, abraços em amigos, brados em forma de cânticos ou qualquer outra forma de sintonia com a música dos rapazes (no rock não há velhos) que um dia viram um show dos Pistols e decidiram montar uma banda.

Podem lembrar os mais atentos que os caras têm lançado álbuns com certa freqüência e que até algumas dessas músicas foram apresentadas ontem no Circo, mas o que entrará para a história é saraivada de clássicos absolutos que banda tocou. Clássicos não do Buzzcocks ou do punk rock, mas daqueles que movimentaram as gerações que se sucederam levando novos garotos a montar bandas, e assim tem caminhado a humanidade no rock. Um observador ainda mais milimétrico, porém, deve ter enxergado ali, bem à sua frente, em cima do palco, a gênese do hardcore, do hardcore melódico, do poppy punk, de setores da música pop… E não sem razão.

Como explicar clássicos em profusão daqueles que às vezes não se sabe o nome, mas tem-se a percepção de sermos íntimos dele? Ou do tipo que não se conhece mesmo, mas, após duas vezes o refrão, passa a ser a música mais conhecida depois que o gramofone foi inventado? É o mínimo que se pode falar de músicas como “Ever Fallen In Love”, “What Do I Get”, “Autonomy”, “Harmony In My Head” e até da inusitadamente incluída “Fast Cars”, entre as vinte tocadas nessa noite memorável. O público, que demorou, mas acabou se fazendo representar bem, se entregava a plenos cantarolares quase involuntários, mas jamais interrompidos.

Não foi a primeira vez que o Buzzcocks esteve no Rio, mas nas outras duas não teve direito a um local minimamente razoável para e apresentar. O heróico Garage e o inadequado Cine Íris não permitiram o espetáculo de ontem. A coisa era tão boa que era possível ver, por exemplo, um Steve Diggle muito à vontade, empunhando guitarra, falando com o público, curtindo o show adoidado. Ou o sisudo Pete Shelley, que circulava no meio do público preocupado antes do show, sorrir como uma criança. Eles também sabiam o que estava acontecendo naquela menos de uma hora. Veículos do próprio rock, cumpriram muito bem o papel que lhes é cabido.

Na abertura, o Carbona serviu de chamariz para quem estava do lado de fora, desperdiçando um bom repertório. E o Lambrusco Kids, ao contrário, tocou para um bom público, mas não cativou ninguém. Mero detalhe de coadjuvantes de luxo uma noite inesquecível.

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