Rock é Rock Mesmo

O salvo conduto de Ritchie Blackmore

Três vídeos mostram a interseção David Coverdale - Ritchie Blackmore – Deep Purple. Ou o dia em que Ritchie Blackmore foi preso e atrasou o show do Rainbow em mais de 24 horas.

Meus amigos, admito que muitas vezes caio na tentação de começar esta coluna com ela própria. Explico. Não é sempre, mas em muitas vezes, aqui e acolá, concluo, sem a menor falta de modéstia, que rock é rock mesmo. Pode parecer coisa de predestinação, mas, acreditem, o rock vem de encontro a mim, e eu acabo ficando com a imagem da cobra que morde o próprio rabo, talvez a mais perfeita ilustração de que rock é rock mesmo. No que eu reafirmo: volta e meia tenho um desejo incontrolável de começar a coluna com ela própria.

Recentemente, coincidência ou não – já disse que elas não existem, mas sim a sincronicidade – assisti a dois vídeos de bandas que têm suas histórias atreladas uma à outra. Um, o primeiro, do Whitesnake, gravado o ano passado em Londres, com o mesmo show que passou pelo Rio no dia 8 de setembro de 2005. O outro, do Rainbow, gravado em 1977, durante a segunda turnê européia da banda, com sem dúvida a melhor formação, que contava com o triunvirato Ritchie Blackmore, Ronnie James Dio e Cozy Powell. Uma bandaça já no papel, imagine no palco. Talvez só o meu amigo Moderninho de Plantão não saiba, mas as duas bandas nasceram depois que o Deep Purple encerrou as atividades, lá pelo ano de 1976, depois de um gigantesco sucesso mundial. De um lado, David Coverdale, que havia substituído Ian Gillan em 1973, montou o Whitesnake. De outro, Ritchie Blackmore fundou o Rainbow.

De personalidade difícil e obscura, Blackmore sabia que cedo ou tarde o Deep Purple iria para o saco, e antes mesmo de a banda se separar nesse momento - se reuniria com a formação clássica em 1984 – ele foi montando aquilo que seria o Rainbow. Para começar, rebocou para a ensolarada Califórnia toda a banda Elf, que andou fazendo shows de abertura par o Purple, e foi tirando dela tudo o que ele precisava par montar o Rainbow. Volta e meia dispensava um ou outro integrante, até que ficou “só” com Dio. Quem conta essa história, num dos extras do DVD é Colin Hart, um diretor de palco que traja um camiseta com os dizeres: “40 anos vivendo o inferno de trabalhar com o Deep Purple”, ou algo que o valha. Com aquilo que todos acreditavam ser o fim do Purple, ele era o cara encarregado de mandar a real para os músicos rejeitados por Ritchie.

Isso nem é o filé da entrevista. A história mais legal, contada também pelo baixista Bob Daisley, numa outra entrevista dos extras, e ainda por uma narração no final, sobre as imagens do show, é a da prisão de Blackmore. Três dias antes do show que vem no DVD, num outro espetáculo, na Áustria, o guitarrista se desentendeu com um fã que estava ali no gargarejo, e depois, na saída, foi detido, não sem antes brigar com alguns policiais – numa das versões Ritchie teria quebrado a maxilar de um dos guardas. Ele foi preso enquanto o restante da banda foi para Munique, Alemanha, onde se apresentaria no Olympia Halle, no dia 19. Como as autoridades austríacas não queriam liberar Blackmore, chegou-se a pensar no cancelamento do show, mas um contrato com a TV alemã que gravaria o show impediu que essa medida fosse tomada, e o espetáculo foi adiado para o dia 20. Ritchie foi liberado, chegou atrasado ao local do show com a mesma roupa de três dias antes. E ele, com fome e tudo, fez um show sensacional, com direito à destruição de sua guitarra no final, no maior estilo Califórnia Jam – cenas desse festival chegam a ser usadas no DVD. Uma história daquelas que só o rock’n’roll pode nos proporcionar.

E olha que nem falamos do show em si. O DVD tem oito músicas – o CD correspondente é duplo – em que a banda mostra virtuose instrumental em solos de guitarra (claro), teclado, baixo e bateria, como a época praticamente exigia, sem tirar o pique de um espetáculo show extraordinário. O palco tem uma produção rara para a época, com iluminação personalizada e a utilização do imenso arco-íris com as cores se alternando. “Kill The King”, que já abria a turnê anterior, nem havia sido gravada ainda, assim como “Long Live Rock’n’roll”. Ambas estariam no álbum seguinte, e já eram apresentas ao público. É um registro histórico de uma das maiores formações de uma banda em todos os tempos.

No outro DVD ao qual me referia realça a longevidade de David Coverdale e seu Whitesnake. Sem material inédito para mostrar, a banda faria desse vídeo apenas mais um caça-níquel, mas como ser David Coverdale sem ter emoção na parada? O cara que um dia foi balconista de boutique em Londres e entrou no Deep Purple por meio de um anúncio de jornal não poderia ter sido mais feliz. Deu uma sobrevida das mais interessantes ao Purple – muita gente acha a fase dele na banda a melhor – e foi categórico quando o grupo se desfez, impulsionando a trajetória do Whitesnake (brilhante, por sinal) dizendo que o Deep Purple, a partir dali, fazia parte do passado. Tanto que, quando volta e meia Blackmore e Gillan voltavam a se desentender, Coverdale jamais cogitou assumir os vocais do Purple de novo.

O DVD dá uma completa geral na carreira da banda, que tem uma formação do tipo cata-cata, é verdade, mas o que importa é, repito, Coverdale. Com ele o público rememora clássicos do hard rock em momentos especiais como a gravação de um álbum ao vivo, ali, no mesmo Hammersmith, em 1983. De tamanho menor em relação ao do Rainbow, de outro lado o DVD traz um CD encartado junto, só que com seis músicas a menos. Nos extras também há poucas curiosidades se comparamos com o do Rainbow, mas nada demais. Como isso aqui não é uma resenha, você pode lê-la aqui – e assim eu faço você entrar em mais páginas no site.

De tanto falar, eis que esqueci-me de dar, ao menos, o nome dos tais vídeos. Pois aqui estão eles. “Live Munich 77” é o do Rainbow, em DVD e CD duplo, vendidos separadamente. E o do Whitesnake chama-se “Live I The Sill Of The Night”. De quebra, até para rolar uma interseção David Coverdale / Ritchie Blackmore – Deep Purple, vale dar uma olhadinha no clássico “Deep Purple Live In Califórnia 74”. Sim, isso é uma dica.

Até a próxima, e long live rock’n’roll!!!

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