Rock é Rock Mesmo

Inovando no rock nacional e mesmo em todo o mundo, o Matanza acabou encontrando um parente alemão

Dezperadoz também bebe na fonte do velho oeste, só que tem como fiador o metal tradicional.

Meus amigos, eu não queria falar mais agora vou dizer. Ou, por outra, eu já falei e agora vou repetir. Tem muita coisa boa dentro do rock feito aqui mesmo no Brasil que só não é ponta de lança mundo afora simplesmente porque é feito num país periférico em se tratando de música pop. No passado já afirmei isso categoricamente ao comentar os trabalhos de estréia de Pitty, Jane Fonda e Matanza, exemplos bem acabados de coisa nova dentro do mundo do pop – como gosta de dizer Zeca Camargo em seu livro. Sim ele escreveu um, contando os bastidores da entrevistas que fez com artistas da música ao longo dos anos.

Mas falava de coisa nova e de como o novo, se feito no Brasil, passa despercebido no primeiro escalão da música pop, no que me lembrei de outro exemplo. A banda mineira de heavy metal Drowned. Essa faço questão de anotar aqui para só desenvolver lá embaixo. Porque depois de uma pá de colunas divagando sobre um monte de coisas, finalmente eis que vou apresentar bandas novas, desde já favoritíssimas da casa, como diria o imbatível Fabio Massari. Sim, eu disse novas mesmo. Nada de nostalgia. Nada de Rainbow, Big Country e Thin Lizzy. Não dessa vez.

Falei do Matanza porque a música feita pelo quarteto carioca, que acaba de lançar o terceiro álbum, “A Arte do Insulto”, descontando um tributo a Johnny Cash, é realmente singular. Misturar música pesada (entenda-se hardcore e várias vertentes do metal) com country, e fazer disso o pano de fundo para letras que são verdadeiras crônicas do dia-a-dia do velho oeste, ou ainda páginas do diário de alguém bronco, grosso, feio, sujo, bêbado e malvado, foi sem dúvida um achado. Um ovo de Colombo, por assim dizer. Pois eis que, de certa forma, o Matanza foi encontrar um primo distante lá do outro lado do Globo, na Alemanha.

É de lá que vem o Dezperadoz, cujo nome, para uma banda germânica, já surpreende. Os caras decidiram misturar o velho oeste que serviu de fonte para o Matanza com o power metal típico lá da Europa. Acalmem-se os precipitados que o resultado nada tem a ver com o tal metal melódico cujo mote tem sido um tormento para leigos em geral, ainda que estes pouco se interessem em afastar o joio do trigo. O vocal de Alex Kraft, diga-se de passagem, é parecidíssimo como do de Ian Astbury, do The Cult, só pra vocês sentirem a pungência da parada. Kraft é o dono da boca, a banda gira em torno dele, que se intitula num texto de apresentação do segundo disco, como “um homem antiquado, à moda antiga”. O disco se chama “The Legend And The Truth”, saiu no Brasil pela Rock Brigade Records e foi todo composto em homenagem ao mito de Wyatt Berry, espécie de anti-herói do velho oeste americano na transição do século 19 para o 20, que bem poderia ser um desses personagens criados pelo Matanza.

Além de Kraft, que compõe tudo, canta e toca guitarra, gravaram nesse disco Denis Ward (guitarrista do Pink Cream 69 e produtor de mão cheia), Alex W. (baixo) e Sacha Tilger (bateria), e há ainda as participações especiais (bem discretas) de Tobias Sammet (Edguy), Joacim Cans (Hammerfal) e Michael Weikath (Helloween). As músicas se dividem entre épicos do velho oeste (“March To Destiny”, “Hellbilly Square”, totalmente country, e “Rawhide”, sim, esta um cover de um clássico americano); músicas mais chegadas no metal tradicional, outras bem parecidas com o Cult, da genial fase Sonic Temple, caso de “Deadman Walkin’” e “First Blood”; e ainda um quarto grupo que cumpre mais função de “compor o elenco” mesmo, como as boas “Ok Corral” e “Look Into The Barrel Of My Gun”. “Friends Till The End” se sobressai porque tem a introdução idêntica à “Perfect Strangers”, do Deep Purple, embora Kraft negue com veemência.

Se o Matanza, como disse, sacou um ovo de Colombo, o Dezperadoz tem lá seus méritos. Não é, entretanto, nada fora de série do ponto de vista de que vai crescer no mercado e blá blá blá. É legal mais pelo inusitado, pela alternativa que representa - num mundo onde a Lei de Lavoisier parece regra. Eu por exemplo, já solicitado a apresentar relações de melhores do ano, talvez nem inclua esse bom “The Legend And The Truth” entre os cinco mais. Mesmo porque é uma parada muito específica. Diferentemente do Matanza, que, colocado na categoria “rock nacional”, tem presença certamente garantida, de uma forma ou de outra. Mesmo porque “A Arte do Insulto” é realmente muito bom, pelo chamado “conjunto da obra”.

Assim como usei o Matanza para apresentar o Dezperadoz, não coloquei o Drowned lá em cima por acaso. Por incrível que pareça o disco do Dezperadoz chegou por aqui nesse ano que se finda (lindo isso) muito bem acompanhado. E de uma banda, esta sim, que tem tudo para ser o grande destaque do heavy metal europeu nos próximos tempos, e, se bobear, até conquistar o lado de cá o Atlântico, mas acima. Uma banda, portanto, com inequívoca vocação para chacoalhar o heavy metal mundial, e que deve surpreender muita gente nas minhas listas de final de ano. Como nem tudo são flores, o espaço dessa semana tá acabando, e vou ter que adiar esse assunto. Mas vocês não perdem por esperar. Podem crer amizade.

Até a próxima, e long live rock’n’roll!!!

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