Rock é Rock Mesmo

Bandas não divulgam, simplesmente tocam

A música do White Stripes se sustenta na figura de um guitar hero moderno e contemporâneo. Jack White encara o papel com destreza singular, ainda que recicle o bom e velho rock de Led Zeppelin e dos anos 70.

Meus amigos, diga-me com quem andas e te direi quem és. As más companhias podem ser úteis e até necessárias, mas não para sempre. Ao menos em determinados períodos históricos, e quando se faz concessões para poder atingir um objetivo maior. Há, entretanto, que se impor os limites e não tolerar o rancor daqueles que foram úteis, e, doravante, não mais serão.

Já há tempos que estou para tocar no assunto, mas, por um motivo ou outro, sempre escapei para outros temas. Devo confessar que me incomoda bastante ler esta frase: banda tal vai tocar em tal lugar como parte da turnê de divulgação do álbum X. Na semana passada, por exemplo. Li a torto e a direito que o White Stripes estava fazendo a turnê para divulgar o último disco, “Get Behind Me Satan”. E vou fazer outra admissão. A própria palavra “divulgar” já me causa um certo asco. Nada contra atividade em si. Mas hoje, reparem, tudo é divulgar.

Uma banda nova, por exemplo. Graças aos deuses, hoje há bandas surgindo a cada esquina, aos borbotões, mesmo nesse Brasil varonil de samba e outras referências folclóricas que dão no saco. Acontece que, hoje, uma banda, ao se formar, antes mesmo de se tornar uma banda propriamente dita, com músicas, repertório, shows realizados, gravações feitas (ainda que rudimentares), já pensa, de antemão, em se “divulgar”. O sujeito chama três ou quatro amigos, começa a tocar com eles, descolam, juntos, um nome e partem para fazer a “divulgação”. Eis a pergunta que me parece cabível: divulgar o que?

Ora, meus amigos, obviamente não sou contra quem trabalha na área, que faz da divulgação disto ou daquilo, um honesto meio de vida. O que me salta aos olhos é a necessidade de mostrar, aparecer, ganhar um mínimo de notoriedade, virar hype, antes mesmo de se produzir algo substancioso que justifique os passos subseqüentes. Vamos e venhamos, uma coisa de cada vez. Correto, companheiro?

A culpa, ou, por outra, a responsabilidade, pode ser toda jogada nesse mundo midiático e cada vez mais imediatista. Hoje, os 15 minutos de fama citados por Andy Warhol são uma eternidade do Inferno de Dante. Ou uma fila para comprar ingresso para ver Brasil e Argentina no Monumental de Nuñes. O que são aquilo que hoje chamamos de “celebridade”, senão oportunistas de plantão em busca da fama pela fama? Uma fama tão fugaz, uma notoriedade tão sem razão de ser que se desfaz muito antes dos tais quinze minutos. Pois eu postulo: aquele que quer se “divulgar”, sem ter um trabalho com o mínimo de solidez ou de consolidação, cai no rol das celebridades fakes dos nossos tempos. Uso o anglicismo (não é Paula Toller?) para fazer uma ligeira diferença, já que, é sabido, sou do tempo em que celebridade era a qualidade de uma pessoa que fazia algo célebre, notável, digno de nota. Não a fauna que hoje se distribui por aí.

Mas voltemos ao rock. Voltemos às famigeradas e assim denominadas “turnês de divulgação”. A expressão nos permite concluir que um determinado grupo compõe músicas, ensaia e grava um disco. Uma vez gravado e disponível o CD, esta banda sai tocando onde pode para fazer “divulgação”. Isto é, fazer com que o maior número possível de pessoas conheça as músicas que estão naquele disco, para aumentar as vendas e trazer de volta os investimentos feitos até então, seja por uma gravadora ou pela própria banda. Um raciocínio que parece lógico, a luz de qualquer teórico capitalista. Seria perfeito, não fossem as questões históricas. Explico. O som, a música, o instrumento musical, a composição, vieram antes do disco. Ele, o disco, é que foi criado para registrar aquilo que o artista faz, de modo que qualquer cidadão pudesse levar para casa, uma “reprodução” do que aquele músico ou artista faz, ao vivo, nos palcos, coretos ou praças públicas.

Por isso sempre digo: banda de rock foi feita para tocar, a gravação de um disco é mera conseqüência. E mais: não tem nada que sair por aí gravando disco antes de tocar um bocado, aprender, sacar as diferenças entre este e aquele arranjo, aquele timbre, solo ou passar por vários perrengues. Artistas consagrados, por mais que dependam de certa exposição na mídia, não devem ter (e não têm) como objetivo precípuo fazer divulgação, mas sim mostrar o trabalho, verificar a aceitação, por público e crítica, daquilo que eles produziram, enquanto arte. Deixemos as caixas registradoras por conta dos contabilistas, e a arte, a cargo dos artistas. Cada coisa no seu lugar.

O assunto me faz lembrar uma matéria que li na Folha de São Paulo há muitos anos, em que o título, se não me falha a memória, dizia que a MTV era o primeiro canal só de comerciais a se instalar no Brasil. A reportagem punha, já na manchete, a emissora que se instalava no País como simples divulgadora de bandas e artistas, determinando que o videoclipe é, tão somente, uma peça de marketing. Um reducionismo assaz equivocado, se considerarmos o aspecto artístico da coisa. Não sou advogado, muito menos da MTV, cujos métodos contém evidências de jabás e outros artifícios suspeitos. Mas se partirmos daí, tudo em nossa volta – novelas, jornais, programas de rádio, eleições – não passarão de meros artifícios de marqueteiros. E, podem crer, eles nem têm inteligência suficiente para isso. E também já seria teoria conspiratória demais da conta, não é?

O que quero dizer, no fim das contas, é que uma coisa é uma coisa, e outra coisa é outra coisa. Divulgação é marketing, anúncio, horário e espaços pagos. Jornalismo é notícia, informação, fato, e tem critérios técnicos para isso. Se sua banda acabou de se formar, isso é um fato, não uma notícia. Agora, dependendo do som que você tirar e da forma com que isso vai acontecendo, pode, sim, virar notícia. E das quentes, como aconteceu com a Seattle de Kurt Cobain, ou a Bay Area do Metallica, ou a Londres dos Sex Pistols. E bandas, guardem isso, não fazem turnês de “divulgação”, mas tocam para mostrar o trabalho para o público.

Até a próxima, e long live rock’n’roll!!!

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