No Mundo do Rock

Com nova vocalista, Theatre Of Tragedy volta às raízes e lança álbum mais orgânico

Após quatro anos, grupo norueguês volta à carga apresentando a vocalista Nell Sigland e deixa de lado a fase eletrônica que tanto atormentava os fãs de longa data. Fotos: Divulgação

Nell tem sido bem ativa em todo o processo, fazendo boas sugestões, escrevendo suas próprias letras e linhas vocais, e sendo muito pró-ativa, o que realmente faz toda a banda se sentir mais unida como um todo

Nell tem sido bem ativa em todo o processo, fazendo boas sugestões, escrevendo suas próprias letras e linhas vocais, e sendo muito pró-ativa, o que realmente faz toda a banda se sentir mais unida como um todo

Hoje é tão normal ver uma mulher cantando à frente de uma banda de heavy metal que o artifício se tornou uma tendência dentro do gênero. Mas nem sempre foi assim. Em meados dos anos 90 bandas voltadas para o gothic metal experimentaram misturar os vocais rasgados vindos do death metal com a singeleza do vocal feminino. O Theatre Of Tragedy foi um dos pioneiros na área. Nascido na Noruega em 1994, o grupo ficou famoso pela dobradinha feita por Raymond I. Rohonyi e a belíssima Liv Kristine, além das letras baseadas na literatura inglesa e do tom melancólico das músicas, garantido pelo tecladista Lorentz Aspen, na época com apenas 15 anos.

Os álbuns diferenciados do Theatre Of Tragedy logo recrutaram fãs que vão do metal ao gótico, um caminho indicado pela própria banda desde o auto-intitulado álbum de estréia, de 1995, passando por “Velvet Darkness They Fear” (96) até chegar a “Aégis” (98), que dialoga fluentemente com a sonoridade do pós punk oitentista. Já “Musique” (2000) e “Assembly” (2002) foram em direção ao rock industrial e ao mundo da música eletrônica, o que chegou a desapontar os fãs mais ortodoxos. Em 2003 a saída de Liv Kristine – que este ano esteve no Brasil com o Atrocity e com a própria banda – deixou o grupo numa nítida entressafra. Era preciso mudar.

E a mudança começou em 2004, com a entrada de Nell Sigland (The Crest, grupo conterrâneo de estilo semelhante), mas não só com ela. Numa típica tentativa de voltar às raízes, o Theatre Of Tragedy deixou de lado a eletrônica com a qual vinha experimentando e partiu para as gravações que resultariam em “Storm”, um álbum nitidamente mais orgânico, como nos contou o guitarrista Vegard K. Thorsen. Para ele, a mudança de vocalistas foi a deixa para se chegar a nova sonoridade da banda, e a fase eletrônica era uma resposta à repercussão trazida pelo álbum “Aégis”, o maior sucesso do grupo até hoje. Vegard nos concedeu a entrevista via e-mail, contando tudo sobre o novo álbum e sobre este renascer do Theatre Of Tragedy. Completam a formação atual Frank Claussen (guitarra) e Hein Frode Hansen (bateria).

Rock em Geral: Vocês finalmente estão lançando um novo disco, conte como ele foi concebido e como está sendo o lançamento:

Vegard K. Thorsen: Compor material novo leva algum tempo. Nós nos separamos da nossa vocalista original durante esse processo e tivemos que conseguir uma nova para o posto, incluindo tudo que isso envolve. Todos nós aparecemos com novas idéias, o processo de composição é realmente um evento de equipe para nós, o que é uma coisa muito boa, mas faz com que tudo seja mais lento. Gravamos tudo nos estúdios Top Room e Elektroatal, na Noruega, com o produtor e engenheiro Rico Darum, que também tinha feito a remixagem para a música “Let You Down”, do álbum “Assembly”. O disco foi mixado no Green Jacket Studio, no Canadá, por Greg Reely, que já havia trabalhado com bandas como Paradise Lost, Fear Factory e Skinny Puppy, só para citar algumas. Estamos bem felizes com o disco, e recebendo um retorno muito bom do público.

RG: Como foi a participação da nova vocalista em todo o processo de feitura desse álbum?

Vegard: Ela tem sido bem ativa em todo o processo, fazendo boas sugestões para as músicas, escrevendo suas próprias letras e linhas vocais, e sendo muito pró-ativa, o que realmente faz toda a banda se sentir mais unida como um todo. Ela tem uma crítica construtiva sobre as músicas durante todo o processo de composição. Vamos trabalhar em cima do material dela quando começarmos a preparar as músicas para o próximo álbum.

RG: Foi um processo complicado conseguir uma nova vocalista?

Vegard: Nell também canta no The Crest. Nós a ouvimos há bastante tempo, mesmo antes de ficarmos sabendo que precisaríamos trocar de vocalista. Eu e o Hein organizamos um show na nossa cidade natal com o Mortiis e o The Crest, entre outras bandas, em 2001, e depois de ver a performance dela ficamos com uma boa impressão. Vocalistas de todas as partes do mundo nos enviaram CDs e biografias, mas conhecíamos Nell de antes, ela já mora aqui na Noruega, ficou tudo mais fácil. Estamos bem felizes agora que tudo deu certo.

RG: Por que exatamente Liv Kristine deixou a banda? Está tudo certo entre vocês ou ficou alguma mágoa?

Vegard: Vou apenas dizer que trabalhar com a Liv estava ficando muito difícil, a comunicação estava muito ruim. Por causa disso, entre outras coisas, nós decidimos terminar nossa cooperação com ela. Tem outros fatores também, mas achamos que são coisas entre nós e ela. Colocamos nossas razões claramente, e todas eram legítimas. Nos encontramos umas vezes depois da ruptura, e as coisas poderiam estar piores.

RG: Ouvindo o disco novo parece que o Theatre Of Tragedy está se aproximando da música gótica feita pelo pós punk inglês, nos anos 80. Existe uma pré-disposição para isso? Tem a ver com a saída da Liv?

Vegard: Nós mesmos não pensamos sobre isso, não foi uma meta que traçamos para este álbum. Mas como um fã desse tipo de música, tomo isso como um elogio. Eu próprio não vejo essas similaridades, mas nós ouvimos essas músicas até a morte, então minha perspectiva é uma coisa meio fixa. O fato de termos mudado nosso som de novo não tem nada a ver com a saída da Liv, nós só queríamos mudar as coisas um pouquinho. De novo.

RG: Até o “Storm” o Theatre Of Tragedy passou por um período de muita influência do industrial e do eletrônico, especialmente nos álbuns “Musique” e “Assembly”. Como você vê esse período?

Vegard: Nos divertimos bastante trabalhando com a coisa da eletrônica, experimentando, tentando coisas novas, aprendendo. Não foi uma mudança tão grande na carreira, mas depois do disco “Aégis” as pessoas estavam cansadas de tudo, então tínhamos que implantar certas mudanças ou simplesmente dar um fim na banda.

RG: “Storm” também parece soar um pouco mais orgânico, no sentido de as músicas serem menos “mecânicas”. Como você vê essas duas coisas nesse novo material?

Vegard: Também achamos que o “Storm” é um disco mais orgânico, e era isso que nós queríamos, voltar a focar nos instrumentos básicos, voltar a ter as canções mais orgânicas, com sons acústicos, como cordas, coros e pianos. Há ainda coisas eletrônicas, mas estão mais num segundo plano, e não predominam no som do disco.

Nos preocupamos em ter um equilíbrio entre as coisas mais rápidas com as mais ou menos e as mais lentas. Achamos que “Storm” tem uma boa mistura de tudo isso

Nos preocupamos em ter um equilíbrio entre as coisas mais rápidas com as mais ou menos e as mais lentas. Achamos que “Storm” tem uma boa mistura de tudo isso

RG: Este disco também parece ter menos vocais masculinos do que nos anteriores, e quando eles aparecem, vêm bem “eletrônicos”. É uma tendência na banda de agora em diante?

Vegard: O Raymond é algo como um vocalista involuntário, mas a razão para ter mais vocais femininos do que masculinos é porque as linhas vocais femininas funcionaram melhor. A voz do Ray funciona melhor quando adicionamos um pouco de efeitos, mas olhando para trás, também achamos que os vocais masculinos estão um pouco em segundo plano, embora tenha parecido uma boa idéia naquele momento. Mas não existe tendência alguma nisso. O próximo disco poderá ser diferente. De novo.

RG: Como vocês costumam escolher os singles?

Vegard: “Storm” foi escolhida como primeiro e, até agora, o único single. Achamos que esta música devia ser o primeiro single bem cedo. Era uma música simples e direta, com bons riffs e melodias, e era um bom sinal para as pessoas imaginarem, ficarem na expectativa de como o álbum todo seria.

RG: “Silence” parece ser uma das músicas mais cativantes no disco. Vocês pensaram em fazer dela um single também?

Vegard: Há mesmo algo de pop e cativante nessa música, mas sabíamos que ela seria muito pop para ser usada como um single. De outro lado pode ser boa para atingir um público maior.

RG: “Voices” também tem um sotaque pop. Ás vezes vocês pensam o Theatre Of Tragedy como uma banda pop, subindo nas paradas e tal?

Vegard: Para ser honesto nós nem achamos essa música tão pop assim. Ela foi re-escrita diversas vezes. No início era mais barulhenta, distorcida, com linhas de teclados bem altas, muito no “estilo americano”. Depois foi feita mais parecida com um “hardcore techno/metal crossover europeu”, até chegar ao jeito que está no disco. É claro que subir nas paradas é um sinal de que as vendas vão bem e que nós estamos fazendo grana, mas nós nunca pensamos em parada quando compomos uma música. Isso acabaria completamente com o prazer de ver uma música tomar forma.

RG: “Begin And End”, de outro lado, é uma das mais pesadas. Vocês costumam balancear as músicas mais pesadas com as mais suaves na hora de fechar o repertório de um disco?

Vegard: Sim, sempre nos preocupamos em ter um equilíbrio entre as coisas mais rápidas com as mais ou menos e as mais lentas. Não estou certo se temos uma fórmula, mas achamos que “Storm” tem uma boa mistura de tudo isso.

RG: A capa do disco parece ser mais simples, se compararmos com as capas dos discos anteriores. Há um motivo em especial por trás dessa simplicidade gráfica?

Vegard: Em algum nível, sim. O som desse disco é mais morno, simples e orgânico, e nós queríamos que a capa refletisse isso. Eu acho que conseguimos. A propósito, o artista que fez essa capa é o mesmo que a fez a do “Assembly”.

RG: O Theatre Of Tragedy foi um dos primeiros a usar vocais femininos e masculinos ao mesmo tempo, numa banda de heavy metal. Como você vê esse tipo de música hoje em dia, com bandas como Nightwish e Evanescence fazendo tanto sucesso?

Vegard: Lógico que seria bom se tivéssemos um pouco do sucesso deles, mas eu acho que esse é o preço de sermos os pioneiros. Estou brincando, claro. Eu acho o melhor representante desse gênero é o Lacuna Coil. Algumas da outras bandas com vocais femininos começaram a soar muito parecidas, mas o Lacuna Coil sempre gerencia a música deles de um jeito a colocar um novo sabor a cada disco.

RG: Que bandas influenciaram vocês e em quais você acha que o Theatre Of Tragedy exerceu influência?

Vegard: Sobre as nossas influências são muitas para eu citar aqui. Gostamos de todo o tipo de música, do pop dos anos 80 ao gótico e techno metal, passando pela música eletrônica e coisas do tipo. Esperamos que tenhamos influenciado outros artistas também. Na verdade eu já vi o Within Temptation, numa entrevista, dizendo que nós somos a maior influência para eles, o que é bem legal.

RG: Não é muito fácil sair matérias com o Theatre Of Tragedy na mídia. Vocês acham que não ocupam o espaço que merecem na imprensa, ou é a banda não gosta de aparecer tanto assim?

Vegard: Nós não nos importamos muito com isso. Não temos uma imagem extrema ou fazemos coisas estranhas ou excitantes, então não há muito o que se escrever sobre nós. Mas é claro que é legal quando fazem uma resenha quando fazemos shows ou lançamos um novo disco.

RG: Vocês já começaram a turnê do “Storm”? Como estão as novas músicas quando tocadas nos shows? Os fãs estão gostando?

Vegard: Na verdade acabamos uma turnê agora. Tocamos em parte da Europa recentemente, fizemos uns shows na Noruega, e tocamos no Wave Gotik Treffen, em Leipzig, na Alemanha. A resposta do público tem sido muito boa, e todos com os quais conversamos depois dos shows vêm nos falar da boa performance de Nell.

RG: Há no site um post dizendo que vocês devem tocar no Brasil em agosto. Já há algo confirmado?

Vegard: Estamos trabalhando para fazer vários shows na América do Sul e na América Latina em agosto, mas ainda não há nada confirmado. Estou surpreso que isso já esteja no site…

RG: Falando do metal norueguês de hoje, como estão a coisas? Que bandas você apontaria como promissoras?

Vegard: Nenhum de nós acompanha realmente a cena metálica da Noruega de perto. Não que sejamos arrogantes, mas nós não ouvimos tanto metal assim, de uma forma geral. Mas entre as bandas mais novas eu tenho ouvido o Stonegard e o Sahg, que eu acho que vão se dar bem nessa área.

Nossas influências são muitas, do pop dos anos 80 ao gótico e techno metal, passando pela música eletrônica e coisas do tipo

Nossas influências são muitas, do pop dos anos 80 ao gótico e techno metal, passando pela música eletrônica e coisas do tipo

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