No Mundo do Rock

Com Eskimo Patrick Laplan dá seqüência ao que fazia com o Los Hermanos

Baixista tocou com vários artistas até formatar seu próprio trabalho, mostrado em “EP”. Fotos: Divulgação.

Henrique Zumpichiatti & Patrick Laplan: a dupla de frente do Eskimo

Henrique Zumpichiatti & Patrick Laplan: a dupla de frente do Eskimo

Ele saiu do Los Hermanos às vésperas de o grupo mudar o tipo de som que fez no primeiro disco e conquistar um grande número de fãs. Isso foi lá pelos idos de 2001. De lá para cá, tocou no Rodox e integra o Biquíni Cavadão, além de ter gravado com artistas como Érika Martins, Tom Bloch e Medulla. Mas sempre quis colocar seu próprio projeto pra frente. Projeto, não, uma banda mesmo, e assim, em 2005 nascia o Eskimo, com Patrick Laplan tocando quase tudo, e os vocais de Henrique Zumpichiatti, amigo da faculdade e que era do Infierno.

Não era para ser como uma banda de um homem só, mas por sorte ou por azar Patrick não se acertava com os músicos que chamava para o Eskimo e resolveu ele próprio tomar a frente de tudo. O primeiro trabalho do grupo saiu no início desse ano, um disquinho feito em casa com quatro músicas chamado simplesmente de “EP”, que tem chamado a atenção da mídia especializada. Repleto de referências – curiosamente até Los Hermanos – “EP” é só o cartão de visitas para um álbum que já está concebido e logo deve ganhar mercado.

Nesta entrevista que Patrick nos concedeu por e-mail, entre um ou outro show do Biquíni Cavadão, o baixista explica suas intenções, fala de referências, explícitas ou não, e de como pretende fazer o Eskimo ganhar corpo para se apresentar sobre os palcos. Isso se sua frenética agenda deixar. Ah, e de Los Hermanos também, claro.

Rock em Geral: Por que você optou por fazer (quase) tudo sozinho, ao invés de montar uma banda?

Patrick Laplan: O Eskimo foi a milésima mutação da primeira idéia musical pós Los Hermanos, e eu considero seu início após ter sido fechado um conceito musical e funcional, no início de 2005. Nas experimentações pré-Eskimo tentei “dividir” com diversas pessoas como em uma banda normal. Ou eu tive uma imensa má sorte com as pessoas testadas, ou realmente não era para ser. A questão é que a coisa não andava, até o ponto em que eu decidi tomar as rédeas. Aproveitei a oportunidade para gravar outros instrumentos que já tocava há tempos, e desenvolver o lado letrista/compositor. Fazer tudo sozinho evita muito atrito, mas faz do processo uma coisa solitária e pesada. Achei no Henrique um parceiro de verdade e a balança está se igualando. É tudo uma questão de confiança… Até de provação. Ele está conquistando o espaço dele, mostrando trabalho e um bom caráter.

RG: Com exceção do baixo, com que outro instrumento você mais se sentiu à vontade na hora de gravar?

Patrick: Bateria. Ninguém sabe, mas é meu primeiro instrumento. Fora isso, teclado, acordeão e uns efeitos e percussão aqui e ali… Mas que estão longe de serem instrumentos fluentes.

RG: Percebe-se que você tem bagagem como baixista que vem de outro tipo de música. Que tipo de experiência você tem fora da música pop?

Patrick: A gama na qual eu posso me enquadrar como baixista vai desde death metal até samba, e não digo só de saber tocar. Eu realmente gosto dos estilos. Tive a sorte de ser pupilo do mestre Nico Assumpção, que me abriu um leque em harmonia e em música popular, e muita coisa por conta própria também. Estudei um pouco de contrabaixo acústico (“erudito”) com várias pessoas, fora o fato de uma vida inteira ouvindo música clássica por causa da família. E acho que o fato de ser cercado por amigos que são músicos de chorinho, jazz, folclórica, acabou tendo um reflexo no meu gosto. Fora isso tenho trabalhado muito em estúdio e você aprende as sutilezas necessárias para gravar cada estilo. E toma gosto em poder ajudar/somar artistas de diferentes áreas. Às vezes é preciso chegar ao extremo de aprender a “tocar toscamente” para emular uma estilosa falta de intimidade com o instrumento, e fazer uma onda Pixies ou Sonic Youth (bandas que aprecio bastante). É quase que desaprender tudo que você passou anos aprimorando.

RG: Você tem uma bagagem de palco muito grande, adquirida nas bandas em que tocou, que sempre fizeram grandes turnês. Pretende fazer do Eskimo uma banda que se apresente ao vivo também ou deve mantê-lo apenas como um “projeto”?

Patrick: Bom tópico. Eskimo não é projeto. É banda. Com certeza shows vão acontecer, e com muito gosto. Mas como tudo o que fiz agora nessa banda, vai ser na hora certa e da maneira certa. Sem pressa e bem feito. Como o objetivo é a expressão, só se deve “expelir” quando estiver representando o que você quis.

RG: Então como será o Eskimo ao vivo? Já pensou em quem vai tocar? Será que vai demorar tanto tempo quanto para formatar o disco?

Patrick: Não vai demorar muito, não. A formação para os shows do “EP” e primeiro disco deve ter cinco pessoas. Fora nós dois, temos o Duca Mendes (segunda voz, teclado, violão, guitarra), Dudu Miguens (guitarra e violão), e espero que o Rafael Rocha (ex-Brasov) na bateria, pois ele é um cara muito ocupado. Quero fazer pequenos shows a partir de setembro.

RG: O Eskimo já tem material para um álbum completo? Se sim, por que gravar só quatro músicas?

Patrick: O Eskimo já tem o esqueleto de um álbum completo. Precisamos de mais tempo para o capricho que lhe cabe. O EP funciona como uma rápida apresentação e como termômetro de recepção. Saber como as pessoas iam digerir e se poderíamos pisar mais fundo em “estranhezas/belezas” no disco. O “EP” é parte do processo de pré-produção. Se pudéssemos fazer isso com todas as músicas seria perfeito. Quando você tem isso em mãos fica mais fácil fazer uma análise de erros e acertos e deixar tudo perfeito para o álbum.

RG: O “EP” tem repercutido bem na mídia. Você acha que isso e deve ao seu passado junto ao Los Hermanos?

Patrick: Acho que não. Acho que as pessoas têm mais boa vontade em recebê-lo e ouvi-lo por causa disso. O fato deve gerar alguma curiosidade, e com certeza abre algumas portas. Mas acredito muito que a boa repercussão é fruto de apontar um caminho individual, e que realmente tenha agradado a essas pessoas. Eu sou uma pessoa super carente no que diz respeito a música “pop nacional”, e estou fazendo o que eu gostaria de ouvir. Acho que tem mais gente que sente isso. E que está começando a se sentir representada pela nossa música.

RG: O “EP” é muito bem gravado e produzido. Vale à pena fazer um investimento desses só para quatro músicas?

Patrick: Certamente. Se você vai fazer um trabalho, por mais singelo que seja, sua assinatura fica lá para sempre. Se decidiu fazê-lo, faça bem feito. É horrível fazer uma gravação e ficar explicando como ela seria sem os erros e defeitos. Eu não sei fazer diferente, e me dá agonia ver algo que está na minha cabeça ser retratado de uma forma errada. Tive a sorte de contar com a paciência e conhecimento do grande amigo Alexandre Griva, engenheiro de som do “EP”, que tirou um peso de mim.

Estou fazendo o que eu gostaria de ouvir. Acho que tem mais gente que sente isso e que está começando a se sentir representada pela nossa música

Estou fazendo o que eu gostaria de ouvir. Acho que tem mais gente que sente isso e que está começando a se sentir representada pela nossa música

RG: Em duas músicas se percebe ecos de Los Hermanos. O que você acha que trouxe de sua ex-banda para esse trabalho?

Patrick: Conscientemente eu diria que nada. Desse tempo trago mais lições de convivência e funcionamento do que algo musical. Fora o fato de que temos bandas que gostamos em comum como Cake e Weezer. Acho que pela nossa opção por melodias não óbvias, pitadas de mpb e samba/choro, as pessoas fazem o link. Eu não concordo, mas entendo. Cada um escuta/digere música de uma maneira diferente. E é mais do que óbvio que esse primeiro trabalho seja comparado ao meu último de maior evidência. Mas só para citar como exemplo, na época a palavra “groove” era expressamente proibida por lá. Já no Eskimo tem um bocado (não que seja uma banda de r&b). Pra finalizar, eu fico feliz de ser comparado com eles. É uma banda que respeito e que é fiel aos seus princípios. Por mais simples que isso pareça, no Brasil isso quase não existe. E eles conseguem ser muito populares e bem sucedidos, fazendo música com conceito e não óbvia. Artistas “grandes” tem uma “luz” inexplicável. Você pode fazer tudo seguindo a cartilha e não “acontecer”. Se tem algo que eu aprendi é que não existe fórmula para o sucesso. Você cai no gosto das pessoas ou não, independente da sua vontade. E eles caíram. Isso é motivo para se respeitar. Fazer música para você mesmo e seu gosto bater com o de muita gente é algo que eu quero para mim.

RG: Há uma certa uma falta de unidade no disco, como se cada música apontasse para uma direção. Há essa intenção de sua parte ou você acha que com mais tempo as coisas se encaminharão para um trabalho mais definido?

Patrick: Agora imagine você escutar as quatro faixas sem voz. Quem participou estava estranhando muito. A idéia neste primeiro disco é fazer uma colcha de retalhos do nosso passado, e o que vai dar unidade vai ser a voz. São músicas que podem ser tocadas no violão como canções, mas que foram arranjadas de uma maneira mais frenética. Mas se você comparar com artistas como Beck, Mr. Bungle, Bjork, Squirrel Nut Zippers, Fiona Apple, vai ver que a falta de unidade pode acabar fazendo a unidade.

RG: Ao mesmo tempo é difícil precisar referências, exceto por um certo “que” de Mike Patton. Você concorda? Que outros nomes você citaria como influentes (ao menos em intenção) no Eskimo?

Patrick: Além do Patton, eu citaria muita gente: Cake, Fiona Apple, Jamiroquai, Incubus, Dillinger Escape Plan, João Bosco, Hermeto, Tim Burton, Fanfare Ciocarlia… Tudo que você escutou “em vida” acaba saindo. Desde os “Pearl Jams”, até os “Iron Maidens”.

RG: Você cita muito Cake e Tim Burton. Mas não aparece claramente nada de um (Cake) muito menos de outro (Burton) no “EP”…

Patrick: Posso dizer a minha opinião, o que não se transfere para ninguém. Tem gente que escutou e fez link com Ney Matogrosso… Sério. Em “O Grande Crime” eu escuto um “que“ de Cake no arranjo e na levada, não na melodia. Tim Burton? Introdução de “A Curva”, final de “Homem ao Mar”… Elementos mais soturnos. Quando falo de Tim Burton, me refiro aos filmes mais “góticos”, como “A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça”, “Edward Mãos de Tesoura”. A capa do “EP” tem muito disso. E o lado monstrinhos simpáticos de “Corpse Bride” e “The Nightmare Before Christmas”. Se você não percebeu nada é sinal de que as referências não ficaram óbvias. É o nosso modo de ver Cake e Tim Burton, e como reagimos a ele. Seria péssimo ingerir uma referência e “expeli-la” da mesma maneira que entrou. Seria sinal de que você não absorveu nada. É natural adicionar algo ao que recebeu, que entendeu da sua maneira. Que não copiou e mandou de volta.

RG: A capa do “EP” não parece ter sido feita ao acaso, há alguma história por trás dela?

Patrick: Não é literal. Não é algo como estamos no meio de perigo. É para ser muito dramático, de estilo clássico, e pouco óbvio. Não é todo dia que você vê tubarões de bico de parafuso. Poderia ser uma capa do Tom Waits, meio fantasiosa, e acho que prepara (um pouco) o ouvinte para o que vem. A idéia é que a pessoas façam um filminho na cabeça ouvindo nossas músicas. Viagem particular.

RG: Você já deve ter respondido isso milhões de vezes, mas por que exatamente você saiu do Los Hermanos? Fala-se que foi porque você não concordava com o direcionamento sonoro tomado pela banda a partir do segundo disco. Até que ponto isso é verdade?

Patrick: Foi porque eu era uma pessoa difícil de lidar e queria levar o barco pra um outro caminho. Algo como um Beck com Voodoo Glow Skulls, misturado com samba. Foi uma turnê exaustiva, que camuflou as vontades de cada um esteticamente. A culpa foi totalmente minha. Às vezes as coisas não se dão da melhor maneira. O meu lugar não era lá, e na época eu não conseguia ver isso. Graças a Deus alguém viu por mim. Foi difícil de lidar e aceitar, mas hoje está totalmente digerido. Hoje é muito claro pra mim que seguimos os caminhos melhores para ambos.

RG: Vendo que hoje eles têm sucesso nacional, você tem ao menos uma ponta de arrependimento?

Patrick: Nenhum. Não é isso que eu busco. Sucesso não pode ser motivo. Se vier, que venha pra ser um meio pra realizar coisas.

RG: E no Rodox, como você entrou e por que a banda acabou?

Patrick: Fui recomendado. Quando falei com o Rodolfo ele disse que eu já estava na agulha. Eu saí antes de a banda acabar, mas não acredito em “dream teams”, não adianta juntar um monte de gente que toca bem na mesma banda para ela funcionar. Existem elementos dentro de um conjunto que podem parecer não ter tanta importância, mas que às vezes faz possível a convivência dos “gigantes”.

RG: Você curte fazer parte do Biquíni Cavadão ou encara mais como uma oportunidade de trabalho?

Patrick: Adoro. Foi minha escola de verdade. Eles me abrigam sob suas asas, até eu criar as minhas. Foi no Biquíni que eu aprendi a baixar minha bola/ego para trabalhar em prol de outra pessoa. Graças a isso pude me tornar um bom músico de estúdio. Fora isso ganhei amigos para vida toda, toco com um dos melhores cantores do Brasil, e aprendi como pessoas conseguiram conviver em uma banda por mais de 20 anos. Ah… E fiz o baterista do Biquíni Cavadão escutar Slayer e achar muito foda. Quer mais?

RG: Quero. Tenta fazer os caras lançarem um disco de inéditas, ao invés de só tocarem covers?

Patrick: Vamos entrar em estúdio no final do ano para gravar o novo disco de inéditas…

O meu lugar não era lá (no Los Hermanos), e na época eu não conseguia ver isso. Graças a Deus alguém viu por mim. Foi difícil de lidar e aceitar, mas hoje está totalmente digerido

O meu lugar não era lá (no Los Hermanos), e na época eu não conseguia ver isso. Graças a Deus alguém viu por mim. Foi difícil de lidar e aceitar, mas hoje está totalmente digerido

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