No Mundo do Rock

As pirações de um instigado cidadão

Cidadão Instigado chega ao terceiro disco atirando para todos os lados e atinge reconhecimento da crítica. Fotos: Divulgação.

Sou cearense que só, meu sotaque é minha identidade no meio das tantas decepções que me distanciam de lá

Sou cearense que só, meu sotaque é minha identidade no meio das tantas decepções que me distanciam de lá

Rock e mpb estão na pauta do dia. Se nos anos 70, na falta do primeiro, a segunda incorporou seus elementos, hoje, no mundo globalizado, fica cada vez mais forte a diversidade de gêneros e estilos. E o Brasil, rico em ritmos e correntes regionais, não quer deixa o rock quieto. Sempre foi assim, passando pelo mangue beat e chegando hoje a artistas de formação essencialmente rocker, com passagens em bandas de rock, mas que encontram abrigo na mpb. Assim são, só para ficar em alguns nomes, Ronei Jorge, Los Hermanos e o Cidadão Instigado.

Todo mundo pensa que o Cidadão é o projeto de um solitário Fernando Catatau – e de certa forma é mesmo - mas o guitarrista cearense conta hoje com uma superbanda formada por Regis Damasceno (guitarra, vocal e violão), Rian Batista (baixo e vocal), Clayton Martin, também Detetives (baterias acústica e eletrônica) e Marcelo Jeneci (teclados). Fernando é cearense, mas veio para o Sudeste em 94, tendo morado em São Paulo e no Rio. De volta à Fortaleza, montou o Cidadão Instigado em 96 e debutou para o Brasil no Abril Pro Rock de 2001, lançando um EP auto-intitulado pouco conhecido pela mídia. Logo em seguida se radicou de vez na capital paulista e integra o Coletivo Instituto, já tendo tocado com Sabotage e Otto, entre outros. Nesse período, lançou dois discos: “O Clico da Dê.Cadência” (2004) e “Cidadão Instigado e o Método Túfo de Experiências”, no ano passado. Com esse último passou a ter uma especial atenção da grande mídia, sendo associado à uma nova corrente dentro da mpb.

Nessa entrevista Fernando Catatau fala da repercussão de seu trabalho, de como conheceu Carlos Santana com a ajudada de um Hermano, das tendências da música brasileira, suas referências e outras pirações de um instigado cidadão. Dá uma olha da aí:

Rock em Geral: O Cidadão Instigado é um projeto seu ou uma banda?

Fernando Catatau: O Cidadão é uma banda. Em 94 eu comecei a compor e elaborar os arranjos e tudo o mais para que o projeto acontecesse. Em 96 eu montei a primeira formação, e com o decorrer do tempo muitas coisas foram mudando. Já chegou a ser um projeto meu. Hoje, naturalmente, está se tornando uma banda. São minhas músicas, mas o espírito e a funcionalidade de tudo é de banda.

RG: O que morar numa grande metrópole como São Paulo influenciou no seu modo de compor e na sua música como um todo?

Fernando: Minhas composições do Cidadão só surgiram depois que eu vim para São Paulo, em 94. Foi um período bem difícil pra mim. Vim para cá na esperança de tentar conseguir algo com música, mas nessa época eu não tinha muita coisa, só vontade. Cheguei aqui sem amigos, sem trabalho, e por causa disso comecei a me conhecer bastante, porque passava muito tempo só. Então comecei a escrever coisas que tivessem bem a ver com o que eu estava vivendo. Daí nasceu o Cidadão… Aos poucos. Experiências por experiências. E a música surgiu naturalmente a partir do que estava sendo dito.

RG: Mesmo morando em São Paulo há algum tempo, você mantém um sotaque nordestino forte. É sua intenção preservá-lo?

Fernando: Sou cearense que só. Aqui em São Paulo tenho vários amigos que vieram de lá na mesma procura, então não tem muita diferença de estar aqui ou em Fortaleza. Tirando a praia que sempre faz falta, hoje eu não tenho muita vontade de voltar para lá, porque infelizmente minha cidade foi devastada pelo turismo. O mais fácil de ver por lá hoje em dia são os gringos, que por sinal estão comprando tudo, e as prostitutas que se submetem a tudo na esperança de achar seu príncipe encantado. E, na minha opinião, a cidade tem a pior arquitetura do mundo. Meu sotaque é minha identidade no meio das tantas decepções que me distanciam de lá.

RG: Desde quando você se juntou ao Coletivo Instituto?

Fernando: Nós lançamos o primeiro disco do Cidadão pelo Instituto e esse segundo saiu por eles, em parceria com o selo Slag. Eu já toquei na banda também, sou muito amigo de todos os meninos (Ganja, Rica, Tejo e Rodrigo Silveira), nós sempre nos encontramos para fazer várias coisas juntos. São grandes amigos que eu tenho aqui.

RG: O que seria exatamente o “Método Túfo de Experiências”?

Fernando: Esse era um projeto que eu montei num momento em que eu não agüentava mais o Cidadão. Cheguei a ter muito abuso de tudo que eu tava fazendo, dai montei “o método túfo de experiências”. Fiz umas quatro apresentações, cada uma com uma galera diferente. Depois do “Ciclo da Dê.Cadência”, eu decidi mudar tudo, até o nome da banda, que ia ser Fernando Catatau e o Método Túfo de Experiências. Depois de muito pensar e conversar com amigos, resolvi juntar tudo e assumir um novo momento do Cidadão. Hoje tô muito feliz com o rumo que o trabalho tomou. Me trouxe de volta a emoção do começo.

RG: Este disco teve uma boa repercussão de mídia, a que você atribui isso?

Fernando: Não sei muito bem. O primeiro disco é como se fosse um registro de todo esse tempo que eu vivi aqui em 94. Foram seis anos até ele ser gravado, então ele já veio com um “carrego” de muito tempo. De coisas passadas e muita informação acumulada. Acho o “Método Túfo…” um disco mais resolvido. Toco as músicas hoje como se tivesse feito ontem. Acho que é isso.

RG: Há referências à música brega feita no Brasil na década de 70 nesse disco (“Te Encontra Logo”, “O Tempo”). É uma coisa que você tem buscado?

Fernando: Não saio atrás de referências para fazer música. Elas estão em tudo que eu vivi na minha vida. Escuto música como um ouvinte leigo, música para mim tem que emocionar, só sei compor músicas de amor assim, porque sempre escutei Roberto Carlos, tanto que as outras músicas do disco não são assim. É natural que tanta gente fale que eu tenho me baseado no brega para compor minhas músicas, mas encaro isso como uma visão rasteira de quem escuta e simplesmente não percebe que eu sofri bastante antes de criar essas músicas, que são músicas de amor de minhas experiências.

É natural que tanta gente fale que eu tenho me baseado no brega para compor, mas encaro isso como uma visão rasteira de quem escuta e não percebe que eu sofri bastante antes de criar essas músicas

É natural que tanta gente fale que eu tenho me baseado no brega para compor, mas encaro isso como uma visão rasteira de quem escuta e não percebe que eu sofri bastante antes de criar essas músicas

RG: Foi de propósito, uma espécie de estratégia, começar e terminar o disco com o brega?

Fernando: Estratégia não, mas foi de propósito começar com elas. Porque as duas músicas falam de esperança, mas de maneiras diferentes. Pensei nisso mais do que numa estratégia.

RG: É notório ainda as referências a artistas malditos dos anos 70, como Walter Franco, e a outros da chamada “invasão nordestina” da época - Fagner, Zé Ramalho. Como você vê a ligação do seu trabalho com o desses artistas?

Fernando: Walter Franco, não, mas sempre fui muito fã do Fagner quando era criança. Talvez por ele ser do Ceará. Sempre gostei bastante. Mas minhas referências mais fortes sempre foram mais direcionadas ao rock. Cresci ouvindo Pink Floyd, Black Sabbath, Hendrix… Na real a gente se inspira nos grandes mestres para criar a própria personalidade. Graças a Deus eu tive acesso a tudo isso. Era massa chegar numa festinha quando eu tinha 16 anos e escutar rock, musica lenta, forró. Ligar o rádio e escutar as guitarradas do Pará.

RG: Quaisquer que sejam as referências que se identifique no disco, elas vêm dos anos 70. Você considera esse período chave para se entender a música do Cidadão Instigado?

Fernando: Eu não concordo com isso. Não acho que sejam só referências dos anos 70, mas tem muito dessa época sim. Até pela sonoridade. Para você ter uma idéia, nesse disco eu gravei tudo pensando em reggae. As bateras todas secas. Algumas outras coisas nos anos 80, como as baterias eletrônicas. Na real tem diversas referências. De tudo que eu vivo.

RG: Fale da história de “Silêncio na Multidão”. É o relato de uma história real ou ficção mesmo? Em geral suas letras são sobre histórias que você realmente viveu?

Fernando: Essa música e até bem antiga. Uma das primeiras que eu fiz. Fala da época que eu vim morar aqui em São Paulo e tudo aconteceu. Não sei se era a época ou eu mesmo, mas era bem ruim. Eu vivia triste. Mas aconteceu assim mesmo.

RG: Nesse disco você parece ter intensificado também um jeito “falado” de cantar, conte como é isso:

Fernando: Nesse disco eu até saí mais disso. O “Ciclo…” tem bem mais dessa coisa. Antes eu não tinha muita coragem para cantar, e agora eu tenho me sentido mais à vontade. Com o tempo você vai se descobrindo mais, né? Mas gosto de ficar falando também em cima da música. Acho que dá abertura para a música caminhar para vários lados sem estar presa a uma melodia. Gosto disso também.

RG: Alguns críticos estão vendo um segmento de artistas que transitam entre o rock e mpb, o que inclui, entre outros, Cidadão Instigado, Los Hermanos e Ronei Jorge. Como você vê esse tipo de associação?

Fernando: Acho legal. Nos somos uma banda de rock, mas temos diversas referências também. Não consigo seguir uma linha musical. Gosto de bagunçar tudo e depois chegar a algo que me faça sentido. É interessante ouvir alguém falando que somos é mpb. Mas na real é, né? Não é tão popular, mas é.

RG: Você tem feito show de abertura para o Los Hermanos. Como vocês se conheceram e o que você achou do último disco deles, o “4”?

Fernando: Eu sou um grande fã dos Hermanos. Acho a melhor banda de música pop do Brasil. Sou amigo do Rodrigo (Amarante) desde Fortaleza. Nos conhecemos surfando de body board. Eu nem tocava ainda. Foi ele que pegou escondido do pai dele uma fita do Santana e me deu de presente. Passamos uns anos sem nos ver e agora nossa amizade tá bem forte. Acho que ele é o melhor compositor de todos, e isso vai bem além da nossa amizade, porque música, para mim, vai além das proximidades afetivas.

RG: Você acha que os três discos que você lançou possuem uma unidade ou são experiências, cada qual a sua maneira?

Fernando: Não sei muito bem o que falar a respeito disso, porque para mim, como são minhas músicas, eu consigo ver proximidade em tudo. Sei que cada disco tem sua particularidade, mas como todos falam de experiências que eu vivi, não deixam de estar próximos um do outro. Acho que as diferenças são nos momentos em que são lançados. Fico pensando que se o “Método Túfo…” tivesse sido o primeiro a ser lançado, teria sido bem diferente do que é. Sou bem satisfeito com o rumo que as coisas tem tomado. Já tô pensando no próximo, e assim vai.

RG: No primeiro disco havia uma certa atitude rock que você parece ter deixado de lado nos trabalhos feitos depois, sobretudo nesse terceiro. Como isso se deu?

Fernando: Eu sou rockeiro de alma. Mesmo. Quem vê um show da gente hoje pode ver claramente que o Cidadão é uma banda de rock. Temos diversas influências que vão do Sabbath à Bob Dylan, ou sei lá mais o que. Acho massa poder estar mudando e testando coisas novas. Fico feliz de me manter firme no meu objetivo que é apenas ser bem verdadeiro na música. O importante é que tudo é bem natural.

RG: Como você imagina que será o próximo disco? Já pensou nisso?

Fernando: O próximo disco já existe em termos de composição. Nós devemos começar a ensaiar por agora para fazer arranjos e tudo mais, mas quase todas as músicas já estão feitas.

É interessante ouvir alguém falando que somos mpb. Mas na real é, né? Não é tão popular, mas é

É interessante ouvir alguém falando que somos mpb. Mas na real é, né? Não é tão popular, mas é

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