Rock é Rock Mesmo

Ecos do Ruído Festival

Mulheres se destacam em meio a bandas conhecidas e novidades, numa edição em que a produção se atrapalhou toda.

Meus amigos, em verdade vos digo: não existe coincidência. Já disse e desdisse que, no lugar dela, ao menos no rock, há a sincronicidade. Essa já citei aos borbotões e dissequei bem aqui. Mas que elas – as coincidências – existem, existem. Eu, por exemplo. Comecei a escrever esta coluna pensando nas mulheres que entupiram os palcos do Ruído Festival, no último final de semana, quando me atinei para o fato de que esta Rock é Rock Mesmo seria publicada hoje, no Dia Internacional da Mulher. Bem, nem sou ligado nessas datas caça-níqueis que o capitalismo nos deu, mas uma forçada de barra de vez em quando não chegar a soar como apelação, né?

Mas falava do Ruído, o grande festival independente da Cidade Maravilhosa. Ok, há o valoroso, respeitável e tradicional Humaitá Pra Peixe, mas este é dotado de um ecletismo tão abrangente que foge da seara do rock, e, conseqüentemente, deste espaço – aqui o negócio é rock, sabemos todos. O Ruído tem como grande cabedal trazer para o Rio as bandas que tocam nos demais festivais espalhados pelo Brasil, e associados na Abrafin. Isso porque um dos produtores, Gabriel Thomaz, promove um intercâmbio por conta das apresentações do Autoramas (banda em que ele canta e toca guitarra) nesses eventos. Gabriel é quem faz o chamado casting e lota o Ruído de bandas interessantes (ou não) que a cada ano despontam no cenário independente. Trabalham com ele no Ruído Rodrigo Quick e Débora Martins.

Este ano o formato do festival foi, no mínimo, estranho. Impossibilitada de utilizar o Teatro Odisséia no sábado, onde uma festa ultra-rentável garante o borderô, a produção foi obrigada a começar o festival numa quinta (antes era sexta) e a transferir o último dia para o Casarão Cultural dos Arcos, ali mesmo na Lapa. Só que o lugar não tem o élan do Odisséia, e descaracterizou completamente o festival. No próprio Odisséia, a repetição do nefasto palco de cima (um canto com um degrauzinho e uma luz acesa o tempo todo, com um som deplorável) prejudicou bandas que já passaram a muito tempo desse estágio. O Cabaret que o diga: perdeu tempo e queimou o filme.

Mas falava de mulheres, no Dia Internacional da Mulher, e das mulheres no Ruído. Então vamos começar pela cozinha, com a exuberante Cris, que além de sentar a mão na bateria ainda tem que aturar as provocações de Zimmer, o gordão mascarado que faz as vezes de vocalista de banda instrumental. Estamos falando dos Ambervisions, que fez um dos melhores shows do festival. Antes, no palco de cima, Andréa Amado, do Noitibó, batia com menos força, mas com bastante técnica. A banda fez um show discreto e surpreendeu muita gente, com um som que, ao vivo, parece ainda mais com o do Primus, a principal (não única) referência deles.

A segunda noite trouxe ainda mais duas beldades. Primeiro Érika Martins, que continua herculeamente tentando lançar o disco de estréia; ao que parece, sai mesmo esse ano. Lembro dela própria, há dois Ruídos prometendo lançar esse mesmo disco com esse mesmo material. Ok, sabemos da dificuldade que um artista independente tem para lançar um disco, mas essa história toda só arranha a credibilidade artística que a moça tem. A outra é Selma Vieira, a baixista do Autoramas que melhora a cada dia, como se não bastasse substituir a saudosa Simone à altura. A banda, com o disco tal no forno, mostrou várias músicas novas e já começou a limar do set clássicos como ”Carinha Triste” e “Fale Mal de Mim”. Um dos melhores shows de todo o festival. Na noite de estréia do Ruído, destaque para a soberana Ingrid, vocalista do Pic-nic. O grupo tá fazendo um som bem mais consistente, parece ter evoluído bastante. E digo isso, também, depois deter ouvido uma nova demo com quatro músicas. Eu não vivo dizendo que estrada e palco fazem bem para as bandas? Pois então.

Meninas à parte, e como um todo, há que se afirmar que o Ruído desse ano não trouxe muitas novidades. Disse isso e já corrijo: trouxe, sim. O Superguidis, por exemplo, provou, ao vivo, porque é um dos queridinhos da crônica musical alternativa. Os caras fizeram um dos melhores shows do festival, com músicas consistentes, letras com boas sacadas e riffs contagiantes. O Rock Rocket, que também já esteve numa outra edição do Ruído, agora sim pode se gabar de fechar uma das noites do festival. O trio porra-louca cresceu muito, e apesar de ter um público reduzindo na quinta, dado o avançar da hora, fez um bom show.Teve a participação dos Matanzas Jimmy e Donida; juntos eles levaram “Ramones”, do Motörhead. Grata revelação foi o Stratopumas, do Rio Grande do Sul, assim como o Superguidis. Mesmo com o vocalista parecendo um clone de Julian Casablancas, o quarteto toca bem diferente do Strokes: um rock vigoroso e melódico. Essa banda ainda vai dar o que falar.

O brasiliense Prot(o) sempre divide opiniões. Faz um som indigesto, que por vezes encontra solução no palco, noutras não. No Ruído, a banda se saiu muito bem, num show conciso em que as guitarras esbanjaram melodias criativas e bem concatenadas em cada música. Dessa vez agradou. De São Paulo, o Banzé fez um dos shows mais insossos de que se tem notícia. Sabe quando uma banda não tem nada a ser comentado? Pois foi assim. Bem, eles tentaram um punhado de covers, mas a coisa só piorou. Ou não, já que as músicas deles são (ao vivo) realmente muito fracas, bem pior do que no disco. Do Regra Zero nem há o que falar. Grupo de baile, com músicos tecnicamente bons, mas sem noção de tempo e espaço, nem era para estar num festival da projeção do Ruído.

Deixei para o final, de propósito, quem tocou no sábado (eu disse sábado, o dia principal do festival), confinado no Casarão Cultural. Nem o Lasciva Lula, que lotou o Odisséia no show de lançamento do álbum “Sublime Mundo Crânio”, conseguiu levar gente para o lugar. A banda fez o bom show de sempre e só. O feijão com arroz punk do Iguanas, em meio a um som embolado praticamente passou batido, e o Ecos Falsos, badalado em São Paulo, mostrou potencial, mas se perdeu entre ajustes de equipamento desagradáveis. O Devotos de Nossa Senhora Aparecida (o nome não tinha encurtado?), com um inchado Thunderbird despejou muitos de seus hits underground e ainda uns covers obscuros de Joelho de Porco (“Rapé”, entre outros) e “Fama de Mau” (Roberto e Erasmo). Praticamente salvou a noite dos excluídos do festival.

E, claro, Sebastião Estiva não é nada.

Até a próxima e long live rock’n’roll!!!

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