No Mundo do Rock

Plebe Rude
A volta dos que não foram

Grupo de Brasília, em fase de esplêndida formação, desengaveta disco prometido há seis anos. Publicado na Outracoisa número16, de setembro de 2006. Fotos: Nicolau El Moor/Divulgação

Clemente, Philippe, Txotxa e André

Clemente, Philippe, Txotxa e André

Dizer que a Plebe Rude está de volta pode não fazer nenhum sentido se levarmos em conta que “O concreto já rachou” certamente “freqüentou” os ouvidos de quem lê este texto. Isso é certo se levarmos em conta que a bolacha alcançou a marca das 200 mil cópias vendidas e teve pérolas que animaram – e muito – o dial. Mas se considerarmos que o último disco dos plebeus foi lançado há 13 anos e que “Mais Raiva Que Medo”, o bem-sucedido álbum gravado ao vivo em 2000, com a formação original, não conseguiu manter a banda na ativa, estamos, sim, diante da volta da Plebe Rude. Nada menos do que um dos ícones do que de bom se fez na década de ouro do rock nacional. E se manter a formação clássica não foi possível, as entradas de Txotxa e Clemente – aquele mesmo, líder do Inocentes – deram uma verdadeira injeção de ânimo em Philippe Seabra e André X, os remanescentes da Plebe original. O resultado está em “R ao contrário”, um disco mais Plebe Rude do que nunca.

No dia 27 de novembro de 2004, o público carioca foi ao reinaugurado Circo Voador para ver a Plebe Rude abrir o show do The Queers. Foi a estréia oficial de Clemente, que funcionou mesmo sem muito ensaio. “Mandei as cifras e as músicas e ele foi tirando, mas a gente não sabia o que esperar. Quando olhei para o lado vi o Clemente pulando e tocando ‘Brasília’, abraçando a causa… Não foi como se tivéssemos colocado um anúncio no jornal, tinha que ser ele, é uma figura ímpar no rock nacional que eu sempre achei que precisava de mais espaço”, lembra Philippe. Clemente admite certas dificuldades, hoje superadas. “Eu sabia as músicas, mas só conhecia as partes do Philippe, e era para fazer a parte do Ameba!”, diz, referindo-se a Jander Bilaphra, o guitarrista da formação clássica. “Passei a madrugada decorando as letras e ensaiando. Na passagem de som, o André não tava lá, só o roadie, e eu passando as músicas para ele. Achei que não fosse rolar, mas saiu, todo mundo pirou”, recorda, animado.

Como todas as músicas novas, no que diz respeito à composição, já estavam prontas naquela altura do campeonato, em princípio foi só encontrar os trechos em que Clemente cantaria. Isso porque logo Philippe percebeu outra vantagem em tê-lo na banda. “A primeira vez que trabalhei guitarras foi quando o Clemente subiu para o quarto de hotel no dia da estréia e começamos a trabalhar arranjo”, admite. Foi assim que o punk da periferia de São Paulo se viu ativamente integrado com o punk de filhos de diplomatas de Brasília.

Mas essa história começou quase um ano antes, quando Philippe viu a Plebe órfã da segunda voz, mais falada do que cantada – uma de suas características mais marcantes – e ainda da segunda guitarra, tudo isso desempenhado até então por Jander, que decidiu pendurar as chuteiras. Quando Philippe, convidado para participar de um show-tributo ao Clash num bar em São Paulo, se viu no palco ao lado de vários nomes do rock nacional da década de 80, como Mingau (Inocentes), Nasi (Ira!), Redson (Cólera) e Clemente, caiu a ficha.

Na primeira vez em que a Plebe Rude foi tocar na capital paulistana, no iniciozinho dos anos 80, no lendário Napalm, Clemente estava lá. “Eles vieram fazer o primeiro show em São Paulo, junto com a Legião, e já começou a rolar uma empatia. Eu trabalhava no Napalm, a gente recebeu os punks de Brasília e tal”, lembra. Pois foi de volta a São Paulo, para o tal tributo ao Clash, que Philippe se deu conta de que a solução para os problemas de formação da Plebe havia sido encontrada. “Nesse show eu vi o Clemente cantando e pensei: além de ser um cara bacana pra cacete, é carismático e um puta guitarrista. Voltei para Brasília com uma pulga atrás da orelha: ‘e se a gente chamasse o Clemente?’ Para entrar contribuindo, não como contratado, mas membro mesmo, segunda guitarra e segunda voz. O André topou e eu liguei pra ele”, conta. A resposta que veio do outro lado da linha? “Se tem cachê eu tô dentro!”

A entrada de Clemente solucionou em definitivo um problema com o qual os integrantes da Plebe nunca conseguiram lidar, nem mesmo quando a banda se reuniu em 1999, para um show histórico no Porão do Rock, em Brasília, e para a gravação do álbum “ao vivo”, nos estúdios da EMI, no Rio, em 1999, durante o feriadão de 15 de novembro, com o público formado por fãs, jornalistas e convidados. “O ‘ao vivo’ gerou muita cobrança por um disco autoral, mas não vimos clima dentro da banda para rolar um disco de inéditas, não tinha como acontecer”, conta Philippe Seabra, que hoje comanda o estúdio Daybreak, em Brasília, por onde já passaram bandas como Phonopop, Valentina, Los Porongas, e, lógico, onde a Plebe gravou “R ao Contrário”. O baixista André X faz coro com ele: “Ensaiamos dois dias, eu, Philippe, Gutje (o baterista original) e o Jander. Foi uma volta em que nós nunca conversamos sobre os fatos que levaram à separação, não resolvemos aquelas pendências”, relembra. “O Herbert Vianna soube que a EMI queria um disco ao vivo. No dia da gravação, o clima não tava legal. Fizemos toda a divulgação desse disco e começamos compor, mas os mesmos problemas que tínhamos lá atrás vieram à tona de novo.”

Assim, a coisa foi andando, com cada um tocando seus projetos pessoais. Philippe preparava um álbum solo e concluiu a montagem do estúdio, no segundo andar de sua casa, em Brasília, onde em 2003 eles pretendiam iniciar o processo de gravação do novo álbum. Mas novos problemas com Gutje impediram o início dos trabalhos, resultando na saída dele da banda. A partir dali a Plebe passou a fazer shows esporadicamente, com os bateristas Txotxa (ex-Maskavo Roots) e Iuri Freiberger (Tom Bloch) se revezando, e ainda com Jander. Como Txotxa é de Brasília, ganhou a vaga. A essa altura, todas as músicas – cerca de 15 – já estavam compostas, esperando para serem gravadas: parte do material solo de Philippe e outras tantas compostas por ele e André. Os dois, hoje, formam o núcleo que comanda a Plebe Rude.

Philippe, sobre os anos 80: "Eu teria problemas se ficasse fazendo cover de mim mesmo"

Philippe, sobre os anos 80: "Eu teria problemas se ficasse fazendo cover de mim mesmo"

No show do Circo Voador, Clemente empenhou-se mais nos clássicos da Plebe, mas com o tempo foi conquistando espaço e, além de cantar, agora toca guitarra em várias músicas de “R ao Contrário”, com destaque em “Mero Plebeu” (na qual também fez o vocal solo), a faixa-título e “Voto em Branco”. Segundo Philippe, Clemente participou daquelas que pediam uma pegada mais punk. “Voto em Branco” é, por sinal, a única música que faz parte do repertório antigo da Plebe. Tão antigo que só agora ganhou um registro em estúdio. Além do ano eleitoral, outros detalhes trazem contornos históricos para a música. Foi depois de ouvi-la, num show em Patos de Minas, em 1981, que a polícia levou todo mundo da Plebe e da Legião em cana. No caso da Legião, o mote foi “Música Urbana 2” e, na verdade, “Voto em Branco” é de antes da Plebe. Foi composta pelos Metralhas, banda da qual André X fez parte em 1980. Outro detalhe histórico é que Fê Lemos, do Capital Inicial, que era o baterista do Aborto Elétrico, participou da gravação usando a bateria original da época, a mesma do primeiro ensaio da Plebe. Para completar, essa é a única música cantada por André X. “Foi também a primeira vez em que eu cantei num disco da Plebe. Foi supernervoso, eu fui à casa do Philippe e tinha que ter alguma referência. No carro tinha um disco do Cockney Rejects, fui ouvindo e pensei: ‘se esse cara canta assim eu também consigo’. Foram dez minutos para acabar os vocais, duas gravações, e o discurso no final foi improvisado de primeira, não tinha nada escrito. Era para depois examinar e cortar algo, mas ficou tão bacana que usamos assim mesmo”, conta o baixista. E essa foi também a primeira vez, por incrível que pareça, que ele e Fê, amigos de infância e adolescência, gravaram juntos.

É preciso ficar claro que esse momento de resgate histórico não joga a Plebe Rude na vala comum do saudosismo de tudo que é relacionado aos anos 80, embora Philippe reconheça a importância da época. “Eu teria problema se ficasse fazendo cover de mim mesmo e tocando em festa Ploc. Ninguém tá vivendo de passado, mas as pessoas não entendem o lado dos anos 80 em que eu cresci, numa abertura política aqui em Brasília, do pós-punk diretamente de Londres. É diferente de ficar usando camisa da Company no Rio. Foi a primeira vez que a música jovem foi feita por jovem e para jovens, e foi muito legal ter participado disso.” “R ao contrário”, embora seja genuinamente um disco da Plebe, não se conecta com esse passado para lá de distante. Philippe compara as duas épocas: “As letras são mais introspectivas, eu não tenho mais 16 anos. Escrevi ‘Proteção’ quando tinha 15, não escreveria algo tão didático hoje em dia”, acredita. “Mas hoje entendo como funciona toda a engrenagem e fico mais puto ainda, só que eu vejo os dois lados, não que eu concorde, mas tenho aquela percepção que só vem com a maturidade e melhora os relacionamentos”, completa.

Já André X vê certa desilusão. “Eu tava lendo as letras desse disco… É gozado que isso nunca foi falado quando a gente tava compondo: são letras de desilusão. A minha geração, que veio das ‘Diretas já!’, da queda da Ditadura, que teve a grande chance de mudar o Brasil, não conseguiu fazer nada, as coisas continuam tão ruins ou piores do que eram. Um sentimento de indiferença total se instalou sobre o público brasileiro, principalmente sobre os jovens, e acho que isso se reflete no disco”, acredita, citando a música “Katarina” como uma amostra da alienação do jovem de hoje. “A grande imagem que eu tenho desse disco é um helicóptero saindo de um prédio pegando fogo, e uma pessoa pulando e não conseguindo alcançar o helicóptero que tá fugindo. Não é um disco triste, mas com uma falta de esperança”, conclui.

Musicalmente, o tempo passou; mas as referências, não. “Minhas influências continuam as mesas”, aponta Philippe. “Ouço o pós-punk e o rock americano da década de 70.” Uma sugestão de exemplo-confirmação disso é “Que se faz”. A música que abre o disco talhada para ser o single começa com um arranjo de gaita de foles feito em homenagem a Stuart Adamson, líder da banda escocesa Big Country e que cometeu suicídio em 2001. Mas o espelho é a fonte principal. “É a própria Plebe que me influencia. Aprendi com o Herbert Vianna que você tem que viver sua música, ela é uma extensão do que você é. Então esse disco, no meu caso, representa os últimos dez anos da minha vida; musicalmente não tem influência alguma, é mais a nossa vivência e a influência maior é a Plebe, porque é um disco superPlebe”, define. Ele acredita que, de um modo geral, cada canção tem um potencial ao qual ela consegue chegar, o máximo que ela pode render: “Acho que conseguimos chegar ao pico de todas as canções desse disco.”

Mesmo com as latentes diferenças, André X vê semelhanças com o clássico álbum de estréia: “Acho parecido pela dificuldade de fazer, por ter sido feito em Brasília, como ‘O concreto já rachou’. Os outros todos foram feitos na estrada. É interessante voltar para casa, para sua raiz, teve música composta no quarto do Philippe, o mesmo quarto onde a gente compôs todas as músicas do ‘Concreto…’.” Já Clemente vê semelhanças com o rock contemporâneo: “É a Plebe, mas sem saudosismo, não fica dando volta em cima da mesma coisa. Eu falei para o Philippe que parece até Foo Fighters, é a evolução do punk, não fica aquela coisa rançosa, e nem deixa de ser Plebe”, finaliza.

André X: "Eu tava lendo as letras desse disco... É gozado que isso nunca foi falado quando a gente tava compondo. São letras de desilusão"

André X: "Eu tava lendo as letras desse disco... É gozado que isso nunca foi falado quando a gente tava compondo. São letras de desilusão"

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