Rock é Rock Mesmo

Só o preconceito dentro do rock pode deixar o Detonautas passar batido

Grupo tenta vencer o preconceito contra o sucesso radiofônico e tem nosso colunista como advogado de defesa, numa verdadeira ode ao sucesso. Do rock, claro.

Meus amigos, promessa é dívida. E eu devo, não nego, pago quando puder. Acho que posso pagar hoje mesmo. Falei, há uns dias, nesta coluna, de rock e advocacia. De como, por vezes, vejo-me numa situação defendo artistas de rock que, por um ou outro motivo, são discriminados por críticos e por aqueles que se acham “cool”. E, ainda, por outros que acham que o rock não pode atingir as massas, imaginem só. Disse, há duas semanas, que precisava me preparar melhor para discorrer sobre o assunto, e hoje, sim, vou falar mais do caso do Detonautas.

Como tantas bandas que nasceram na década de 90, o Detonautas se firmou com forte inspiração no rock nacional dos anos 80, e em grupos radiofônicos como Charlie Brown Jr, O Rappa e outros, mesmo que eles não tenham nada em comum, esteticamente falando. A interseção aqui se dá pelo “critério” radiofônico, todas essas bandas, que têm, sim, seus méritos, foram parar nas rádios e no gosto popular à custa do jabá. O fato é que o Detonautas conseguiu atrair a atenção de Fernando Magalhães, guitarrista do Barão Vermelho e produtor, e foi parar na Warner, onde refez o disco de estréia, que já estava pronto, bancado pela própria banda. Daí foi parar na mídia e virou sucesso, fazendo um rock bem simples e até sem muito apelo, mas que conquistou seu espaço tocando aqui e acolá. Longe de ser brilhante, o grupo sempre fez o seu feijão com arroz e seguiu adiante.

A crítica, sempre cética, nunca deu muita bola, mas as vendas mantiveram a máxima de que crítico não entende nada do gosto do público. Eu, do lado de cá, confesso que nunca morri de amores pelo Detonautas, mas como deixar de lado uma banda que faz rock e conquista seu espaço na mídia e junto ao público? Sempre digo, mas nem sempre acredito, que é melhor rock mais ou menos tocando no rádio do que rock nenhum. Trocando em miúdos, é preferível ouvir o rádio do vizinho tocando Detonautas do que baixarias do naipe de Tati Quebra Barraco, Cansey de Ser Sexy, É o Tchan, Latino e que tais – escrevo isso, me arrependo da citação e já peço desculpas aos leitores.

Acontece que, ao que parece, os próprios Detonautas se ligaram que precisavam mudar. Um dia o cara acorda com o histórico de quase 100 mil cópias vendidas por disco, um bom contrato com uma grande gravadora, trânsito em toda a mídia, etc, e se toca que, com tudo isso, pode fazer coisa bem melhor. Os caras do Detonautas perceberam isso, decidiram fazer alguma coisa e o resultado está no terceiro disco deles, “Psicodeliamorsexo&distorção”. Não se trata obviamente da salvação do rock, muito embora aqueles que se prostram contra o grupo exijam isso logo deles, que ainda estão tentando acertar. É impressionante como a exigência é maior quando o ceticismo impera. Mas é, sim, um disco de rock muito bem feito, rebuscado e à procura de um caminho. E, ainda, em sintonia com rock que se faz hoje, aqui e agora. Os caras foram atrás de referências que os colocassem num outro trilho que não aquele radiofônico que eu citei lá em cima, de CBJ, Rappa e adjacências. Eu poderia até citar Edu K, que produziu o disco, como “um plus a mais”, não fosse ele uma nefasta espécie de Mike Patton tupiniquim. Mas atenção: isso não é um resenha.

Disse, há duas semanas, que precisava me preparar para advogar em favor do Detonautas. E fiz isso a partir de uma entrevista com o vocalista Tico Santa Cruz, que logo, logo será publicada da seção principal do site, a No Mundo do Rock. Poderia ter falado com ele no dia da apresentação que a banda fez no Rio, na Melt – o que aconteceu em várias cidades, mas preferi ouvir melhor o disco e fazer tudo com mais calma. Estamos no meio da entrevista virtual, isto é, está com ele uma segunda rodada de perguntas, mas a partir das primeiras que ele respondeu, há que se concluir muita coisa.

Primeiro é que se trata de um artista – podemos estender para toda a banda – inquieto e em busca de caminho, considerando a realidade de alguém com projeção na mídia. Depois, que para fazer este terceiro disco, prevaleceu a busca por sons completamente diferente daqueles que eram as referências para o grupo até então. Tico chega a dizer, ele próprio, que teve um pouco de ”desprezo” pelos dois discos anteriores e que ainda não tem isso bem resolvido dentro da cabeça dele. Imaginem se isso fosse dito por alguém de uma banda “cool” como o Los Hermanos, por exemplo. Era batata.

Talvez essa busca não tenha conduzido a banda a algo homogêneo, tampouco definitivo, mas como ignorar o peso de músicas como “Quem Sou Eu?”, a porrada hard rock da riffônica “Não Reclame Mais”, a urgência rocker de “Apague a Luz” e o flerte com o novo rock de “Assim Que Tem Que Ser”? Podemos considerar, tranqüilamente, esse disco como o trabalho de uma nova banda, só que uma banda que já começa com uma boa experiência de palco – o que é fundamental - e de mercado, além de bons instrumentos e grana de gravadora - e deles próprios – para investir. Mas, à reboque, há o reconhecimento do público deles, que mesmo predisposto a gostar de tudo pode se entregar ao estranhamento, e a bagagem negativada pela crítica e pelos “cools” de plantão.

Perguntei ao Tico o que eles pretendem fazer para convencer a mídia a ouvir o disco novo, sem indisposições com a banda em si. Ele achou a palavra “convencer” forte demais, e acha isso coisa de quem não está seguro sobre seu próprio trabalho. Mas gostaria que todos ouvissem o disco, sim, mesmo que o resultado seja uma crítica negativa. Durante anos, aliás, ele sempre achou que havia gente da imprensa não se dava ao trabalho sequer de ouvir os Detonautas, antes de formar um conceito sobre o trabalho do grupo. E eu não duvido, não. Aí a gravadora contrata o mesmo jornalista para fazer um release e o cara desanda a falar bem. É mole?

Meus amigos, vejam bem. Escrevi esse longo texto sobre o Detonautas como um mero exemplo. Há muitos outros grupos, melhores até que eles, que sofrem do mesmo problema. Porque, como diria Tom Jobim, e aproveitando a citação feita pelo próprio Tico Santa Cruz, parece que “fazer sucesso no Brasil é pecado”. Não aqui nesta coluna. Queremos o rock é fazendo sucesso, sim, tocando em tudo o que é lugar, das rádios ao Faustão. Que mané underground, rapá!

Até a próxima, e long live rock’n’roll!!!

Tags desse texto:

Comentário

Seja o primeiro a comentar!

Deixe o seu comentário

Seu email não será divulgado