Rock é Rock Mesmo

Scar Symmetry mistura quase tudo e é a grande revelação do metal em 2006

Nosso colunista cumpre promessa apresentando, enfim, algo de realmente inovador no heavy metal mundial. Para desespero de quem jogou anzol em águas turvas.

Meus amigos, vivo de fazer promessas que nem sempre são cumpridas. Verdadeiros lapsos de caráter se colocam entre mim e os leitores que, atentos, esperam para ler aquilo que prometo escrever. Não que me falte boa índole para cumprir com o que falo, mas, como diria Bethânia, a falta de tempo é tamanha. E, se me permite o anedotário popular, o excesso de tarefas também. Ao menos para mim, que, a bem da verdade, sou um operário do rock. Desabotôo esse bornal de lamentações sem muita razão, porque, desta vez, vou fazer exatamente aquilo que prometi há uma semana: falar sobre a grande revelação do heavy metal em 2006.

Outro dia, se me permite o leitor um causo antes do assunto em si, falei da relatividade e da efemeridade das revelações. O que é uma grande revelação pra um fulano hoje, é de conhecimento de um cicrano há mais de três, quatro anos. Como exemplo, citei o que é escolher os melhores do ano para uma revista mainstream como a Bizz, ou votar num prêmio patrocinado, por exemplo, pela Dynamite. Mais íntima do underground, a publicação independente mais antiga do país descobre tudo antes. Assim, o que é revelação para a primeira, é banda veterana para a segunda. E isso sem tirar o mérito de uma ou de outra, cada qual cumprindo honrosamente sue papel no extrato social. Digo isso porque estou prestes a apontar a grande revelação do heavy metal em 2006, e há que aparecer esse ou aquele que já conheça esta revelação há uns duzentos anos. Sorte a deles. Eu, por hora, me reservo no direito de chamar de revelação, sim. E sem medo de ser feliz.

Falo, meus amigos, da banda sueca Scar Symmetry. Ok, confesso que o nome também não me caiu bem à primeira ouvida, mas o disco que chegou aqui em casa há uns meses, esse sim caiu muitíssimo bem. Sabe quando você nada espera de alguma banda que te indicam, e, do nada, você decide ouvir a bagaça e se surpreende completamente? Pois então. E, confesso, trabalhando na crítica musical, cada vez mais te indicam coisas, e de tanto ouvir de tudo cada vez menos algo te surpreende. Posso contar nos dedos quais os discos e artistas que me surpreenderam nos últimos tempos. Vejam bem, não estou dizendo que tudo é ruim, mas pouca coisa é realmente surpreendente, por se algo diferente, inovador. Por exemplo. Os últimos discos do U2 são excelentes, são tocados aqui no CD player o tempo todo, mas não passam do bom e velho U2. Não me surpreenderam, compreendem? “A Matter of Life and Death”, o mais recente do Iron Maiden é ótimo, entretanto em nada me salteia.

Mas chega de conversa, antes que a coluna acabe sem eu falar o que realmente interessa. O Scar Symmetry inova dentro da diversificada (e por vezes) repetitiva cena do heavy metal porque faz algo que ninguém ainda havia feito. Em poucas palavras, correndo o risco de ser reducionista, cravo: os caras misturam death metal com metal melódico e prog metal, junto com vocais limpos e sujos, cantados – acreditem – pelo mesmo vocalista, o versátil Christian Älvestam. Pois vamos começar pelo fim. O cara faz as duas funções com técnica e intimidade com cada uma das variações que é realmente de impressionar. Quando o quesito é gritar, mostra um gutural soberbo, o que, vamos e venhamos, não é mérito só dele, um punhado de outros vocalistas fazem a mesma coisa. Mas quando o assunto é cantar com afinação, o cara destrói, até porque possui um timbre de voz diferenciado e uma potência vocal rara não só para o metal, mas em qualquer ramo da música como um todo. De cara, ressalta-se, Älvestam é um privilegiado – é duro imaginar que ele tenha cantado durante um tempão só usando os vocais sujos.

Se um vocalista é emblemático para qualquer banda, não é só com ele que se faz algo inovador. Para que um vocal raro se destaque numa gravação, é preciso músicas que permitam que ele se coloque, músicas cativantes e (no caso do metal) agressivas o bastante para justificar o gênero. Pois basta ouvir “The Illusionist” e “Slaves to the Subliminal”, as duas primeiras de “Pitch – Black – Progress”, o segundo disco deles, para ficar de queixo caído. A segunda é certamente a música mais colante feita por uma banda de heavy metal nos últimos tempos, e a primeira, bem, ela é quase isso. O álbum todo, é bom dizer, é feito de músicas que prendem o ouvinte, seja pelo fator “catchy”, ou pela habilidade técnica (jamais enfadonha) aplicada pelo quinteto.

Vale dizer que, tecnicamente, o som praticado pelo Scar Symmetry tinha tudo para ser indigesto. Mistura tanto, honra seja feita, que tem tudo para dar errado. Mas, repito, há nesse disco prog metal, death metal e metal melódico/metal tradicional. Então imagine se for capaz, um Dream Theater da vida, com os vocais do Slayer (e, ao mesmo tempo, um tenor semigrave e afinado); ou, de outro lado, uma música melódica e colante, com o mesmo vocal afinado, mas seguindo a linha harmônica com grande precisão, e cantando refrões com voz gutural antes de um solo à Helloween se soltar desvairadamente - caso de “Calculate The Apocalypse”; ou, por último, uma música lenta e pesada, com a cadência thrash e a sensibilidade dos tempos em que o metal mostrava as raízes no blues. Difícil de perceber? Ouça e diga se estou a viajar, como dizem os nossos patrícios de além mar.

Não fosse essa rebinbonga toda o suficiente, os caras ainda fizerem um disco praticamente temático. Este “Pitch – Black – Progress” tem como linha condutora o mundo industrial, globalizado, em crise e em guerra, com o apocalipse bateando (forte) às nossas portas, pontadas sutis (ou não) nas mazelas da humanidade, caos, becos sem saída e o escambau. Temas um pouco comuns, é verdade, mas tratados num formato, se me permitem, sem precedentes dentro da música pesada, em letras, música, arte e adjacências. Música símbolo disso tudo, e talvez do álbum, musicalmente falando também, se é que existe uma, é “The Kaleidoscopic God”, com lindos sete minutos. Nela é possível reconhecer inúmeras fases do heavy metal, incluindo bandas especificamente. E tudo sem deixar de ser uma genuína peça do Scar Symmetry.

O Scar Symmetry, a despeito de ser aqui apontado como grande revelação do metal em 2006, nasceu em 2004, e tem dois álbuns lançados. O primeiro é “Symmetric In Design” (2005), e não tenho a menor idéia do que seja. O segundo é este excepcional “Pitch – Black – Progress” (2006), que a Nuclear Blast/Rock Brigade soltou por aqui. A banda é formada por Christian Älvestam (Vocais), Jonas Kjellgren e Per Nilsson (guitarras e “teclados adicionais”), Kenneth Seil (baixo) e Henrik Ohlsson (bateria). Antes, eles tocavam (ou ainda tocam) em bandas de metal extremo na Suécia, e estão agora fazendo algo de realmente relevante. Bem, isso aqui não é matéria do tipo que conta história de banda, quem quiser saber mais que corra atrás no site oficial, myspace, gravadora e o escambau. Porque, por tudo que falei e disse nessa primeira coluna de 2007, o Scar Symmetry foi o que de melhor aconteceu no mundo do heavy metal em 2006.

Vale lembrar, antes de terminar essa joça, que comecei esta coluna inaugural de 2007 falando de promessas não cumpridas, embora tenha, agora, cumprido uma delas, e, diga-se de passagem, sem atraso. Vou terminá-la, acreditem, como incorrigível prometedor. Pois anotem aí: não vou dormir direito enquanto não publicar a entrevista que fiz com a banda há cerca de dois meses. Vocês sabem, promessa é dívida. E eu chego lá.

Até a próxima, e long live rock’n’roll!!!

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