O Homem Baile

Roger Waters recria Pink Floyd em espetáculo exuberante

Em show irretocável, baixista abusou das projeções e efeitos visuais. Nem “apagão” de dez minutos atrapalhou a noite histórica. Fotos: Marcelo Rossi/Divulgação Media Mania

Roger Waters canta com o Coral de Crianças da UFRJ: Teatcher, leave your kids alone!

Roger Waters canta com o Coral de Crianças da UFRJ: Teatcher, leave your kids alone!

Aquele que por ventura passasse ontem, nos arredores do Sambódromo, no Rio, anotaria com toda a convicção que o Pink Floyd estaria se apresentando na Praça da Apoteose. Ao invés da consagrada banda inglesa, Roger Waters, baixista e membro fundador, é que estava lá, com o show “The Dark Side Of The Moon”, que tem o disco de mesmo nome tocado na íntegra. Apenas 40 minutos das quase três horas de show que incluíram ainda outros clássicos do Pink Floyd, além de duas solitárias músicas da carreira solo de Roger. Era ou não era para confundir os transeuntes menos informados?

Waters virou a voz ofical do Pink Floyd

Waters virou a voz ofical do Pink Floyd

O show, conceitual, começa antes de si próprio. Um telão gigante de altíssima definição mostra em close um rádio da década de sessenta, posicionado no quarto de um sujeito perturbado que fuma, bebe e troca de estação sem parar – em todo o show o universo deprê desse cubículo seria exibido. As músicas do tal rádio se sucedem e variam entre clássicos do rock e as correntes que o fundaram. Até que “In The Flesh”, a mesma que abriu o show de 2002, é iniciada com muita pirotecnia e os martelos de “The Wall” estilizados marchando no telão. O impacto visual é impressionante. A sensível “Mother” se ambienta no quarto bagunçado do tal sujeito, até que “Set The Controls For The Heart Of The Sun” começa a realçar a boa banda recrutada por Waters. Primeiro um belo solo de clarinete, depois um dos três guitarristas manda um excelente solo de guitarra, que, aliás, daria a tônica em todo o show. Nesse momento o telão começa “pegando fogo”, mostra uma versão moderna das antigas bolhas de óleo e água dentro de uma calota de vidro, e imagens antigas da banda ainda com Syd Barret.

As bolhas de óleo na água foram atualizadas

As bolhas de óleo na água foram atualizadas

É a deixa para que se inicie praticamente um bloco especial em homenagem ao guitarrista, falecido em junho do ano passado. Se o álbum “Wish You Were Here”, de 1975, foi todo dedicado a ele, que foi fundo na viagem das drogas e não voltou, ontem a seqüência “Shine On You Crazy Diamond” / “Have a Cigar” / “Wish You Here” (a música) se prestou muito bem a este papel. A imagem do guitarrista ainda novo, cenas de velas acesas sendo substituídas por pétalas de rosas e até uma metáfora com o paraíso garantiram um dos momentos mais belos e emocionantes da noite. A bem da verdade “Wish You Were Here” encanta não só pela beleza da canção, mas porque não é possível o ser humano sem o sentimento de perda e da respectiva saudade, e certamente não existe uma música que melhor represente isso. Os cerca de 40 mil que lotaram a Apoteose que o digam.

O baixista também tocou violão em algumas músicas

O baixista também tocou violão em algumas músicas

Chega a hora em que Waters se aprofunda no seu tema predileto: as guerras e as conseqüências para a sociedade como um todo. Os detratores do músico podem taxá-lo de paranóico, mas poucos artistas em todo o mundo foram tão contundentes com as mazelas do poder em todas as sociedades. Assim ele antecipou a queda do muro, com “The Wall”, e nunca mais deixou o tema de lado. Em “Fletcher Memorial”, por exemplo, imagens de Bush, Saddam, Reagan, Pinochet, Thatcher e similares são mostradas no telão, enquanto a letra da música condena quem manda inocentes para os campos de batalhas. Ela foi tocada logo depois de “Southampton Dock”. As duas, do fraco “The Final Cut”, o último disco com a formação clássica do Pink Floyd, foram praticamente ignoradas pelo público, até então bastante participativo. Durante “Perfect Sense”, a seguinte, o que era para ser uma grande explosão causada por um míssil disparado no telão, acabou pifando a energia do palco, que levou dez minutos para ser restabelecida. Na volta Waters “culpou” a energia do público pela pane, em tom de brincadeira. “Livin Beirut” conta uma historinha de um jovem Waters sendo bem recebido no oriente médio e é a deixa para mais ataques a Bush, tudo explicado em forma de quadrinhos no telão. A música que encerra a primeira parte do show (cerca de 1h25m) é “Sheep”, que leva o porco aos céus. O inflável, rosa choque, foi levado por dois incautos que seguravam as cordas no meio do público. As frases escolhidas através de uma promoção de um jornal carioca refletiram a preocupação com a violência (“Hey killers, leave our kids alone”), educação (“All we need is education”) e antiamericanismo (“Bush, não estamos à venda”), entre outros temas. No final da música o porco é solto em definitivo aos ares. O público delira, e a parte principal ainda nem havia começado.

Vista do palco com o porco indo pelos ares

Vista do palco com o porco indo pelos ares

Além da parafernália visual, o que contribui para o espetáculo é a qualidade do som “quadrafônico” que insere o público dentro das músicas, assim como as imagens que parecem sair da tela e chegar até a platéia. Foi o que aconteceu com a peça “The Dark Side of The Moon”, carregada se sons de fundo como helicópteros, despertadores, moedas e gargalhadas. Waters fez questão de tocar tudo igualzinho ao disco, tanto que a duração, ao vivo, foi praticamente a mesma do vinil, cerca e 43 minutos. Mesmo que pequenas alterações se evidenciassem (como um certo molho eletrônico em “On The Run”), as 11 músicas foram, em conjunto, bem fiéis às versões originais. “Money” foi cantada por um dos guitarristas, e “Us And Them” (com nova citação a George Bush), pelo tecladista, mostrando outra diferença em relação ao show de 2002, quando Waters cantava tudo. Em “Any Color”, um prisma gigante se salienta no topo do palco, e feixes de raio laser com as cores do espectro iluminam as arquibancadas, num efeito muito bonito.

A imponência do telão sobre o palco

A imponência do telão sobre o palco

Para o bis, a estrela foi “The Wall”, a começar por “Another Brick In The Wall Part II”, que contou com o coral de crianças da UFRJ, anunciado pelo próprio Waters, num português lido em um pedaço de papel. Na tela, dois muros e duas épocas: o de Berlim, posto abaixo em 1989, e o da Faixa de Gaza, erguido em pleno século 21. Duas músicas daquelas que “compõem o elenco” precederam o final com “Confortably Numb”, quando o telão volta a exibir o sujeito perturbado em seu quarto, até que o rádio reaparece indicando o final do jeito que começou. Numa palavra? Inesquecível.

Set list completo:

1- In The Flesh
2- Mother
3- Set The Controls For The Heart Of The Sun
4- Shine On Your Crazy Diamond
5- Have a Cigar
6- Wish You Were Here
7- Southampton Dock
8- Fletcher Memorial
9- Perfetc Sense
10- Leavin Beirute
11- Sheep
Intervalo
12- Speak To Me
13- Breathe
14- On The Run
15- Time
16- The Great Gig IN The Sky
17- Money
18- Us And Them
19- Any Color
20- Brain Damage
21- Eclipse
Bis
22- Happiest Days
23- Another Brick In The Wall Parte II
24- Vera
25- Bring Boy Back
26- Confortably Numb

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