No Mundo do Rock

Livro acrescenta detalhes sobre os áureos tempos da Fluminense FM

Rádio que catapultou o rock nacional na década de 80 foi objeto de tese de Maria Estrella e virou o livro “Rádio Fluminense FM – A Porta de Entrada do Rock Brasileiro dos anos 80”. Fotos da noite de autógrafos: Hamilton Corrêa (1) e Cristina Lacerda (2).

Nem o mais neófito dos fãs de rock pode dizer que nunca ouviu falar da Fluminense FM. A rádio sempre é citada como referência de rádio livre, por ter dado voz ao emergente rock nacional pós-ditadura na década de 80, e traçado uma trajetória espetacular, subindo da penúltima posição do dial para a terceira em cerca de três anos. E tudo sem grana, estrutura, salários bem pagos… Só cara, coragem e muita disposição para arrombar a porta e fazer do rock figura marcante numa época de abertura política para o País.

Maria Estrella mostra sua obra (2)

Maria Estrella mostra sua obra (2)

Essa história já fora contada nas duas edições do livro “A Onda Maldita” - em 1992 e 1999 - de autoria de Luiz Antônio Mello, idealizador da rádio, mas agora, em “A Porta de Entrada do Rock Brasileiro dos Anos 80”, ganha novos contornos ao ser analisada de fora para dentro, e com subsídios menos pessoais e apaixonados, e mais técnicos e consistentes. A pesquisa é resultado da tese de pós-graduação da autora, vertida em livro pela editora Outras Letras. Maria Estrella, que agradece a rádio por ter se interessado por jornalismo e pelo rock – ela é radialista e baterista – foi atrás dos fatos e através de tabelas de programação, entrevistas com produtores, locutores, jornalistas e artistas, chega a um conceito de rádio rock muito próximo do que a “Maldita” foi e o que ela representou na história da música no Brasil.

É um trabalho que, entretanto, não se esgotou. Talvez apertada por prazos para a apresentação dos trabalhos, a autora não tenha se aprofundado tanto quanto poderia. Por isso o capítulo destinado às bandas consagradas tem só quatro artistas, sendo que as entrevistas não passaram de seis, num universo hoje impossível de ser contado. Outra idéia interessante, mas pouco desenvolvida, foi a do CD anexado ao livro, que traz vinhetas da rádio, em apenas onze faixas; poderia ter sido muito mais. Por último, a análise das tabelas de programação, imprescindível para entender que tipo de rádio era a Fluminense, não foi, digamos, das mais aprofundadas, em quantidade e qualidade. Daí o tema, embora mais elucidado, continuar exigindo mais pesquisa e novas publicações.

Conversamos com Maria Estrella via e-mail sobre essas questões, de onde resultou esta pequena entrevista. Confira:

Rock em Geral: Conte como você decidiu fazer uma monografia sobre a Fluminense FM, e como decidiu publicá-la em livro:

Maria Estrella: A Fluminense FM foi uma rádio muito importante para mim. Ela surgiu quando eu tinha 13, 14 anos (1982), numa época em que eu estava consolidando meu gosto musical. Fui uma ouvinte fiel e sempre admirei a postura profissional da rádio em divulgar artistas sem gravadora. Essa característica nunca foi implantada por nenhuma outra emissora e, por anos a fio, sempre defendi que o que ela fez pelos músicos do Brasil não tem preço. Ou seja: falar da Maldita é falar também da minha vida - ainda que o texto tenha sido rigorosamente jornalístico. Através da Maldita fiz três escolhas profissionais: tornei-me jornalista, também sou radialista e, no auge da rádio (em 1983), decidi ser baterista. No final das contas, ela me guiou e me mostrou um caminho a ser seguido. Quanto ao livro, ele surgiu desde o dia em que decidi o tema da monografia. Na verdade, este livro sempre foi concebido como tal. O fato de ter sido uma monografia antes disso, não fez a menor diferença.

Cláudia Cid (locutora), Sérgio Vasconcellos programador e produtor), Amaury Santos (gerência de jornalismo e produtor), Luiz Antonio Mello (coordenador geral), a autora, Álvaro Luiz Fernandes (assistente de promoção) e Selma Boiron (locutora) (1)

Cláudia Cid (locutora), Sérgio Vasconcellos programador e produtor), Amaury Santos (gerência de jornalismo e produtor), Luiz Antonio Mello (coordenador geral), a autora, Álvaro Luiz Fernandes (assistente de promoção) e Selma Boiron (locutora) (1)

RG: Foi feita alguma adaptação para tornar a linguagem acadêmica mais fácil de ser digerida pelo público em geral?

Maria Estrella: Não. A monografia também foi escrita como está o livro. Para não ser tão radical na resposta, devo dizer que, no livro, tive liberdade para citar as pessoas pelos nomes em que eram conhecidas. Na monografia, segui um padrão de utilizar apenas o sobrenome delas. Foi a única adaptação.

RG: A idéia do livro era complementar as informações passadas em outro livro, “A Onda Maldita”, do Luiz Antonio Mello. Você acha que ele cumpriu esse papel, ou ainda há muito o que se levantar nessa história?

Maria Estrella: Seria pretensão minha dizer que não há mais nada a contar. Sempre há. Mas o meu livro traz muito de informação e dados que não estão no livro do Luiz Antonio. O dele é obrigatório também, por contar casos e curiosidades, mas traz uma visão romanceada e pessoal sobre a Maldita. Comecei a monografia com esse medo de ficar parecido com o do LAM, mas, no final, ele ficou absolutamente diferente e, por isso, respondendo à tua pergunta: ele cumpre muito bem o papel de ser complementar ao “Onda Maldita”.

A autora concede entrevista à TVE (1)

A autora concede entrevista à TVE (1)

RG: Existem muito mais bandas consagradas na Fluminense FM do que as quatro abordadas pelo livro, inclusive mais famosas, como Paralamas do Sucesso, Barão Vermelho, Kid Abelha, etc. Como você selecionou as que estão no livro? E por que deixou as demais de fora?

Maria Estrella: Não deixei os famosos de fora. O capítulo 4 é todo dedicado a eles, assim como a tabela de vendas de LPs e CDs. Kid Abelha e Dado Villa-Lobos foram entrevistados. O histórico dos Paralamas foi retirado dos livros “Vamo Batê Lata”, do Jamari França, e “Dias de Luta”, do Ricardo Alexandre. Então, os famosos são largamente citados no livro. E um detalhe: o Barão Vermelho chegou com toda uma estrutura por trás, já na Som Livre, diferente das demais bandas dos anos 80. Não tiro o mérito deles – inclusive, os considero a melhor banda de rock do País, mas eles seguiram um caminho diferente. Na minha opinião, Paralamas e Legião teriam, sim, a sua vez, mesmo que a Fluminense nunca tivesse existido. Sim, existem muito mais bandas consagradas pela Fluminense. Inúmeras! Mas eu tinha um prazo a ser cumprido e tive que restringir, sim, quem seria destacado no livro. As bandas Bacamarte, Celso Blues Boy, Dorsal Atlântica e Rumo são expoentes dos estilos que defendem, marcaram época, têm fãs até hoje e, graças à Maldita, estão nesse livro. Acho que só o Celso Blues Boy chegou às rádios comerciais. Os outros, foram cria da Maldita e, por isso, merecem estar aí no livro.

RG: Há também, a despeito da farta análise do conceito da rádio, pouca citação às bandas tocadas por ela, sobretudo as que não cresceram tanto. A idéia era não citá-las?

Maria Estrella: Repito: meu prazo era curto. Fiz o que foi possível. Não tive nenhuma intenção de discriminar ninguém. Fui objetiva e procurei ater-me à proposta do livro: mostrar as conseqüências da Fluminense FM no meio fonográfico. Modestamente, consegui.

RG: O material que vem no CD é bem interessante, mas não veio em grande quantidade. Não foi possível conseguir outras vinhetas da rádio?

Maria Estrella: Fui por vários caminhos, mas não consegui nada além dessas. Se eu tivesse conseguido, certamente teriam sido incluídas. Uma pena…

Liliane Yusim (locutora), Maria Estrella e Maurício Valladares (produtor) (2)

Liliane Yusim (locutora), Maria Estrella e Maurício Valladares (produtor) (2)

RG: Há pouco das locutoras no livro, bem como o que fazem hoje profissionais que trabalharam na rádio. Havia a intenção de se concentrar só no período inicial e na direção da rádio?

Maria Estrella: Sim, quis focar no início. Citei, sim, o que os profissionais fazem hoje.

RG: Em diversos pontos do livro se conclui, ou pela autora ou por depoimentos de entrevistados, que o fenômeno do rock dos anos 80 aconteceria de uma forma ou de outra. Isso não minimiza a importância da Fluminense FM? Se fosse impulsionado de outra forma, ou por outros veículos, esse mesmo movimento não teria outros contornos?

Maria Estrella: Essa pergunta sempre vem à mente. O movimento era inevitável, mas ele tomou força com a Fluminense FM, sem dúvida. E, por esse motivo, a importância dela, ao invés de minimizada, é destacada. O que seria sem ela? Não sei, talvez demorasse mais para estourarem algumas bandas. O fato é: ela mudou tudo e nunca nenhuma outra mudou tanto quanto ela.

RG: Por que a pesquisa parou tão cedo? A Fluminense ainda teve várias sobrevidas após a saída de Luiz Antonio Mello, e com destaque no Ibope, fato mostrado no próprio livro…

Maria Estrella: Isso está explicado logo na introdução. Tive que ater-me à fase inicial porque não consegui reunir os diversos profissionais que lá trabalharam a partir de 1986. A rotatividade era muito grande. Além disso, os anos marcantes foram os cinco primeiros. Dali em diante, muita coisa mudou. Vale para que um próximo pesquisador vá adiante e mostre o que foi a Maldita a partir de 1986.

RG: De outro lado, você acha que não caberia uma análise do que o fim da Fluminense FM causou? Ou ainda a ausência de uma rádio livre depois dela?

Maria Estrella: Sugeri isso na conclusão. Ao falar do jabá, mostrei que há um assassinato cultural no país com essa prática. Prática essa abolida da Fluminense.

RG: No fim das contas, depois de fazer toda essa pesquisa para o livro, você acha que a rádio convencional tem futuro, num mundo globalizado e que tem a Internet como principal vedete?

Maria Estrella: O rádio tem futuro, sim. Quantas e quantas músicas nunca foram tocadas antes e merecem ser incluídas numa programação de rádio? Quantos assuntos podem ser discutidos e ensinados no rádio? Milhares! A Internet só vem para somar e não tira o lugar do rádio: aquele que você liga no carro, no discman, em casa. Falta ousar, acreditar no ouvinte inteligente e dar lugar a quem possa fazer rádio bem feito e sair da mesmice. Ou não falta?

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Comentários enviados

Apenas 1 comentários nesse texto.
  1. Mara Bastos em março 27, 2012 às 22:14
    #1

    Exelente entrevista, Marcos. Fiquei muito feliz de conhecer de forma esclarecedora, os recortes da pesquisa da Maria Estrella. É a estante da história do Rock ganhando mais uma obra de referência. :) Long Live Rock Brasil !

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