Rock é Rock Mesmo

Quando o rock atira para todos os lados. E nem sempre acerta

Veja como duas bandas se armam com referências as mais diversas, mas só uma consegue moldar uma cara que lhe é própria.

Meus amigos, o que é a natureza. Hoje mesmo via na reprise de um programa um afamado músico do rock nacional tecer comentários sobre o Ramones. É que ele acabara de tocar um cover da banda que inventou o punk rock, ao lado de outros músicos famosos. E o papo que veio após a apresentação da música desaguou no punk rock, de modo que o tal músico voltou a repetir aquilo que tem ecoado desde sempre na imprensa musical, especializada ou não. Que o punk rock veio como resposta à grandiloqüência do rock progressivo da época, e que este, por sua vez acabou ali mesmo.

Eu, acreditem, não vejo dessa forma. O punk, enquanto música, foi criado pelos Ramones, sim, mas jamais como uma resposta à coisa nenhuma. Os caras simplesmente não sabiam tocar e assim mesmo decidiram fazer uma banda de rock, no peito e na raça. O “faça você mesmo” na essência, dane-se os outros. Da mesma forma que não acredito que o rock que se fazia até então tenha acabado, há centenas de bandas de antes do punk em plena atividade, e os gêneros musicais que até então existiam continuam existindo, ou renovadamente ou como matéria prima de referência e influência para novas gerações – estamos falando de trinta anos, meus amigos.

Nem vou voltar a falar aqui, como já falei, da interseção entre o indie rock e o rock progressivo, mas sim aproveitar o gancho dado pelo músico-repetidor-de-idéia-mal-concebida para entrar, enfim, no assunto que venho prometendo já há um certo tempo. E aí volto a falar do passado, mais precisamente de 2004, quando o Tim Festival se viu obrigado a aclamar o show do Mars Volta como um dos melhores daquela edição. De lá para cá fiquei atento ao que essa banda iria fazer, já que, até aquele momento a única coisa que guardava como registro era que a banda era formada por ex-integrantes do At The Drive In. Isso até a chegada de “Amputechture”, o disco que acabou de sair.

Disco é modo de dizer. Na verdade trata-se de uma peça de rock progressivo com referências à psicodelia setentista, ao rock pesado da mesma época, ao jazz, à jams sessions inacreditáveis, à música flamenca (não só pelas letras, também escritas em espanhol), e à mais uma pá de coisa que se descobre a cada audição. Para começar, no encarte vem escrito “a sociedade entre Omar Rodriguez-Lopez (que escreveu e arranjou todas as músicas e dirigiu o grupo) & Cedric Bixler-Zavala (que escreveu todas as letras e melodias vocais) é o Mars Volta”; em seguida aparecem os músicos que fazem parte, nesse disco, do que chamam de “The Mars Volta Group”, e aí até John Frusciante, do Red Hot, marca presença. Tudo isso para tentar explicar um disco conceitual com oito músicas, sendo uma com 16 minutos, duas com 11, e a menor, com quatro. Rock Progressivo, pois não?

Bem, nem tanto se consideramos só tamanhos de músicas. Mas as jam sessions feitas pelo Mars Volta não têm nada a ver com nada, ao mesmo tempo em que transborda referências e atira pra tudo o que é lado. Jazz, hardcore, progressivo, sim, hard rock de raiz (os equipamentos devem ser todos valvulados), fusion e assim por diante. Definitivamente, tudo muito longe dos padrões que qualquer um tenha em mente ao falar de/sobre música pop. Longe de ser um disco na acepção da palavra, “Amputechture” é, isto sim, um exercício de se fazer música quase que aleatoriamente, sem princípio, meio ou fim, deixando, ao que parece, a coisa fluir por si só. A alternativa tem agradado à crônica musical, que em geral gosta de faturar em cima de iniciativas pseudo-intelectuais-cabeçudas, mas a pergunta que o caro leitor já deve estar fazendo é: Mars Volta é, afinal, bom ou ruim? No que eu mesmo respondo: sim e não. Sim porque é bom termos iniciativas que fujam do óbvio, busquem novos caminhos. E não, porque, até agora, a banda parece não ter chegado a lugar algum. Sim, meus amigos, o disco é auspicioso, mas indigesto, até chato em algumas partes e soa absolutamente estéril. Vale, sim, pela experimentação.

Lembram-se que disse que a coluna de hoje era pra falar de duas bandas? Pois então, a segunda tem também como gancho o rock progressivo, e faz uso de referências diversas para moldar um tipo de som que lhe é próprio. Falo do Muse e de seu último álbum, “Black Holes And Revelations”. O disco poderia ser tranqüilamente definido como uma grande coletânea de referências arregimentadas por Matthew Bellamy, o cara por trás da banda, tudo alinhavado por uma tecladeira dos diabos – daí a referência ao rock progressivo – sem que isso deponha contra a própria banda, como se misturasse tudo sem chegar a lugar algum. Diferentemente do Mars Volta, o Muse sabe muito bem onde está a pisar.

Para muitos, como um renomado crítico de além Dutra, a gênese do Muse está no heavy metal. Pode ser, mesmo porque guitarras é o que não falta neste disco, e há, sim, uma clara citação ao Dream Theater - em “Assassin”, cujo início é idêntico ao de “Panic Attack”, dos nova-iorquinos. Mas a origem é o indie rock inglês de Radiohead e adjacências – a própria banda de Thom Yorke há anos namora o progressivo com intenção de casamento – só que, ao que parece, Bellamy decidiu colocar tudo aquilo que o influenciou de uma vez só, resultando um disco mutante. Às vezes, parece que se trata do Coldplay; noutras, do U2 (“Invincible”), o que comprova a atual semelhança entre ambos. “Supermassive Black Hole” é puro Prince, assim como “Knights Of Cydonia” é Queen, “Map Of The Problematique” é New Order, só para se ter uma idéia do tamanho da encrenca. Tem surf music, música flamenca e o escambau.

Quem lê o que venho escrevendo, assim, de primeira, vai duvidar. Lógico. Eu próprio, se ouvisse alguém com esse tipo de argumentação, descartaria a informação. Porque, em geral, quem mistura tanta coisa assim acaba por não chegar a nada que lhe é próprio e se perde em meio a tantas referências e pouco sentido em se fazer aquilo. Mas, acreditem, não é esse o caso do Muse. Digo isso porque o disco é bom pacas, e tem, sim, uma linha condutora sutil e imperceptível, que pode ser resumida numa – se possível – grandiloqüência discreta, que já é marca da banda há muito tempo, e ganhou um realce no álbum anterior, “Absolution”, para desfilar com desenvoltura nesse “Black Holes And Revelations”. E aí passa a não ser exagero afirmar que estamos diante de um dos discos do ano. Nas minhas listas, ao menos, se a memória não me falha, é Muse + 10.

Até a próxima, e long live rock’n’roll!!!

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