O Homem Baile

Live’N'Louder confirma vocação do público brasileiro para a música pesada

Onze bandas se apresentaram em mais de catorze horas de som pesado. David Lee Roth mostrou não ser mais o mesmo; Sepultura, Doro Pesch e Gotthard fizeram os melhores shows. Fotos: Marcelo Pereira de Souza.

David Lee Roth adentra o palco e avista com prazer a enorme platéia do Live'N'Louder

David Lee Roth adentra o palco e avista com prazer a enorme platéia do Live'N'Louder

A estréia num local novo, uma banda com a apresentação cancelada, assim como aconteceu no ano passado, e a confirmadíssima e bombada presença de David Lee Roth. Esses eram os principais ingredientes para a segunda edição do Live’N’Louder, que aconteceu ontem na Arena Skol Anhembi, no último dia 14. Além disso, um maior número de bandas em relação ao ano passado (11 contra oito) fez com que o evento começasse bem mais cedo, ainda antes do meio-dia. Pouco importou: os fãs de rock pesado chegaram de todos os lados e prestigiaram a festa desde cedo, resultando numa boa presença de público, semelhante ao da última edição, que aconteceu no estádio do Canindé, próximo dali. Vale notar, sabe-se lá por que, o palco tinha altura bem pequena, e os telões nas laterais eram também muito baixos, prejudicando a visibilidade da maioria do público.

O tempo foi curto para as longas músicas do Mindflow

O tempo foi curto para as longas músicas do Mindflow

A banda-piada Massacration começou a tocar cedo e serviu mais para animar aos que estavam na fila para entrar. “Boa noite Live’N’Louder”, gritou o dublê de vocalista Detonator, meio fora de fuso. O grupo tocou por cerca de meia hora as músicas de seu único álbum, misturando músicas “próprias” com citações diversas a trechos de canções populares presentes no inconsciente coletivo. Depois coube ao Mindflow a tarefa, ainda, de aquecer o público. Prejudicados pelo horário e pelo som não muito bem ajeitado, os rapazes, que primam pela virtuose e por passagens intrincadas, acabaram produzindo menos do que se esperava. Ainda assim o público, que muitas vezes se impacienta com bandas da abertura, recebeu muito bem a banda. Como as músicas são longas, somente duas do novo álbum, “Mind Over Body”, foram tocadas. Para o público, que parecia nada conhecer do grupo, pouca diferença fez: foi tudo festa mesmo.

GOTTHARD SURPREENDE COM UM DOS MELHORES SHOWS

Steve Lee e o Gotthard agradaram geral

Steve Lee e o Gotthard agradaram geral

As atrações internacionais começaram com o Gotthard, uma das duas bandas que ainda não haviam se apresentado no país, ao menos com a formação completa e num show de verdade. Surpreendeu – de novo – a recepção da platéia, com muita gente cantando várias músicas e agitando bastante. Chamou a atenção, também, o fato de, numa banda de hard rock, todos estarem trajando preto e o vocalista, Steve Lee, branco. Pouco importou. O repertório do show foi basicamente em cima do DVD “Made In Switzerland”, lançado recentemente. Músicas como “Dream On” e “Anytime Anywhere”, aquela do clipe com um morena em trajes hard rock atraentes, se destacaram no set. A seqüência “Top Of The World”, “I Wonder” e “Lift U Up” foi a que arrasou geral. A banda saiu do palco aplaudidíssima, e até o cônsul suíço e sua patroa vibraram.

Se os problemas com o som eram pontuais, com o Primal Fear a coisa se generalizou. Além de microfone e guitarra terem falhando durante todo o show, a participação do guitarrista e produtor Roy Z e de Renato Tribuzy, no final, foi praticamente o mico do festival: a banda teve o som, que vinha falhando, cortado em definitivo. O vocalista Ralph Scheepers ainda se desculpou, mas de nada adiantou. Ele, aliás, está cada vez mais esquisito, com um porte físico deformado, do tipo lutador de vale tudo, trajando um modelito de camiseta e calças com pernas flamejantes de fazer rir. A parte boa ficou por conta de músicas colantes como “Demons And Angels”, a ótima “Nuclear Fire”, que teve excelente aceitação por parte do público, e até a chatinha “Seven Seals”, que também agradou geral. Uma boa banda, com um grande disco e um show enjoado pacas.

A bela Floor Jansen comandou o After Forever...

A bela Floor Jansen comandou o After Forever...

A força do After Forever encontra-se na vocalista Floor Jansen. Alta, bonita e com presença de palco imponente, além, é claro, de voz acertada, ela centraliza as atenções, cantando ou balançando a cabeleira esvoaçada por um ventilador estrategicamente posicionado na beira do palco. Mas a banda está certinha, já tem bons álbuns e hits que encontram morada no público brasileiro. Como “Being Eveyone”, cheia de teclados e que terá um clipe com cenas filmadas no Brasil – esta é a segunda vez da banda por aqui. Para “Face Your Demons” ela ostentou os chifrinhos certa vez consagrados por Angus Young. “Folow In The Cry”, clássica, foi a de melhor resposta do público, que a bem da verdade vibrou com a banda em toda a duração do set. Sem dúvida uma das melhores apresentações do festival.

SEPULTURA MOSTRA QUEM É GRANDE DE VERDADE

... Mas Doro Pesch não deixou por

... Mas Doro Pesch não deixou por

Floor só não foi a grande mulher do Live’N’Louder porque Doro Pesch estava na fita. Ela foi a segunda atração do festival que nunca tinha tocado no Brasil, e se mostrou bastante empolgada, emocionada e até um tanto nervosa, se consideramos que se trata de um artista já bastante experiente. O que não impediu que sua banda, comporta por garotos, ganhasse o público de supetão. Doro tem carisma e certamente arrancou até de fãs de última hora – que estava lá para ver atrações mais novas – aplausos e bateções de cabeça dignos de sua trajetória. Mesmo com os problemas no microfone, a essa altura já comuns no festival, ela se superou. Clássicos como “Burning The Witches” e “All We Are” dividiram espaço com “You’re My Family”, do disco novo, “Warrior Soul”. O show foi todo excelente, mas o grande momento foi mesmo a cover de “Breaking The Law”, do Judas Priest, apontado pela Metal Queen como a sua “razão de viver”. Mais que um show recheado de fortes emoções, Doro deu mesmo um exemplo de perseverança naquilo que se gosta de fazer, o que transcende o próprio heavy metal.

“Trouxemos a chuva de Seattle pra vocês”, observou Warrel Dane ao entrar no palco à frente do Nevermore. Ele observava a fina garoa que começou a cair e que logo partiria. Com muitos quilinhos a menos, o afamado vocalista usava um gorro no lugar do clássico chapéu de caubói. A banda fez um set baseado no último disco, o bom “The Goodless Endeavor”, de onde saíram músicas como “Born” e a ótima faixa-título. “Narcosynthesis” possibilitou a abertura de uma enorme roda de pogo, a maior até então no festival. Outra bem recebida por um público cada vez mais fiel ao Nevermore (esta foi a segunda vez da banda em São Paulo) foi “The Heart Collector”, só que esta arrastada e com um peso de assustar. O show do Nevermore funcionou tão bem parece ter durado menos de dez minutos.

Andreas Kisser: o Sepultura sobrou

Andreas Kisser: o Sepultura sobrou

Quando o Sepultura entrou no palco é que se pode perceber várias coisas. Primeiro que a banda, mesmo não sendo nem sombra do que já foi, é muito melhor do que qualquer outra escalada para o Live’N’Louder desse ano. E não só no papel, isso já se percebe nos primeiros acordes de “Dark Wood Of Error”, uma das melhores do último disco, que abriu o show. Depois, que não colocar uma banda desse porte como, no mínimo, o penúltima a se apresentar, é de uma equívoco descomunal. Isso todo mundo percebeu quando “Dead Embrionic Cells”, que nessa turnê voltou a ser executada na íntegra, foi cantada quase em uníssono na Arena. Fazia tempo que o Sepultura não se apresentava com tanto peso e vigor. O batera Jean Dolabela foi apresentado ao público paulistano, e não ficou devendo nada ao ótimo Igor Cavalera. Os cerca de 70 minutos que a banda teve para se apresentar foi pouco, mas o bastante para lavar a alma e mostrar os quilômetros de distância que a separa das outras atrações. Que o digam “Choke”, em versão mais longa, e “Roots Bloody Roots”, o bis mais previsível (e ainda assim sensacional) da história do rock.

DAVID LEE ROTH SOBREVIVE ENTRE O DESLUMBRE E A DECADÊNCIA

David entrou de cahecol...

David entrou de cahecol...

A essa altura todos já sabiam do (até hoje não esclarecido) cancelamento do Saxon e que a atração surpresa seria a “nova” banda de André Mattos. Perplexo, o público viu o vocalista, escudado pelos irmãos Mariutti, e novos tecladista e baterista, fazer uma retrospectiva de sua carreira, entenda-se Viper + Angra + Shaaman. Visivelmente fora de forma, André, que tem um nome a zelar, fez um show burocrático, fora de tempo e absolutamente desnecessário para um festival do porte do Live’N’Louder. Se quiser seguir carreira, melhor parar, compor, tocar, lançar disco e fazer por merecer um lugar de destaque como esse. Melhor para o Stratovarius, que em tese entraria para arrebentar. Por isso o público ouviu a produção da banda esculachar com a equipe de palco do festival, até que o som se acertasse, com os microfones abertos. Só que a banda parecia não estar muito à vontade. Desde a abertura, com “Hunting High And Law”, Timo Tolkki, por exemplo, outro com uns quilinhos a mais, parecia estar num outro lugar, alheio ao que acontecia no palco. Mesmo sendo uma banda que já veio ao Brasil diversas vezes, os finlandeses preferiram tocar clássicos, deixando de fora todo o material do disco mais recente. Muita gente curtiu mesmo assim, principalmente em músicas como “A Million Light Years Away”, aquela mesmo, “emprestada” de “Amigo”, do Rei Roberto Carlos, “Eagle Heart” e “Paradise”.

... Trocou de roupa várias vezes...

... Trocou de roupa várias vezes...

Pronto. Hora do público mais novo deixar a frente do palco para os fãs do Van Halen e de hard rock em geral. David Lee Roth entra no palco admirado com a quantidade de público, andando, com os cabelos curtos, trajando um modelito de fazer inveja a Elton John e bebendo whisky no gargalo. Ele sabe que é a lenda viva do Van Halen, e sua banda está pronta para tocar só Van Halen e uma outra coisa da careira solo. O começo é com a poderosa “Hot For Teatcher” que, conhecida, põe o público para pular. Seguem “Meanstreat”, na qual ele “ejacula” toda a garrafa, “California Girls” e “Just Like Paradise”. Nesse momento pela primeira vez David esboça o salto e karatê que o consagrou, de forma bem modesta, como faria durante todo o set.

David Lee Roth é simpático, esboça um sorriso amarelo durante o tempo todo e conversa com o público em um português admirável. A banda é bem cover mesmo, e se propõe a isso, mas o show não funciona porque não engrena, e isso se conclui já na quinta ou sexta música. David caminha pelo palco sem o menor gás, fato terrível para um vocalista que se consagrou justamente pelo vigor físico, cabelos longos e disposição sobre o palco. Mesmo considerando suas 51 primaveras (pode corrigir aí, grande mídia) não é possível não se decepcionar com o show. Em “Beautiful Girls”, por exemplo, ele chega a esquecer a letra.

... E fez um show que entrou para a história

... E fez um show que entrou para a história

O que salva, entretanto - e não é pouco - é que a voz dele continua intacta, e, nunca é demais destacar, o repertório é espetacular: só música da era de ouro do hard rock. O show realçou uma das melhores fases de uma banda de rock em todos os tempos. Como não se emocionar com “Unchained”, “Ain’t Talk About Love”, “You Really Got Me”, “Dance The Night Away” e tantas outras? Até a caricata “Just a Gigolo” agradou, com David cantando um trecho à capela. Em “Ice Cream Man”, um country curiosamente incluído no show, ele até toca violão. O bis foi de derrubar corações: nada menos que “Jump”, com a introdução e os teclados pré-gravados, para não ficar devendo a versão do álbum “1984”. O fecho certeiro para uma noite dividida entre o deslumbre de ver os clássicos do Van Halen em sua voz original e o reconhecimento da decadência de um grande artista.

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