Rock é Rock Mesmo

Com o Big Country os bons tempos das guitarras estão de volta

Pelas guitarras únicas, as raras composições, os arranjos de extremo bom gosto, o timbre de voz espetacular. Pelos temas muito bem sacados. Por tudo, pelo conjunto da obra, vale dar uma olhadinha pra trás e (re)conhecer o Big Country.

Meus amigos, recordar é viver. Tempos atrás, como disse, postei aqui neste site todas as colunas Rock é Rock Mesmo desde os tempos em que foi criada, há pouco mais de três anos. Ao fazer isso fui acometido por uma certa nostalgia de mim mesmo, vendo como escrevi esta ou aquela coisa. Vi, também, além de uma certa fartura para a seção “Verbalizando”, que já faz um certo tempo que não escrevo uma coluna daquelas “convencionais”, em que o beltrano sai explicando como é tal banda, tal disco, etc. Obrigação de se fazer isso, por aqui, aliás, nunca houve. Mas, é sabido, o povo gosta. Então vamos lá.

Já cantei essa pedra no Anti-Blog (um cantinho eu tenho lá no site da Laboratório Pop), mas vou dar uma esticada melhor por aqui. Disse, lá, que uma das coisas mais chatas é quando aparece um sujeito, em geral movido por motivações pessoais, querendo creditar a terminado artista uma importância histórica que ele nunca teve. Não quero ser esse tipo de chato, mas vou falar de um grupo das antigas que por pouco não passou desapercebido no mundo da música, sobretudo no Brasil. Afinal, se uma reles coluna sobre rock (e ainda por cima na Internet) não falar, que mais o fará?

Foi através de uma pechincha numa loja virtual que adquiri o DVD duplo “Final Fling”, do Big Country. Calma, meus amigos, não se trata de uma das novidades mais novinhas do meu amigo Moderninho de Plantão. Trata-se uma banda escocesa da geração de U2, The Alarm e afins que teve uma carreira de banda média na Europa. Citei o Alarm de propósito, só para sugerir uma certa conexão entre ela e o Big Country, através das raízes folk de ambas. O Big Country, assim como quase todo o rock daquela época, eu conheci através da Fluminense FM, que, de início, tocava na programação as músicas “In a Big Country” – com uma introdução de bateria de arrepiar - e “Fields Of Fire”. Como a rádio não tinha um play list tão rigoroso assim, volta e meia entrava uma outra do primeiro disco deles, “The Crossing”.

Explicar o Big Country não é uma coisa simples, só dá pra entender ouvindo mesmo, vendo o material gráfico, sacando as letras. Mas vamos de exemplos. Lembro-me de uma resenha na Revista Roll, pioneira no rock nacional pós anos 80, em que o crítico dizia que “com o Big Country os bons tempos das guitarras estão de volta”. Fosse hoje eu já me inclinaria pela banda de cara. Naquela época, no entanto, não tinha comigo a certeza da importância da guitarra para as sociedades pós-industriais. Gostei mesmo do jeito que o cara falou, e, como já conhecia a banda, foi tiro e queda. O cuidadoso trabalho de guitarras feito por Stuart Adamson e Bruce Watson é uma coisa de raro bom gosto, que realça músicas fortes não só pela composição em si, mas pela dramaticidade que carregam junto com as letras. Estas, em geral, abordam temas às vezes épicos, noutras simples, que apontam para as forças da natureza, como sugere o nome da banda e de algumas músicas – “The Storm”, “1000 Stars”, “Sailor” - ou para ação do homem nisso tudo – “Steeltown”, “Where The Rose Is Sown”, entre tantas outras. Vale citar a cozinha com o criativo baixista Tony Butler e o vigoroso baterista Mark Brzezicki, que chegou a gravar o álbum “Love” com o The Cult. E, não dá para esquecer, a voz típica e de timbre raro de Adamson, que caracteriza muito bem todo o trabalho do “Campão”, como citou certa feita a revista Bizz. Deu pra entender? Se não deu, só ouvindo mesmo.

No Brasil, mesmo com o esforço da Flu-FM e da mídia segmentada, a banda não pegou como outras da época. Sabe quando você vê todo mundo usando camisetas de várias bandas menos essa? Era o que acontecia com o Big Country, mesmo com os discos sendo lançado aqui. Além de “The Crossing” (83), a EMI brasileira colocou o mercado “Steeltown” (84), “The Seer” (86) e “Peace In Our Time” (88). Lá fora a banda continuou lançado disco por gravadoras menores, mas não tão bons assim, honra seja feita. O melhor do trabalho do Big Country está mesmo nos três primeiros. Como disse, “The Crossing” é voltado para o campo, numa clara referência a uma realidade bem específica, oriunda dos cafundós da Escócia. Já “Steeltown”, como o nome sugere, mostra temas pós-industriais como a decadência familiar ante a cidade de aço. O disco não chega a ser conceitual, mas o tema percorre mais da metade das canções. Musicalmente, trata-se da melhor fase da banda, em composição, arranjos e execução das músicas. E é importante notar que ambos foram produzidos por Steve Lillywhite, que também fazia discos para o U2. “The Seer” é também um bom disco, e pega o Big Country (já) globalizado, abordando temas menos próprios e específicos e mais genéricos. O destaque do disco é a participação de Kate Bush nos vocais da faixa título, embora o hit “Look Away” roube a cena. Em 1999, a extinta Abril Music lançou um disco da série “King Biscuit Flower”, com um espetacular show gravado na Escócia na passagem de 82 para 83, com a íntegra de “The Crossing” e mais quatro músicas.

Dali pra frente a banda se manteve ativa, mas caiu numa fase de álbuns regulares e pouco expressivos. Prova disso é que nos shows o repertório vinha sempre sendo formado por uma pá de músicas dos dois primeiros álbuns, um pouco menos do terceiro, e um ou outro hit dos álbuns posteriores, além de singles do início de carreira como a clássica “Wonderland”. Alguns períodos inativos marcaram a banda, incluindo a saída e retorno do solicitado Brzezicki, mas, até hoje, oficialmente, o fim da banda não foi anunciado, embora um fato tenha significado o desfecho não oficial. No final de 2001 Stuart Adamson, que a essa altura morava em Nashville e tinha sérios problemas com álcool, foi dado como desaparecido até seu corpo ser encontrado no dia 16 de dezembro, num quarto de hotel no Havaí. Até hoje as circunstâncias da morte não foram esclarecidas.

No início de 2000 a banda havia feito uma espécie de “farewell tour” pelo Reino Unido, e é um dos shows desta turnê que aparece num dos disquinhos do DVD “Final Fling”. No outro, um vídeo bem melhor, com o grupo se apresentando, em 1988, pela primeira vez, na Alemanha Oriental, um ano antes da queda o muro de Berlim. Era a banda no auge, prestes a lançar “Peace In Our Time”, título, aliás, muito influenciado por esta turnê. Por uma sorte dos diabos, a Indie Records lançou este DVD no Brasil, e, como a banda é hoje menos conhecida ainda por essas bandas, ele estava à venda por uma pechincha num desses magazines virtuais.

Eu poderia falar aqui do legado que o Big Country deixou. De como a banda era injustiçada. De que isso aqui e aquilo lá, numa música ou outra, de bandas como o U2, por exemplo, vêm do Big Country. Que, até, as novas gerações de grupos de rock que se voltam para o rock dos anos 80, como também escocês Franz Ferdinand, por exemplo, bebem um pouco na fonte do Big Country. Poderia, mas não vou. Porque o Big Country foi (e é) único na história. Pelas guitarras únicas, as raras composições, os arranjos de extremo bom gosto, o timbre de voz espetacular. Pelos temas muito bem sacados. Por tudo, pelo conjunto da obra. E porque, vamos e venhamos, pouca gente cantou tão bem uma realidade tão específica, de uma forma tão abrangente. Eu não queria ser esse tipo de chato. Mas fui. Pronto.

Até a próxima, e long live rock’n’roll!!!

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Comentários enviados

Existem 4 comentários nesse texto.
  1. Raquel em março 21, 2015 às 16:13
    #1

    Fiquei maravilhada por você lembrar do Big Country eu os amo e é claro a banda sem o Stuart nunca mais vai ser a mesma.
    Muito obrigado por essa nostalgia.

  2. diego neiva dias em agosto 11, 2018 às 11:48
    #2

    Cara, muito obrigado por essa matéria. Gosto muito da banda, conheci atraves de uma coletânea, me apaixonei pelo capricho nas músicas, mas nao conseguia achar tantas informacoes.

  3. José Borges em julho 24, 2019 às 21:52
    #3

    Bacana, gostei por ter lembrado do Big Country. Conheci a banda através de um amigo, e hoje sou grande fã. Tenho todos os álbuns, incluindo Bootlegs. E sem o Stuart a banda nunca mais foi a mesma, pois além de cantar, o cara eraum excelente compositor e guitarrista.

  4. José Borges em agosto 12, 2020 às 16:35
    #4

    Show de bola a matéria. Na minha adolescência não dei muita importância à banda, mas hoje sou um fã incondicional. Tenho tudo deles, e conheço pérolas que não são tocadas em rádios, como “Not Waving But Drowning” e “Return Of The Two Headed King”, só pra citar algumas. De fato, pra conhecer o Big Country só ouvindo a obra desses monstros do Rock. Eles souberam, como ninguém, unir melodias inigualáveis à letras inteligentes. E o Stuart era um cantor sem par, ao vivo o cara mandava muito bem. O cara faz uma grande falta. Como disse, sou fã incondicional. Parabéns por lembrar dos caras!!!

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