No Mundo do Rock

Detonautas muda e se ajusta ao rock contemporâneo

Grupo deixa pra trás os discos de sucesso radiofônico e busca novos caminhos. Fotos: Marcos Hermes/Divulgação.

Rodrigo Netto (guitarra), DJ Cléston, Tchello (baixo), Fábio Brasil (bateria), Tico Santa Cruz (vocal) e Renato Rocha (guitarra): psicodelia na ordem do dia

Rodrigo Netto (guitarra), DJ Cléston, Tchello (baixo), Fábio Brasil (bateria), Tico Santa Cruz (vocal) e Renato Rocha (guitarra): psicodelia na ordem do dia

Se você está entre as mais de 150 mil pessoas que compraram os dois primeiros discos do Detonautas e não é fã dos mais fiéis, pense duas vezes antes de ouvir o terceiro, “Psicodeliamorsexo&distorção”. É que a banda deu uma guinada razoável no caminho que vinha trilhando, deixou de lado o rock que lhe garantia um certo sucesso radiofônico e investiu seriamente em músicas de maior peso e em sintonia como que se faz hoje no mundo do rock. Tanto que próprio vocalista Tico Santa Cruz classifica o que foi feito até agora como “careta”. Aconselhado pelo produtor Carlos Eduardo Miranda, a banda foi trabalhar com Edu K (De Falla), que produziu o disco.

Além da mudança no som, a exposição exagerada na mídia fez o grupo repensar certas atitudes, o que reflete na concepção do disco como um todo. Desde a capa, passando pelas fotos do encarte e, claro, pelas letras, percebe-se uma banda mais amadurecida e (até) mostrando sinais de evolução que vão além da música, e têm muito de cunho pessoal. Discriminado por parte da mídia e também no meio do rock justamente por “aparecer demais”, o Detonautas fez uma mini turnê de lançamento em várias capitais – para imprensa e convidados - para mostrar as novas músicas.

Nessa entrevista, mesmo feita via e-mail, Tico Santa Cruz não economizou palavras e desandou a falar sobre tudo. As razões para a mudança dentro da banda, a visão que ele tem do trabalho do Detonautas até então, terapias, celebridades, iogas, mercados e leituras. Mas, principalmente, destrincha o disco que, ao que parece, inaugura uma nova fase para a banda. Respire fundo e vá em frente.

Rock em Geral: Há uma mudança generalizada no som do Detonautas nesse disco, a que você atribui isso?

Tico Santa Cruz: Acredito que todos evoluímos um pouco musicalmente. A experiência na estrada traz uma perspectiva diferente. A convivência com nossas limitações, a inquietude de se buscar uma identidade própria e uma sonoridade que nos dê mais prazer. O rock nacional que é divulgado pelas rádios e TVs está muito careta. Achamos que estava na hora de dar o primeiro passo para nos retirarmos dessa mesmice. Por este motivo procurei o Miranda, que me levou até o Edu K.

RG: Quando você avalia o rock nacional como “careta”, inclui o Detonautas? Pode citar razões para essa caretice que você identificou?

Tico: Não me refiro ao rock nacional de forma generalizada, até porque não tenho conhecimento de tudo o que esta sendo feito, quando digo que está “careta”. Estou me posicionando diante do que é exposto ao grande público através da mídia, TVs e rádios. As bandas soam todas muito parecidas, abordam os mesmos temas, usam as mesmas fórmulas e tornam a cena, que é bem diversificada, uma coisa aparentemente igual. Claro que incluo o Detonautas, não o trabalho atual, mas o que foi vendido para as pessoas que não se aprofundaram no nosso passado. É nítido que o poder do rótulo é tão grande que alguns jornalistas ainda se referem a nós como uma banda de emo, e nunca nos consideramos nem emo, nem hardcore, nem nada disso. Somos uma banda que faz rock em português e pronto. O que observo é que está cada vez mais difícil quebrar a tal barreira dos três minutos que as rádios praticamente impõem, basta se modificar um pouco que você já encontra resistência por parte de algumas FMs que se dizem rádio rock e acham que o som está muito pesado ou que a voz está muito “enterrada”. Sinto falta de elementos diferentes, tanto no que diz respeito à música, quanto ao visual. Ando flertando muito com o hard rock, com o glam rock. O público está sendo condicionado a querer ouvir o que é sempre mais fácil e quando chega para assistir a um show parece que só quer escutar as músicas que fazem “sucesso”. Onde está aquela galera que gostava de ir a um show de rock e se entregar às sensações, ao som, as viagens que a música proporciona? Talvez não seja ainda o público que consome o Detonautas, mas a partir de agora eles terão que lidar com essa nossa abordagem.

RG: Como você vê, depois desse disco, os dois anteriores?

Tico: Estive trabalhando isso com a minha analista. A princípio cheguei a olhar para os outros dois com um pouco de desprezo. Tenho sérios problemas com o passado, não sou nem um pouco ligado ao que ficou para trás, mas nesse caso estou me referindo as músicas que fazem parte da história da carreira de uma banda e comecei a encarar tudo que passou como um processo e não como a conclusão. Não poderia ser diferente. O que fizemos foi a verdade daquele momento, sempre fomos honestos em nossas abordagens. Nossas referências eram outras, baseadas exclusivamente no rock nacional dos anos 80 e muita influência de Charlie Brown Jr, Raimundos e O Rappa. Nada mais natural para quem estava diretamente exposto ao que tocava nas FMs. O primeiro disco, antes de ser remixado para ser lançado pela Warner, tinha uma sonoridade interessante, mais suja, mais rock. Mas para entrar na indústria, no começo, é preciso fazer opções e como não tínhamos a menor noção do que se tratava, estávamos dispostos a fazer o que fosse necessário para que nossa música tocasse no rádio. Estamos no Brasil e a mentalidade por aqui ainda é um pouco limitada no que diz respeito a qualidade artística exposta para o povão. Mas a essência das canções sempre nos agradou. O segundo disco, “Roque Marciano”, tem boas melodias, letras até um pouco melhores, mas é muito limpinho, muito certinho. Estive ouvindo outro dia e consegui notar o quanto ele foi concebido com uma sonoridade fácil de ser digerida. Fizemos boa parte das músicas na estrada e não tivemos muito tempo para amadurecê-lo. Acho que é esse o “mal do segundo disco”. Quando a banda entra no carrossel da indústria e esquece quem está fazendo a roda girar. Ambos fizeram sucesso, não tenho do que reclamar. Aprendemos muito com o Fernando Magalhães e com o Tom Capone (que produziram os discos), sem estas etapas nunca poderíamos chegar a este terceiro momento.

RG: No disco novo percebe-se referências a muito do que se faz na música atualmente, na área do rock. Vocês procuraram se interar disso antes (ou mesmo durante) o processo de composição das músicas desse disco?

Tico: Eu até tenho essa mania de estar antenado com o momento contemporâneo e tentar extrair coisas disso, mas com o Edu por perto sempre que eu falava: “maneiro, isso está me lembrando Killers ou Bloc Party”, ele me dizia: “engano seu, minhas referências são Duran Duran ou Gang of Four”. Em alguns momentos as influências do Cure aparecem através das levadas do Fábio. Ouvimos juntos muitas coisas como Zeppelin, Doors, The Who, os clássicos clichês, mas cada um foi fazer uma pesquisa própria para novas abordagens e isso foi o que nos deu uma certa base para criarmos nossas canções. Começamos esse processo de audição logo depois que entrou “Tênis Roque” nas rádios. Chegamos a conclusão que, ou dávamos um passo adiante ou estaríamos fadados a uma atrofia musical. Minhas bandas do coração são Stone Temple Pilots, Porno For Pyros, Jane’s Addiction e tudo em que se mete Perry Farrel, Red Hot, Queens Of The Stone Age, Nirvana, Alice In Chains. Tenho uma veia grunge e outra glam.

RG: “No Escuro o Sangue Escorre”, “Dia Comum” e “Quem Sou Eu?”, por exemplo, tem muito do chamado novo rock, que se inspira nos anos 80. É por aí mesmo?

Tico: “Dia Comum”, sim. As outras duas não.

RG: “Não Reclame Mais” é puro hard rock anos 70, referência de um outro grupo de bandas, como Backyard Babies, por exemplo. Fale como essa música foi feita.

Tico: “Não Reclame Mais” saiu visceral desde o começo. Renato fez um riff de uma música antiga do Detonautas que nunca foi usada. Imediatamente o Tchello e o Fábio começaram a tocar e estávamos gravando tudo. Ficou um clima livre onde cada um inseria o que tivesse a fim e nesse momento comecei a gritar algumas frases. Nem cheguei a escrever o que estava gritando, depois de tudo ouvimos a gravação e montei meus gritos da forma que achei mais interessante. Não escrevi nada, é o tipo da música que sai pela música. O rock pelo rock, sem se preocupar se está bonitinha ou poética.

RG: “Sonhos Verdes” é um rock seco à Strokes, concorda? Fale sobre essa música:

Tico: Não concordo. “Sonhos Verdes” foi uma viagem que tive depois de assistir ao filme “Trainspotting”. Começou também de uma levada que o Renato estava experimentando sozinho. Ouvi e comecei a escrever. É uma das letras que mais gosto porque tem uma conotação bem diferente do que é interpretado pelas pessoas. Nem tudo que fazemos é tipo alguma coisa que está em foco pela cena. Não buscamos copiar ou imitar uma outra banda. Nossa intenção é colocar para fora o que estávamos sentindo, sem a preocupação de parecer necessariamente com alguém. Sou bem honesto em relação a isso. Originalidade não consiste em fazer o que ninguém fez antes, mas em fazer exatamente o que você pensa por si mesmo.

Onde está aquela galera que gostava de ir a um show de rock e se entregar às sensações, ao som, as viagens que a música proporciona?

Onde está aquela galera que gostava de ir a um show de rock e se entregar às sensações, ao som, as viagens que a música proporciona?

RG: Já a épica “Insone”, que vem de Led Zeppelin, serve como contraponto a essas novidades?

Tico: “Insone” veio de uma viagem entre o Tchello e Fábio no fim de um dia cansativo de ensaios. Estávamos com o ouvido doendo de tanto tocar uma música que acabou não entrando no repertório que se chamava “Medo Real”, pesada pra caralho. Eles começaram uma levadinha e fui cantarolando qualquer coisa. Muitas dessas coisas que cantei sem escrever são reflexos de uma outra direção que tomei na minha vida. Desenvolvi o gosto pela literatura. Não tenho feito outra coisa ultimamente que não só ouvir música e ler bons livros. “Insone” faz muitas referências a Friedrich Nietzsche, ao eterno retorno, ao que é real ou não. Mas estou gostando de saber que ao olhar para o novo som do Detonautas você consegue enxergar coisas mais intensas e bandas clássicas como Zeppelin, sinal de que realmente estamos alcançando um efeito esquizóide em relação as antigas comparações com CBJ e CPM 22, entre outras. Vejo isso como um ponto positivo.

RG: As faixas 12 e 13 parecem que começam depois que o disco acabou, depois de “Insone”, e realmente destoam totalmente do disco. Elas são antigas, em relação ao material do disco?

Tico: Sim e não. Sim, elas destoam do disco, são outras faces que abordamos, uma com o Netto cantando e o Renato tocando piano. Achamos a música boa e optamos por incluí-la mesmo sendo um pouco diferente do restante. Somos sempre a favor de uma música interessante ainda que ela seja contraditória em relação ao repertório. A outra, “Um Pouco Só do Seu Veneno”, eu mostrei no último dia de gravações e fizemos um arranjo de violão e voz. Nesse dia estávamos eu e Edu, que tocou os violões. Não, não são antigas.

RG: Tem uma versão em espanhol escondida no disco… Conte como foi gravá-la e qual o interesse do Detonautas no mercado latino:

Tico: A versão em espanhol foi quase uma obra do “acaso” se é que podemos encarar as coisas desse jeito. Eu tinha acabado de ler um livro do Caco Barcelos que chama-se “O Abusado”, e estava com a história na minha cabeça. Um belo dia uma amiga minha que é diretora de cinema apareceu no estúdio de surpresa e estávamos num intervalo. Eu e Cléston estávamos brincando com uma batida de hip hop, já que no disco não tínhamos a intenção de incluir esse elemento, e fui cantando e escrevendo um rap a respeito da vida criminosa. Ela ouviu tudo em silêncio e quando acabamos me perguntou sobre o que era a música. Então expliquei e ela ficou perplexa por que seu documentário falava exatamente desse assunto. Perguntei de brincadeira de não queria que fizéssemos para o filme e ela disse que seria muito interessante. Então chamei todo mundo, peguei uma guitarra, fiz um riff e cantei o rap por cima, eles fizeram um arranjo maneiro e gravamos. Como o filme é estrangeiro e tem uma linguagem que mistura inglês e espanhol, ela pediu para que gravasse desse jeito. Fiquei seis horas com um peruano do meu lado me corrigindo palavra por palavra para que ficasse o mais fiel ao idioma escolhido. O documentário chama-se “Hijos de la Guerra” e fala sobre as gangues de El Salvador que estão invadindo os Estados Unidos.

RG: Com tanto produtor de rock por aí, por que escolheram o Edu K, que só produz discos eventualmente?

Tico: Porque queríamos algo fora do convencional, fora do vício do mercado e que pudesse nos levar a uma sonoridade diferente. Com a perda do Tom Capone, procuramos alguém que tivesse uma filosofia de vida parecida e fomos parar no Carlos Eduardo Miranda, que nos indicou o Edu. Liguei para ele e perguntei se topava fazer uma experiência. Ele me perguntou se tinha algum lugar para dormir e algo para comer, quando respondi que isso não seria problema ele embarcou para o Rio e fizemos o disco juntos.

RG: Foi fácil trabalhar com ele, que tem uma personalidade mutante?

Tico: Fácil não foi, mas foi enriquecedor. O Edu pensa muito rápido e quando chegou a primeira coisa que me disse é que já sabia como seria o disco. Nos esbarramos no começo, nossas personalidades são muito parecidas e os conflitos ocorreram, mas todos estávamos dispostos a fazer o melhor trabalho possível e contornamos o que poderia nos criar problemas com muito diálogo e muito respeito. Tenho um amor muito grande pelo Edu, ele poderia ter sido meu irmão mais velho. O considero um cara genial, “fodão” e imprevisível.

RG: Depois de tanta exposição em rádio e TV, o Detonautas passou a não ser bem visto pela crítica, de uma forma geral. Como convencer essas pessoas que o som de vocês mudou bastante?

Tico: Acho a palavra convencer forte demais. Quando você quer convencer alguém é porque não está seguro do que esta fazendo. Já tentamos convencer muito as pessoas, mas hoje temos um pouco mais de maturidade para entender que elas não devem ser convencidas, mas convidadas a escutar o que estamos fazendo e tirar suas próprias conclusões. Convencer fica parecendo que estamos tentando passar algo que não é a nossa verdade.

RG: Vou mudar então: como mostrar para essas pessoas que o som de vocês mudou bastante?

Tico: Elas terão que escutar o disco ou assistir a um show, não tem outro jeito.

RG: Uma vez ouvi você dizer que boa parte da crítica sequer escuta o disco de vocês antes de analisar. Você ainda acha isso?

Tico: Acho que esse disco gerou alguma curiosidade. Nós nos propusemos a convidar as pessoas para nos ouvirem tocando o disco ao vivo, para que daí pudessem tirar suas impressões, isso fez com que muita gente que sempre falou mal do DRC prestasse um pouco mais de atenção. Naturalmente o amadurecimento da banda e a proposta diferente dos outros trabalhos acabaram nos levando a críticas positivas e isso é importante para o Detonautas, principalmente para que as pessoas percebam que estamos buscando melhorar e não tão somente repetir as fórmulas que nos dariam um “sucesso” mais simples. Já cheguei a achar realmente que fomos rotulados sem sermos ouvidos. Talvez por isso resolvemos mostrar cara a cara a nossa nova proposta.

RG: Você vê preconceito por parte da crítica com grupos que tocam no rádio, vendem bem, enfim, são populares?

Tico: Não tenho certeza, mas muita gente de renome que conheço sempre diz uma frase que Tom Jobim mencionou certa vez: “Fazer sucesso no Brasil é pecado”. Acho que a princípio pode existir o preconceito, mas quem se propõe a expor sua arte deve estar sujeito a lidar com isso e se possível reverter, que é o que estamos tentando fazer. Veja bem, estamos tentando reverter o preconceito, para que nos ouçam antes de nos julgar, ainda que depois de nos ouvir digam que é uma bosta.

RG: Vocês pensam nisso na hora de compor? Se tal música é boa para o rádio, se uma outra não é…

Tico: Sim, pensamos nisso. Pensamos de uma forma diferente hoje. Neste disco em especial pensamos o seguinte: esta música tem cinco minutos, está fora dos padrões das rádios, mas acho que podemos tentar fazê-la tocar porque é uma música que consideramos interessante e queremos oferecer qualidade ao público. Ao contrário de se colocar num quadro negro a fórmula do sucesso das FMs, que é em média três minutos e trinta segundos, parte A… Refrão… Parte B… Refrão… Especial… Refrão e fim. Sabemos que algumas músicas podem ter mais o perfil do que se é consumido e cabe a nós ousar desafiar os padrões e inserir uma maneira diferente de se fazer sucesso. Pretensão? Talvez, mas que está um saco ouvir rádio hoje no Brasil, está.

RG: Apesar de tratar de psicodelia, o disco tem a capa em preto e branco. Fale dela e também do encarte, que inclui os integrantes (aí sim) num típico cenário psicodélico/hippie/setentista:

Tico: O encarte foi feito pelo meu professor de ioga, Mestre Edi. Além de guru ele é um excelente desenhista, e eu já havia feito contato com suas obras. O convidei para fazer o trabalho e ele desenhou aquela linda borboleta. A borboleta tem o significado óbvio e especial da transformação que é o que estamos buscando com este disco. Nosso conceito se resume em não entregar tudo de bandeja. Para se encontrar a psicodelia é preciso entrar nesse universo, e partindo desse princípio é que ela não está disposta de cara na capa. No interior fomos fiéis a proposta e fomos para um lugar onde montamos a parte lúdica do conceito. Todas as vestimentas utilizadas ali são nossas e o que fizemos foi só retratar com elementos externos um pouco do que representa o espírito da música que estamos fazendo. Não podemos esquecer que existe uma magia na arte e que é esta magia que faz com que as pessoas se interessem por um artista. Este lado também faz parte de nós. Já não me identifico mais com aquele perfil “street”. Me permito poder usar roupas diferentes e buscar isso na raiz. Não vejo mal nenhum. Esse é um dos pontos pelo qual me identifico muito com o Edu, o não congelamento.

RG: No início da entrevista você citou sua terapia, depois disse ler muito e agora falou em ioga. Esses elementos não pareciam fazer parte do Tico do início do Detonautas, cheio de músculos e tatuagens. Você foi adquirindo esse novo perfil intelectualizado/zen com o tempo, ou o estereótipo de antes é que escondia essas características?

Tico: Eu não fazia ioga e nem terapia, mas não é porque tenho muitas tatuagens ou porque gosto de praticar esportes e, conseqüentemente tenho um tipo físico que normalmente é associado a coisas fúteis ou superficiais, que não tivesse interesses intelectuais. Passei por três faculdades que não conclui: Ciências Sociais, Comunicação e Ed. Física. Minha personalidade é questionadora desde que me entendo por gente e a vida inteira gostei de escrever. Escrevi peças de teatro quando ainda era um adolescente e participei de festivais independentes de artes cênicas nas escolas. Tenho um livro não acabado e alimento o “Clube da Insônia”, meu blog, há dois anos, com textos variados, onde exercito poesia, filosofia, sacanagem, etc. Pretendo publicá-lo no futuro. As pessoas costumam - e isso é natural - julgar os outros pela imagem. Tem gente que acha que sou muito agressivo, outros pensam que sou bandido, marginal, por causa do meu “estereótipo”. Não me considero um estereótipo de nada. Eu sempre me identifiquei com esse tipo, sempre gostei e admirei bandas que têm estas características, como Red Hot, STP, Jane’s Addiction, Iggy Pop, Guns, N’ Roses. Bandas que se preocupam com o visual, que abusam das tatuagens, que seus vocalistas e ou membros tocam sem camisa, porque tenho uma sensação de liberdade e me identifico com o estilo. Isto é uma forma de se expor ao mundo e quantas personalidades e pessoas deixam de fazer contato ou até mesmo de se complementarem por este pré-julgamento que acaba afastando o que há de mais importante num ser humano que é o caráter, sua personalidade e sua inteligência. Conheço muitos caras que fazem tipo: usam óculos, cabelos bonitinhos, roupas elegantes, andam com livros debaixo do braço e são extremamente idiotas e estúpidos. Passam uma imagem de intelectual para proteger exatamente sua fragilidade nesta área. Neste aspecto não me importo muito se alguém vai deixar de me ouvir ou de querer saber o que penso por uma questão estética. Esse tipo de gente que se julga capaz de deter uma previsão a respeito de alguém porque supõe que o objeto do seu julgamento não se faz interessante por não ter características físicas padronizadas não me interessa. Se você tem idéias próprias, mesmo que sejam poucas, tem que compreender que estará sempre encontrando caras feias, gente que vai querer diminuí-lo, de “fazer você entender” que não tem nada a dizer. Que você deve evitar o cara porque ele é viado, maluco ou maconheiro, ou macumbeiro, ou punheteiro, mal educado ou qualquer merda dessa. Eles reduzem o mundo a umas poucas pessoas híbridas, chatas e perfeitas. E assim querem transformar você num bundão. Depois que passam 28 anos martelando isso na sua cabeça e você acaba ficando isolado e pobre, perde uma coisa que de muita preciosa na vida que é a diversidade, aceitar que não somos iguais e que se fosse assim a vida seria um porre. É claro que a medida que o tempo passa vamos evoluindo, crescendo, pelo menos é o que eu busco, mas sempre vou olhar para trás e ver que posso melhorar e é essa busca que me leva pra frente. Continuo tatuado e musculoso, continuo cantando sem camisa, mas agora consegui um pouco da atenção das pessoas e pode ser que elas se interessem em ouvir o que tenho para dizer e assim pode ser que mudem de opinião (ou não) a meu respeito. Mas isso pouco importa, desde que façam com conhecimento de causa.

RG: Conta aquela história que circulou na Internet de que você não teria sido convidado para área VIP do show dos Stones e teria ficado fulo da vida…

Tico: Foi assim que chegou até você? Pra você ver como no Brasil a mentalidade é mesquinha e estúpida. O que fiz foi uma sátira a respeito dos VIPs que sempre são convidados para qualquer evento. Show de pagode, axé, ilusionismo, desfile das escolas de samba, qualquer merda… Estão lá as figurinhas carimbadas, que só aparecem para comer e beber de graça e fazer presença nos canais de TV que cobrem as fofocas do momento. Quem ficou com quem, quem comeu quem… Quem traiu quem… E assim é que são vendidos os eventos para o público. Quando escrevi meu texto estava me questionando se não poderiam convidar para os shows de rock, bandas, artistas e pessoas que gostam, admiram e fazem parte desse universo e que às vezes são ignorados porque não vão dar o mesmo Ibope aos organizadores dos tais camarotes. É claro que eu gostaria de ter sido convidado, porque seria difícil para mim assistir com tranqüilidade ao show lá no meio do público. Não porque me ache melhor que ninguém, mas porque todo mundo sabe que as pessoas querem tirar uma foto, pegar um autógrafo, trocar uma idéia e no fim o que acontece? Não consigo assistir a porra do show. Fui inspirado por uma “reportagem” que passou no TV Fama onde os repórteres perguntavam aos VIPs qual a música que eles mais gostavam dos Stones e todos disseram “Satisfaction”. Todos mostraram suas carinhas saudáveis e risonhas exatamente iguais as que mostram nas micaretas, etc. Eles não podem gostar de rock, então? Podem, e não teria problema nenhum compartilhar com essas figuras o camarote, desde que fossem levadas em consideração as pessoas e os artistas que vivem isso, que respiram isso, que realmente gostam do rock e que são barrados na porta se não forem convidados pelos promotores de eventos que também se tornaram celebridades. Não tenho medo de expor minha opinião. Mesmo que os idiotas resolvam distorcer a intenção original. No fundo o que acontece é que fica um monte de mosquito rondando a bosta e nenhum tem cara de pau de dizer ao que veio e parto do princípio de que se falo e sou ouvido vou falar o que penso. Foi assim também com outros textos que coloquei no Blog do Detonautas. No fundo sou um mosquito que não tem vergonha de me atolar até o pescoço nessa merda toda. Logo bato minhas asinhas e vou passear por ai.

RG: Essa história chegou pra mim através de um e-mail de um leitor do site, que pediu que eu a publicasse, mas eu não me interessei. Afinal, por que você mesmo (ou alguém que trabalhe para o Detonautas) não ligou para o tal organizador da área vip e pediu uma credencial? Passa o link do blog?

Tico: Minha intenção não era reclamar que não fora convidado e sim fazer uma sátira ou uma ironia as celebridades de plantão. Mas acho que devo ter me expressado mal, talvez não tenha competência para ser irônico. Mas o texto está aqui (procurar post do dia 19 de fevereiro) e pode ser lido e entendido como quiserem.

Sabemos que algumas músicas podem ter mais o perfil do que se é consumido e cabe a nós ousar desafiar os padrões e inserir uma maneira diferente de se fazer sucesso. Pretensão? Talvez, mas que está um saco ouvir rádio hoje no Brasil, está.

Sabemos que algumas músicas podem ter mais o perfil do que se é consumido e cabe a nós ousar desafiar os padrões e inserir uma maneira diferente de se fazer sucesso. Pretensão? Talvez, mas que está um saco ouvir rádio hoje no Brasil, está.

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