No Mundo do Rock

Banda símbolo do alt country, Wilco comemora dez anos lançando álbum duplo ao vivo

Numa entrevista exclusiva, tecladista conta detalhes da banda que fez um dos melhores shows do TIM Festival desse ano.

wilco-1Se deixarmos de lado o Uncle Tupelo, banda da qual Jeff Tweedy saiu para montar o Wilco, podemos dizer que ele criou o grupo que seria o fundador do que ficou conhecido como alternative country, ou alt country, como estamos acostumados a ler por aí. O Uncle Tupelo foi a gênese, mas o subgênero que fundiu o indie rock com as referências do country de raiz norte-americano ficou claro mesmo no Wilco.

A banda existe há dez anos, e hoje conta com John Stirratt (baixo), Glenn Kotche (bateria), Mikael Jorgensen e Pat Sansone (teclados) e Nels Cline (guitarra), além do próprio Tweedy. O Wilco tem cinco discos e prepara o lançamento do primeiro ao vivo, o duplo “Kicking Television: Live In Chicago”. Mas a história mais curiosa, e que acabou ajudando a dar maior fama ao grupo aconteceu com o quarto disco, “Yankee Hotel Foxtrot”. O material foi rejeitado pela gravadora da banda na época, a Reprise, que não encontrou no disco um single sequer, e Jeff Tweedy decidiu espalhar o que seria o disco na Internet. A procura foi tanta que outra gravadora independente, a Nonesuch Records, decidiu enfim, dois anos depois, lançar o disco. Detalhe: os dois selos são distribuídos pela Warner, que levou a fama de ter lançado um disco antes rejeitado. O rolo fez o Wilco ficar mundialmente conhecido, mesmo porque “Yankee Hotel Foxtrot” é considerado a obra-prima da banda.

Em visita o Brasil para a participação no TIM Festival, o Wilco concedeu uma bateria de entrevistas para vários veículos, e nós não poderíamos ficar de fora. Jeff Tweedy estava amuado com tanto horários, e acabamos conversando com Mikael Jorgensen, que contou tudo que sabia sobre a banda. Confira:

RG: Há quanto tempo você está na banda?

Mikael Jorgensen: Completei três anos agora.

RG: Eu soube que vocês estão trabalhando em estúdio. Pretendem lançar um álbum logo, depois desse ao vivo?

Jorgensen: Eu espero que sim, mas o último álbum (“A Ghost Is Born”) levou dois anos para ficar pronto. Começamos a trabalhar nele antes mesmo do “Yankee Hotel Foxtrot” ter sido lançado, então ainda temos muito no que trabalhar. Eu espero que lancemos este disco antes da metade do ano que vem.

RG: Já há músicas novas?

Jorgensen: Sim, estivemos trabalhando em algumas músicas que gravamos, mais ou menos dez ou onze idéias, no início do ano. Algumas estão mais definidas que outras. Ficamos juntos por aproximadamente dez dias, cinco ou seis horas por dia trabalhando nesse material, e temos no que trabalhar da próxima vez, para escolher as que colocaremos no álbum.

RG: Vocês tiveram problemas jurídicos com os samples usados na introdução do álbum “Yankee Hotel Foxtrot”. Como vocês lidaram com isso?

Jorgensen: E não toquei neste disco, mas eu sei que gravaram transmissões de várias estações de rádio. Não tenho certeza o que há de ilegal, mas nos disseram que não podíamos usar isso, e queriam uma indenização em dinheiro. Mas eu não tenho certeza de como as coisas se desenrolaram.

RG: Esse disco foi inicialmente rejeitado pela gravadora, e depois eles lançaram. Você acompanhou o processo?

Jorgensen: Isso aconteceu logo quando eu comecei a encontrar todos regularmente. Eles mixaram o disco num estúdio de gravação em Chicago, onde eu estava trabalhando, e foi assim que eu conheci e fiquei amigo de todos.

RG: Você trabalhava como músico de estúdio?

Jorgensen: Músico de estúdio e engenheiro de gravação. Eu encontrei todos na mixagem desse álbum. Então eu escutava coisas aqui e ali como “olha, o disco não vai sair” ou “agora sim, vai sair”, e não sabia o que realmente estava acontecendo.

RG: A essa altura você era fã da banda?

Jorgensen: Pra ser honesto, não, não conhecia nenhum disco do Wilco. Quando eu estava trabalhando com o disco do Minus 5 (um dos projetos paralelos de Jeff Tweedy), eu falei com o Jeff que não conhecia nada dos discos do Wilco. E ele disse: “tudo bem, na verdade é melhor”. Ele estava certo, porque eles não tinham nenhuma expectativa em particular, e eu estava pronto para contribuir com minhas opiniões nas músicas. E foi nesse período que o “Foxtrot” estava sendo finalizado, eu tive sorte de estar no estúdio enquanto eles trabalhavam.

RG: Mesmo acompanhando só parte do processo, você acha que o “Yankee Hotel Foxtrot” é um divisor de águas na carreira do Wilco?

Jorgensen: Eu acho que sim, é um disco para ser lembrado, por tudo o que aconteceu. Eles romperam com o que faziam e mudaram para um novo território, musicalmente falando, e também mais inteligente em termos de mercado. Certamente é um marco para todos.

RG: No último álbum parece que a banda deixou as influências do country, em favor de uma coisa mais rock. Foi algo que vocês pré determinaram?

Jorgensen: Eu acho que, mesmo antes, até no “Foxtrot” mesmo certamente essas influências mais “de raiz” terminaram na banda. Nós trabalhamos em Chicago, gravando, gravando e gravando… Fazendo overdubs, aproximando as músicas de como elas poderão ficar no álbum, e aí terminamos no estúdio e fazemos um CD com todas as músicas, para depois ir para um estúdio de gravação e tentar tocar tanto quanto possível ao vivo, todos juntos ao mesmo tempo, para ver o que acontece de verdade. Há limitações no trabalho de estúdio, não podemos fazer sempre tudo certinho.

wilco-2RG: Pelo jeito vocês costumam trabalhar bastante numa música antes de gravá-la…

Jorgensen: Isso nunca acontece da mesma forma, cada caso é diferente. “Muzzle of Bees”, do “A Ghost is Born”, por exemplo, foi uma música que aconteceu de uma forma bem interessante, e nós quebramos a cabeça, havia três ou quatro formas de fazê-la funcionar, e nós tentando fazer algo acontecer. Num certo momento eu achava que nós não conseguiríamos a medida certa; e num outro eu achava esta música uma das minhas favoritas no disco. E há algo como “I’m a Wheel”, que foi minha primeira sessão de gravação com o Wilco, acho que foi no segundo dia ou algo do tipo, saiu tudo bem rápido.

RG: Você pode comparar com do Wilco com o rock progressivo, considerando os arranjos rebuscados e a duração de algumas músicas?

Jorgensen: Eu acho que soa justo, se você partir dessa premissa… Músicas como “Spiders”, talvez, mas nada que tenha a conotação de ser chato.

RG: O Jeff está sempre trabalhando em outros projetos, além do Wilco. Você acha que isso contribui para a banda?

Jorgensen: Eu não acho que isso seja algo ruim para o Wilco, se ele acha necessário. É um terreno para testar novas idéias, mas há certamente outras formas. Todo mundo tem outros projetos para tocar adiante, John (Stirratt, baixista), Pat (Sansone, tecladista e guitarrista), que fez um disco há pouco tempo. Eu acho que é bom para a banda ter essas experiências.

RG: Você tem algum projeto solo?

Jorgensen: Eu estou começando a pensar em gravar um disco solo. Tenho trabalhado nessas músicas por um tempo. Eu era músico de estúdio, mas na maior parte do tempo atuei como engenheiro de gravação, com bandas como Stereolab, Cake e Tortoise.

RG: O último álbum foi produzido por Jim O’Rourke, do Sonic Youth, você acha que isso fez do disco algo mais pesado do que o Wilco em geral faz?

Jorgensen: Na verdade só há pouco tempo o Jim está tocando com o Sonic Youth, ele tem um trabalho como produtor bem extenso antes disso. Eu acho que todos estávamos curiosos, em busca de diferentes timbres e tons para um disco de rock, e Jim é bom nisso. Ele nos fez aceitar vários riscos, e eu não acho que aquilo é totalmente Jim, mas ele acendeu o pavio.

RG: Por que vocês decidiram produzir o disco ao vivo vocês mesmos?

Jorgensen: Produzir um disco ao vivo soa como um conceito estranho, não há muita coisa a se fazer, uma vez iniciado o show. A produção envolve a definição de como o som será captado, se as versões vão ser diferentes das gravações originais. Então me parece lógico que o disco ao vivo tenha sido produzido por nós mesmos.

RG: O Wilco tem letras bem poéticas, você acha que é isso que faz a diferença no estilo da banda?

Jorgensen: Eu acho que as duas coisas, letras e som, se completam. Eu acho que é um dos grandes atrativos da banda… Bom, eu costumo prestar atenção nas letras por último, a questão musical me chama a atenção primeiro, mas acho que o vocal pode fazer a coisa acontecer no sentido contrário, você pode ouvir as letras primeiro e depois a música que está por trás dela. Eu acho que as letras do Jeff são bem situadas, mas situadas numa neblina… Elas são bem ditas, mas também têm muitas interpretações, dependendo de quem ouve.

RG: Você não acha que elas são bem tristes?

Jorgensen: Eu acho que é um interessante olhar sobre relacionamentos, como lidar com isso, optar por caminhos… Eu acho que o atrativo é examinar algo que está partido e você não pode consertar, porque está preso no disco.

RG: Às vezes parece que Jeff é uma cara bem triste…

Jorgensen: Eu acho que é mais um tipo de personagem. Algumas letras são bem tristes, mas outras não, são até alegres, como ”Heavy Metal Drummer”, por exemplo.

RG: No disco ao vivo o som parece mais pesado e menos soturno. Você acha que o Wilco do palco é o melhor Wilco?

Jorgensen: Eu acho que sim, mas a parte ao vivo a de estúdio estão conectadas de alguma forma. Há muito cuidado com as duas coisas, com as versões ao vivo e de estúdio, eu não consigo ver uma separada da outra. É muito bom tocar essas músicas. No estúdio há um cuidado especial com os detalhes em certas partes, e tem que acertar até gravar. Se você comete um erro num show, tudo bem, no dia seguinte corrige. No estúdio, não, é uma coisa que vai ficar registrada para sempre.

RG: Por que vocês incluíram a música “Comment”, de Charles Wright, no repertório?

Jorgensen: Foi só uma idéia, é uma música muito bonita, nela Jeff ensaia para ser um frontman, ele não toca qualquer instrumento, só canta. Tocamos essa música pela primeira vez no Madison Square Garden, em Nova Iorque, nesse ano. Jeff tinha comprado um caixa coletânea do Charles Wright e isso o sugestionou a tocar essa música.

RG: O que você acha que faz do Wilco uma banda com tanto sucesso?

Jorgensen: Eu não acho que fazemos tanto sucesso assim, somos uma banda bem pequena. Sucesso é uma coisa excitante e assustadora ao mesmo tempo, mas todos estão envolvidos e comprometidos, tentando achar nossa própria voz, musicalmente falando, fugindo de clichês e fazendo uma coisa diferente do que foi feito antes de nós. Eu acho que música tem que ter sua própria honestidade, sem isso você não constrói nada.

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