Som na Caixa

Cidadão Instigado

Cidadão Instigado e o Método Túfo de Experiências
(Slag Records)

cidadaometodotufoFernando Catatau é um sujeito perturbado. Gosta de fazer uma bagunça danada para, dali, extrair sua música. Certa vez cansou do Cidadão Instigado e resolveu criar outro projeto, o Método Túfo de Experiências. Depois, voltou atrás, juntou as duas coisas e o resultado está neste terceiro disco dele. Ou do Cidadão, tanto faz.

Se for para comparar este disco com o anterior – “O Ciclo da Dê.Cadência” - a diversidade de idéias e a porra-louquice estão nos dois, só que aqui, elementos antes não usados aparecem com mais força, enriquecendo ainda mais o cardápio oferecido por Catatau. A começar pela mpb brega dos anos 70, que abre o disco em “Te Encontra Logo…”, um bolerão de boate de filme nacional com órgão à Lafayette e tudo. Irmã dela é “O Tempo”, que encerra o disco no mesmo clima do começo. Mas um réquiem à eletrônica, em “Os Urubus Só Pensam Em Te Comer”, muda o rumo, sem deixar de lado a guitarra de Catatau, que já bebeu na fonte de Carlos Santana, mas hoje vaga entre o minimalismo e os solos quase atonais. O guitarrista mexicano reaparece como referência em “O Pobre Dos Dentes de Ouro”, que leva a percussão a um samba de raiz com um coro sampleado como se fossem o d’As Gatas, e finaliza num elaborado solo de guitarra mezzo-eletrônico. Percebem o sarapatel?

Não se trata, no entanto, daqueles discos em que cada música atira para um lado; há a fusão de tudo isso junto em quase todas as faixas, embora a ênfase em cada uma delas seja particularizada. O que alinhava tudo, de certa forma, acaba sendo o jeito de cantar/narrar de Fernando, que, com o discurso em primeira pessoa e um sotaque cearense nato e intacto, costura todas essas referências, tão distantes, mas aqui tão próximas. “Silêncio na Multidão”, nesse sentido, é exemplar. Trata, em mais de sete minutos, de uma narrativa de um sujeito perturbado com uma imponente metrópole que instala a indiferença social ao limite do grito de um “mendigo barbado”. Da mesma forma que a aliterante “O Pinto de Peitos”, com jeito de música infantil dos bons tempos do projeto “A Arca de Noé” aborda com sabedoria um tema sério como o preconceito.

Catatau sabe que é “meio empenado, talvez até desafinado”, mas não está nem aí. Provavelmente não sabe, por outro lado, onde quer chegar. Nem se vai chegar ou se já chegou. Sua obsessão é a experimentação sem limites, mas com a medida de quem enxerga o mundo sob uma ótica diferenciada e ampla, que resulta numa música igualmente sem fronteiras ou qualificações, mas, acima de tudo, com a marca da criatividade de um artista. Estamos diante, enfim, de um trabalho autoral dentro da música brasileira.

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