No Mundo do Rock

Distribuição In… Independente e Insuficiente

Espalhar o trabalho pelo mercado sempre foi o grande obstáculo para o sucesso das produções alternativas. Mas o gargalo parece ter-se apertado ainda mais. Agora, produtores reclamam de falta de dinheiro para marketing. Publicado na Outracoisa número 10, de julho de 2005. Fotos: Divulgação, Joca Vidal (Bruno Levinson) e Lígia Ramos (João Augusto).

As grandes gravadoras, com estrutura arcaica, em crise pela falta de investimentos e perdendo milhões com a pirataria, não têm contratado novos artistas. As gravadoras independentes investem da maneira que podem, e lançam artistas com discos de estréia que não conseguem chegar ao grande público porque não têm uma boa tiragem, distribuição e promoção. O abismo que existe entre um modelo e outro deixa a ver navios: de um lado, novos artistas que precisam mostrar seus trabalhos, e, de outro, um público ávido por consumo musical de qualidade, mas que ainda é obrigado a escutar somente aquilo que passa pelo crivo da mídia.

Não há dúvida de que os avanços tecnológicos da última década tornaram mais fácil a gravação e a fabricação de um CD, mas, uma vez com o disco na mão, a dificuldade de fazê-lo chegar ao público consumidor continua a mesma. É preciso promover o trabalho para que o público conheça as músicas do artista e tenha interesse em comprar. É preciso colocar o disco nas lojas para que o público possa consumir. E é aí que aparece o grande gargalo do mercado fonográfico independente no Brasil: muitos discos gravados e prensados na fábrica precisando – e não conseguindo – chegar ao consumidor final.

Astronautas

Astronautas

Se tomarmos como exemplo a Monstro, uma das gravadoras independentes de maior destaque no mercado, veremos que ela já tem em catálogo cerca de 60 títulos. Mas a grande maioria não passou da primeira tiragem, que, tirando raras exceções, é de mil cópias. As tais exceções ficam por conta de artistas já consagrados em cenas locais (como o Astronautas, de Recife, ou o MQN, de Goiânia) ou de certo renome nacional, como o Autoramas, que já foi contratado da Universal e tem na formação músicos que já tocaram em bandas como o Planet Hemp. “A distribuição da Monstro é feita por três vias: uma empresa (a Tratore) que distribui em nível de atacado; venda direta na loja Monstro (virtual e física) e banquinhas em shows; e venda em atacado em Goiânia, sem passar pela Tratore”, explica Leo Bigode, um dos sócios da gravadora.

Distribuição especializada

A Tratore é uma distribuidora independente criada em 2001 e que já conseguiu reunir 450 títulos de 100 artistas e gravadoras. É a única que só trabalha com distribuição. As demais, como a Independente, da Trama, são vinculadas às respectivas gravadoras. Para dar conta de tanto produto, a empresa conta com uma equipe relativamente enxuta, com 20 representantes trabalhando no Brasil, e parceiros nos Estados Unidos, Europa e Japão. Mas a Tratore não utiliza o mesmo sistema de distribuição das grandes gravadoras. “Temos nossos próprios métodos de trabalho, achamos o modelo deles ruim para o nosso tipo de negócio. Privilegiamos o lojista especializado, entendemos que ele é quem melhor trabalha com os nossos produtos. Firmamos parcerias com eles, e como vantagens oferecemos um serviço diferenciado: não temos pedido mínimo, não cobramos frete, faturamos 30 dias, etc”, conta Silvio Pellacani Jr., um dos fundadores da Tratore.

Thalma de Freitas

Thalma de Freitas

Pellacani Jr. deixa escapar que os métodos utilizados pelas grandes gravadoras (as majors) não atendem aos produtos independentes. Rodrigo Lariú, que há 15 anos comanda o Midsummer Madness, hoje também distribuído pela Tratore, concorda. Para ele, “ter o disco licenciado por uma major ou grande brasileira não vale a pena”. Lariú acrescenta: “Os contratos são escravagistas e você corre o risco de ficar na geladeira. Mas se as majors ou grandes brasileiras se interessassem por um contrato somente de distribuição, como é na Tratore, talvez assim funcionasse.”

Em 2001, Midsummer, Monstro e Bizarre (outra gravadora independente), se associaram e fundaram a Cartel, para ter mais forças para negociar. Assim, eles assinaram contrato com a Tratore, mas a parceria não chegou a avançar em outras áreas. O que chama a atenção no depoimento de Lariú, entretanto, é que ele identifica uma faixa intermediária entre as independentes e as majors, que chama de “grandes brasileiras”, e reúne empresas como a Som Livre, Trama, Indie e Deckdisc, entre outras. A diferença seria o capital de investimento, já que ele considera que “os independentes são uma galera que faz porque gosta e já começou sem grana”.

Promoção e divulgação são outro problema

João Augusto, da Deckdisc

João Augusto, da Deckdisc

Entre as citadas por Lariú, a Som Livre, empresa tradicional do ramo fonográfico, é a que, com o apoio do Sistema Globo, consegue atingir quase à totalidade o mercado nacional. Mas é, sem dúvida, a Deckdisc que pode ser apontada como uma das mais bem-sucedidas, já que alguns de seus artistas, como Pitty, por exemplo, já ultrapassou as 200 mil cópias de CDs vendidos. A gravadora existe desde 98, e é comandada por João Augusto, veterano no meio fonográfico, com passagens pela Polygram (atual Universal) e EMI. Ele, no entanto, também não repete o modelo usado pelas majors, mas sabe o que aproveitar de positivo. “Comparando com as gravadoras grandes, temos muito mais agilidade e rapidez na entrega, além do índice de erros ser quase nulo. Mas há de se considerar que nossas quantidades são inferiores às das grandes e assim dá para administrar muito mais facilmente”, admite João Augusto. “Agora, é muito complicado montar uma distribuição. São muitos detalhes, leis, impostos, e a gente tem que ficar atento para seguir tudo à risca”, alerta.

A despeito dos contratos leoninos oferecidos pelas majors para distribuir os independentes, há quem mesmo assim opte por associar-se a estas grandes empresas na hora de montar o próprio selo. Foi o que aconteceu com o produtor Bruno Levinson, conhecido por realizar, há mais de dez anos, o Humaitá Pra Peixe, festival independente que agita o verão carioca e revela novas bandas. Em 2003, Bruno resolveu ir à luta e criou o ‘Cardume’, selo ligado ao festival que lançou, de cara, quatro artistas: China, Bangalafumenga, Jimi James e a cantora e atriz Thalma de Freitas. A parceria com a EMI não incluía apenas a distribuição. “Foi um pacote completo, eles entraram também com verba para o artístico. Eles me deram uma verba para gravar e produzir o material gráfico e a promoção inicial dos artistas. Com ela, contratei os artistas, os produtores dos discos e todos os profissionais envolvidos no material gráfico e na promoção. Depois, segui fazendo promoção por minha conta”, conta Bruno.

Bruno Levinson, do Cardume

Bruno Levinson, do Cardume

Para o produtor, o grande problema das gravadoras independentes já não é mais a distribuição, mas sim a promoção e a divulgação do disco. “Se a promoção rola, a distribuição vai atrás. O difícil é conseguir espaço na mídia. Na imprensa, ainda dá para conseguir alguma coisa; mas rádio é praticamente impossível e, na TV, não adianta fazer só um programa, mas sim vários. E os custos são altos”, avalia. “É muito caro lançar um artista visando fazer com que ele conquiste um público maior do que mil pessoas. É muito difícil para os selos indies competirem com os grandes esquemas das majors e das rádios, e sem rádio a música não acontece”, completa.

Voltamos, então, ao início do texto, às mil cópias prensadas pelos selos independentes. Rodrigo Lariú considera que as dificuldades com a distribuição, depois que o Midsummer começou a trabalhar com a Tratore, já não existem mais, é como se a Tratore fosse seu departamento de distribuição. Mas isso não quer dizer que as vendas aumentaram, porque o selo também enfrenta problemas com promoção e marketing, já que é difícil sobrar grana para investimentos tão altos, como Bruno Levinson ressaltou. Para ele, só as ‘grandes brasileiras’ é que conseguem isso. De fato, uma artista como a cantora Pitty não teria chegado a 200 mil cópias não fosse o investimento pesado da Deckdisc e, claro, de toda uma estrutura de marketing e divulgação.

Bandas trocam majors por independentes

Shaaman

Shaaman

Voltando à parceria com as majors, a do Cardume com a EMI poderia ter sido melhor se, no meio do processo, a companhia não tivesse passado por mudanças. “Mudou o presidente e toda a filosofia de trabalho. Fiz a minha parte de incubar novas carreiras, mas eles não tiveram o interesse de seguir com o trabalho. Digo isto principalmente no caso da Thalma de Freitas, que teve ótimas matérias na imprensa, música nas rádios e até música-tema das personagens principais da novela das oito de maior ibope da História”, reclama Bruno.

Outros exemplos pipocam no mercado, como o caso dos Autoramas. Esquecido pela Universal, eles romperam o contrato e em 2003 lançaram o álbum “Nada pode parar os Autoramas”, pela Monstro, e hoje estão entre os mais vendidos da gravadora. Caso curioso foi o da banda de heavy metal Shaman. Como o grupo faz sucesso no exterior, consegue bancar a gravação dos seus discos com a verba das gravadoras estrangeiras. No Brasil, eles chegam com o disco pronto, e fecham uma parceria com uma gravadora, que fica responsável por distribuir e promover o álbum. “Esbarramos em certas deficiências em relação à Universal, eles são tão grandes que têm que dedicar a máquina deles aos produtos que vendem mais. Quando havia um lançamento do Zeca Pagodinho ou da Ivete Sangalo, ficávamos a ver navios, porque toda a equipe de divulgação era deslocada para isso”, conta André Matos, vocalista da banda.

MQN

MQN

O resultado foi uma amigável rescisão contratual, depois do lançamento de um álbum, que já é quase disco de ouro (50 mil cópias), e de um DVD. E a assinatura e um novo contrato com a Deckdisc. O grupo, que atua de forma totalmente independente e administra a própria carreira, acredita que a nova gravadora vai ser mais eficiente porque já está mais acostumada a trabalhar com o tipo de público e com a distribuição que ele pretende atingir.
Já que citamos o exterior, como será que se faz distribuição fora do Brasil? A comparação com o mercado americano, por exemplo, passa por consideramos, antes, as diferenças de modelo econômico e poder aquisitivo da população, além do nível de escolaridade e interesse do público consumidor em cultura, em que a música se insere. Mas os métodos de distribuição são bem parecidos com os aplicados no Brasil, na opinião da maioria dos entrevistados. Reclamar das dimensões continentais do nosso país não conta, já que essa é uma característica comum ao território do Tio Sam. “Lá, toda a mercadoria pode ser devolvida pelos lojistas, se ela não vender. No mais, o grande lance, especialmente nos Estados Unidos, é o grande número de distribuidoras independentes. E algumas majors, como a Universal e a Warner, estão lançando distribuidoras para cuidarem exclusivamente de produtos independentes”, conta João Augusto.

Ou seja, a sugestão de Lariú, para que as majors brasileiras trabalhem somente com distribuição, para desafogar o mercado, é uma prática já utilizada no exterior, e que pode ser uma solução para o mercado brasileiro também. O fato é que a distribuição independente no Brasil precisa, no mínimo, acompanhar o ritmo dos lançamentos. Um processo que ainda tem muito para crescer, e é realmente a saída para os artistas independentes fazerem seus discos chegarem ao grande público.

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