Rock é Rock Mesmo

É duro ser indie

Enfiado num festival com bandas suecas, nosso colunista verifica como é difícil ser indie de verdade.

Meus amigos, vejam como são as coisas. Como bem sabem aqueles que acompanham essa coluna já há um certo tempo (quase duzentas em quatro anos) sou um obcecado pela modernidade. Mas vejam que a alcunha não foi vestida por mim mesmo, por iniciativa própria, mas foi o colega Marco Antonio Barbosa quem a cunhou e me entregou de bandeja. Bart certamente detém o melhor texto de segundo caderno deste balneário de ônibus flamejantes. Disse isso o observador jornalista antes mesmo que meu amigo Moderninho de Plantão reconhecesse em mim as qualidades daquele que, para todo o sempre, quer ser moderno.

Pois eis que na última quinta, dia 14, fui a luta mais uma vez, para encarar uma jornada em prol da modernidade. Não por acaso Bart estava lá. Ele e quase todo o contingente de festas como a Maldita, que acontece às segundas no Rio sob o inequívoco slogan “comece a semana se acabando”. Os DJs Zé e Gordinho, que promovem a festa, estavam lá também, mesmo porque Gordinho é guitarrista da Pelvs, a banda indie mais antiga do Rio, uma legítima guitar band, do tempo em que os indies eram assim chamados. O evento era a nona edição do Algumas Pessoas Tentam Te Fuder, o cenário o Teatro Odisséia. A casa já estava, por volta das dez da noite, com um bom público, que receberia artistas suecos (indies, claro), de passagem pelo Brasil chancelados pelo Coquetel Molotov, uma galera indie da pesada de Recife, e da própria embaixada sueca. Meu amigo Moderninho de Plantão, evidentemente, também estava lá.

Não sei consegui me fazer entender nesta singela descrição, mas é claro que um obcecado pela modernidade como eu tinha mesmo que estar ali. O cenário ideal com os personagens idem. Só bandas indies dos cafundós da Suécia, país mais conhecidos por grupos ultrapop (Abba, Roxette), do novo rock (Hellacopters, Backyard Babies) e por abrigar uma perna do death metal em todas as suas variações (Entombed, In Flames). Ou seja, o Teatro Odisséia, na última quinta, era nada menos que O point. O lugar perfeito para o encontro com o novo. A vanguarda da vanguarda. A modernidade, enfim. Era batata.

Acontece que, assim que cheguei no local, apesar da boa presença de público, o clima era tenso. No palco, em meio a milhões de equipamentos, os rapazes da Pelvs se punham a montar e a afinar instrumentos. Sabia, de antemão, que a abertura da noite sueca seria feita por Erlend Oye, o “cara do Kings Of Convenience”, que viria como contrapeso lá do norte da Europa. Não sei se vocês se lembram, mas o Kings Of Convenience foi um desses grupos abençoados pelo Tim Festival, e tocou aqui na penúltima edição do festival. Os noruegueses conseguiram a façanha de mal serem notados pela platéia do Palco Lab, já que a conversa alta do público praticamente ofuscou a “animada” apresentação.

Acontece que, segundo pude apurar, os suecos + “o cara do Kings Of Convenience” chegaram com a macaca e disseram que quem ia abrir a noite era a Pelvs e ponto final. E que ele, “o cara do Kings Of Convenience”, iria ser o último a tocar e estava acabado. Achei coisa de estrelas do naipe de Mick Jagger, mas como estava ali para ser moderno, curti a atitude amistosa dos nórdicos. Sobrou para a Pelvs tocar cerca de 20, 30 minutos, o que, para a Pelvs de hoje, que praticamente é uma banda de rock progressivo, só deu pra tocar umas três ou quatro músicas. Tivemos as reclamações de sempre (nesta noite perfeitamente explicáveis), mas foi até bom, sobretudo quando o vocalista disse que iria sair dali para jogar uma sueca. Até o humor eu achei moderno. Cool.

Fiquei surpreso foi quando Rodrigo Lariu, que carrega o festival e toda a cena indie carioca nas costas, subiu no palco para explicar que a banda seguinte, a El Perro Del Mar, não tocaria. Segundo ele, a loirinha por trás da banda, Sarah Assbring (nome esquisitão, né?) passou mal durante a tarde, na passagem de som, por causa de uma microfonia e não sairia do hotel naquela noite. Não sei porque cargas d’água o empolgado Bart e eu entendemos que, ainda assim, um integrante do grupo tocaria sozinho. Só não acreditei quando Lariu disse, a pedido do tal músico, que quem não quisesse assistir ao show poderia deixar o ambiente, pois quem ficasse para a apresentação deveria fazer silêncio. Uma atitude bem amistosa. Moderna. Cool.

Não teve jeito. Lembrei de João Gilberto, o notório mala que pensa que show de bossa nova é recital para entendidos. E o cara não se fez de rogado: tocou um desafinado violão o tempo todo sentado, incluindo músicas próprias e versões de Morrissey e Paul Simon – e pensar que Bart, enfastiado, sugerira a dupla Simon e Garfunkel. Na metade do show a platéia já se dividia. Na parte da frente, antes do primeiro acorde de cada música, a vibração era latente - vejam o que é a internet. Na de trás, ninguém agüentava mais. Tudo na mais tácita harmonia. Até que alguém de trás não suportou mais e xingou nórdico, gerando um localizado bate-boca com alguém da frente que sentenciou que o tal fulano não “entendia nada de música”, era praticamente um ogro. Como é difícil ser indie, pensei.

Mal o show terminou, e uma conversa com o pessoal dos quadrinhos (que faziam a Mosh e agora fazem a Jukebox) descobri que o fulano que lá estava não era realmente um qualquer, era ele mesmo, o próprio “cara do Kings Of Convenience” que, num gesto de generosidade, decidiu cobrir a ausência da amiga Sarah. Tudo apurado e confirmado por Zé, o DJ, que disse ainda que o problema com a loirinha não passava de frescura mesmo. Estava eu já com dois shows nas costas (a metade o festival) e não havia ainda entendido muito coisa. Como é difícil ser indie.

Foi então que Jens Lekman entrou no palco, e desta feita eu sabia de quem se tratava, fui informado direitinho. Bart se pirulitou lá pra frente, onde se esbaldou com aquele que, para ele, era a grande atração da noite. Eu, mais perdido que cego em tiroteio, apostava no Hell On Wheels, na verdade sem saber o porquê. Olhando para o sujeito com um violão, outro com um baixo, e duas meninas (muito bonitas, diga-se de passagem) que tocavam uma maquete de bateria, instrumentos de sopro e um acordeom, não tive como não me lembrar das adoráveis quermesses alemães, das quais o principal representante, sabemos todos, é o Arcade Fire. Eis a mais pura das verdades: Jens Lekman nada mais é que um Arcadefirezinho. Não é a toa que o grande CEL, nada afeito a saídas noturnas, estava lá. A última atração acabou sendo o Hell On Wheels, que, para minha surpresa, mesmo sendo um trio, é um Pixieszinho, com mulher no baixo e vocal e tudo. Talvez todo mundo já soubesse disso, uma vez que eles já tocaram no Brasil em 2004. Eu, não.

O leitor de longa data já deve estar se pinicando na cadeira. Quer saber a todo custo, num festival desses, onde estaria o meu amigo Moderninho de Plantão. Disse lá em cima, de passagem, que ele estava nessa noite linda, o vi assim que entrei. Mas só revi o amigo de longa data no final, extasiado, em frente ao palco. Não resisti e fui mostrar-lhe todos os conhecimentos que, a duras penas havia adquirido naquela noite. No que ele retrucou: esses dinossauros suecos são foda. É, meus amigos, é duro ser indie.

Até a próxima, e long live rock’n’roll!!!

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