Fazendo História

Roubadas na estrada

Duas rockeiras de destaque no circuito falam dos contratempos que enfrentam no caminho. Algumas vezes, a saída é manter o bom humor; noutras, é rodar a baiana. Texto publicado na Revista outracoisa número 11, de julho de 2005. Fotos: Guto Costa/Divulgação (Bianca Jhordão), Egydio Zuanazzi/Divulgação (Leela), e Divulgação (Ludov e Vanessa Kongrold).

Elas são lindas, simpáticas e têm carisma. Despertam paixões e à frente dos marmanjos realçam o bom rock independente feito no Brasil. Têm ainda outras coisas em comum: suas bandas lançaram os primeiros discos há poucos meses, são remanescentes de outros grupos que marcaram época no circuito de rock alternativo (Polux, no Rio; Maybees, em São Paulo) e, já há muito tempo, trilham o caminho do faça-você-mesmo. Tocaram em todo e qualquer buraco, e, por isso, já entraram em roubadas que muita moça de família por aí não teria coragem de encarar, não. Bianca Jhordão (Leela) e Vanessa Krongold (Ludov) lembram aqui o que já tiveram que passar nos “udigrudis” da vida. Pensa que é moleza?

Bianca Jhordão: aprendi a trocar de roupa sem ter que tirar a roupa

Bianca Jhordão: aprendi a trocar de roupa sem ter que tirar a roupa

Bianca aprendeu o que era o submundo do rock ainda no Polux, que lhe serviu como iniciação no mundo musical e como um verdadeiro estágio de roubadas. “A gente fazia show em qualquer lugar que tivesse uma tomada. Com o Leela, estamos muito mais escolados e evitamos os sufocos de antes. É uma questão de ir se acostumando também”, conta a vocalista. Umas das dificuldades, ainda mais em se tratando de mulher, é para trocar de roupa antes dos shows. Camarim é coisa rara nesses locais e é difícil acreditar que aquelas meninas maquiadas e charmosas já saíram de casa assim. Como elas conseguem, então? É quase uma contradição… “Aprendi a trocar de roupa sem ter que tirar a roupa. Vou colocando uma peça por cima da outra e, depois, tirando a de baixo”, explica Bianca, no melhor estilo “Big Brother”.

Certa vez, Bianca precisou disparar o flash de sua inseparável máquina fotográfica para descobrir onde ficava o vaso sanitário do banheiro que não tinha luz. Vanessa, por sua vez, não considera nenhum local impraticável: “A gente sempre dá um jeitinho, mas camarim é artigo de luxo, então é sempre bom ir pronta de casa”, ensina a prevenida vocalista, que acredita que “garotas geralmente precisam de um cuidadinho a mais com a roupa, cabelo e maquiagem”. É, quem já viu os shows das duas bandas não pode duvidar.

Vanessa Krongold: já me deparei com hotéis daqueles em que você nem ousa tirar a roupa para deitar na cama

Vanessa Krongold: já me deparei com hotéis daqueles em que você nem ousa tirar a roupa para deitar na cama

O “de casa” citado por Vanessa, no entanto, pode não ser a expressão mais adequada se considerarmos que, em shows em cidades distantes, a hospedagem nem sempre é a oferecida por produções de grande porte. Nesses casos, as roubadas começam já nos locais em que, em tese, os integrantes da banda deveriam relaxar. “Já me deparei com hotéis daqueles em que você nem ousa tirar a roupa para deitar na cama, já dormi de luzes acesas e coberta da cabeça aos pés para evitar um contato mais próximo com as baratas da casa”, enumera a cantora. Bianca teve experiência semelhante, quando ainda estava no Polux, e escapou por pouco. “Em Salvador, o hotel que tinham nos prometido era a casa de uma mãe-de-santo. Quando deitamos na cama, vimos uma barata enorme. Matamos e logo depois disso apareceu uma enxurrada de baratas. A casa inteira estava infestada. Tinha barata no banheiro, na cozinha, andando no sofá… Pedimos abrigo para as garotas da Shes (banda cuja baterista era a Pitty), e elas nos receberam superbem”, conta, agora aliviada.

O Leela lançou um álbum homônimo pela gigante EMI

O Leela lançou um álbum homônimo pela gigante EMI

Quem ficou perto do palco dos shows na época em que aconteceram esses perrengues talvez nem tenha percebido que as meninas passaram por tanto aperto. Isso porque o resultado final é o que interessa, e nesse aspecto o público não tem do que reclamar. Muito pelo contrário. Em geral o que se vê em apresentações do Ludov ou do Leela é um público fiel e interessado em música, sim, mas que não esconde a satisfação de estar ali, frente a frente com as duas beldades. No último Abril Pro Rock, em Recife, o fã-clube sergipano do Leela, por exemplo, fez questão de comparecer na pousada onde a banda estava hospedada para presentear os integrantes. No Orkut (www.orkut.com) existem comunidades dedicadas aos dois grupos, que, somadas às que homenageiam os integrantes individualmente e de fã-clubes, passavam de 20 (até o fechamento desta edição).

Bianca: no geral o público tem respeito

Bianca: no geral o público tem respeito

Mas essa admiração também pode passar dos limites. Foi o que aconteceu com Bianca, em outra apresentação em Salvador. “Depois do nosso show, tinha um montão de garotos querendo falar com a gente quando um deles tentou passar a mão na minha bunda. Na mesma hora, segurei a mão dele, dei o maior esporro e todos os outros ficaram com medo de mim”, diverte-se ela. “Mas, no geral, o público tem respeito”, completa. Opinião compartilhada também por Vanessa: “O público tem uma postura bastante respeitosa, nos oferecem lembranças de sua cidade. Elogios são muito bem-vindos e nunca tivemos problemas com fãs que passaram do limite”.

Não só fãs, mas também profissionais do universo do rock (ou algo paralelo a ele) podem causar constrangimento. A coisa esquentou uma vez, por exemplo, quando fotógrafos – daqueles que ficam na beirada do palco – pareciam ansiosos para que a vocalista chegasse mais perto do público. Queriam descolar um close, talvez, mais ousado. “Eu normalmente faço shows de saia e lembro que se formou um grupo de ‘fotógrafos’ prontos para tirarem uma foto caso eu ficasse na ali na beirinha”, lembra Vanessa. Bianca também tem uma história peculiar sobre um tal fotógrafo. Não que ele quisesse obter um ângulo mais atrevido, mas o cara simplesmente pensou que ela não fosse da banda. “Ele foi ao camarim para fazer uma foto. Escolhemos um lugar, mas a luz não estava muito boa, e ele deu a idéia para que eu ficasse segurando o flash. Na hora, eu disse: ‘Como assim? Eu sou da banda também!’. Ele pediu desculpas, achou que eu fosse a produtora. Depois, dizem que o rock não é machista”, pondera a roqueira quase promovida a assistente de fotografia.

Vanessa quase caiu ao entrar no palco em Belo Horizonte

Vanessa quase caiu ao entrar no palco em Belo Horizonte

Há os clássicos problemas com equipamentos… Que eles nem sempre são de qualidade confiável, todo mundo já sabe. Mas até o palco pode oferecer certos perigos, como aconteceu com Vanessa em Belo Horizonte. Ela já tinha feito o reconhecimento do local na passagem de som e, como de hábito, foi a última a entrar, quando os meninos já tocavam o início da primeira música. “Eu estava com uma bota dessas com um bico fino que ‘sobra’ na frente do pé. Escuridão total, e eu tropecei num retorno que o técnico da casa achou que devia colocar no meio do palco. Não chegou a rolar um tombo, só um desequilíbrio”, conta a intrépida moçoila. “Vira e mexe, tem um tapete rasgado ou uma madeira levantada bem embaixo do meu pé. Tem que tomar muito cuidado para não pagar um mico no meio do show”, completa.

O Ludov lançou 'O Exercício das Pequenas Coisas' pela Deckdisc

O Ludov lançou 'O Exercício das Pequenas Coisas' pela Deckdisc

Mas quem se viu em apuros foi Bianca, e, por ironia do destino, justamente no Rio, cidade natal do Leela e onde a banda está cansada de tocar. E ainda por cima, por causa de um vacilo da sua própria equipe. Na segunda música do show, o pedestal do microfone virou gangorra e a vítima foi a arcada dentária superior da nossa bela vocalista. “Nosso roadie deu mole e montou o pedestal do microfone em cima da pedaleira. Eu apertei o pedal ao mesmo tempo em que fui cantar, e o pedestal do microfone bateu na minha boca. Quando cuspi, vi que tinha quebrado um pedaço do meu dente da frente. Nem lembro direito como consegui fazer o show até o fim. No dia seguinte, fui ao dentista e ficou tudo bem”, conta Bianca.

Depois de anos no circuito alternativo, o Leela lançou um álbum homônimo pela gigante EMI e promete crescer significativamente no mainstream. Já o Ludov, depois de um EP bem sucedido, lançado por conta própria, foi contratado pela Deckdisc, uma das gravadoras independentes que mais tem investido no novo rock nacional. Por lá saiu “O exercício das pequenas coisas”. Tomara que a nova realidade transforme essas histórias em lendas do underground. Mas que elas existem, existem.

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