Rock é Rock Mesmo

Capital Inicial e Barão Vermelho: energia que dá gosto

Depois de aprovar os discos do Capital Inicial e do Barão Vermelho, nosso colunista foi ver os shows no Morro da Urca, e saiu de lá com uma dúvida: é o artista que molda o mercado ou o mercado que molda o artista? Publicado originalmente no Dynamite on line.

Sim, meus amigos, o Carnaval já começou. Daqui da janela da sala (coisa mais Beto Guedes) deu para ouvir a marcação do surdo dos Gigantes da Lira, já no sábado passado. No que vem, quando a Folia de Momo realmente começa, teremos um Fla-Flu sensacional à nossa espera no Maracanã. Sabe, sou daqueles que tenta desvincular o Carnaval do samba, já que, na origem, a festa popular mais famosa do Brasil nem sempre foi ligada ao tal ritmo. E, honra seja feita, cada vez mais eventos de rock e do tipo “Carnaval off” acontece aos quatro ventos, em tudo o que é lugar. Vamos lá!

Mas o assunto que brota hoje por aqui é um que já vem me deixando encafifado há um bom tempo, mas que, por um escorregão aqui, um esquecimento acolá, uma prioridade mais adiante e a pressão dos fatos em si, acabou nunca saindo. No ano passado, cravei nas minhas listas de melhores discos do ano, duas bandas que não marcavam presença ali há um bom tempo. E, acredito, mais por responsabilidade delas próprias, do que por uma falha deste operário da imprensa rocker nacional. Mas eu repito: Capital Inicial e Barão Vermelho lançaram dois dos melhores discos no rock nacional em 2004.

Por motivos de força maior, acabei não podendo ver os shows de lançamento que as bandas fizeram no ano passado, o Capital no (ótimo) Claro Hall, e o Barão no (tradicional) Canecão. O destino quis que eu os visse nos dois últimos finais de semana, num gancho imperdível para a coluna de hoje, e justamente no mesmo lugar: o Noites Cariocas, em pleno Morro da Urca. Vejam vocês, meus caros, onde eu fui parar, por dois finais de semana seguidos. No Morro da Urca.

Eu não sei se eu fui claro o bastante, ou se o amigo que não reside nas redondezas ou ainda que nunca tenha visitado o Rio de Janeiro, não compreendeu o que escrevi. A estes peço desculpas. Explico. O Morro da Urca é um dos espetáculos mais bonitos da face da terra. Trata-se de um dos dois morrões (o outro é o Pão de Açúcar) de rocha maciça cuidadosamente esculpido pela natureza, e que a engenharia do ser humano tratou de desvendar com a instalação de teleférico que liga um a outro, e ambos ao nível do mar. O sujeito paga um ingresso e tem o direito de, lá em cima, ver como é bela a cidade do Rio de Janeiro. Sim, porque, se não bastasse a imponência rochosa em si, o Morro da Urca fica na entrada da vistosa Baía de Guanabara, e de lá de cima, um visual espetacular passa a habitar a memória de quem o visita.

No final da década de 70, montaram lá em cima uma discoteca que viveu o auge dos “Embalos de Sábado à Noite” e da novela “Dancin’ Days”. No início dos anos 80, Nelson Mota criou ali o Noites Cariocas, que passou a dar espaço para os novos artistas do rock nacional, que nasciam no Circo Voador, eram tocados na Fluminense FM, e tinham como próxima parada o Morro da Urca, num padrão já mais elevado, se considerarmos o patamar financeiro de quem freqüentava o local (não era para qualquer um mesmo). O lugar andava meio abandonado, com eventos e festas sazonais, até que uns empresários, com o apoio de uma empresa de telefonia, trouxeram de volta o Noites Cariocas.

E lá estava eu, de novo, no Noites Cariocas. E lá estavam, numa semana, o Capital Inicial; noutra, o Barão Vermelho. Mas não vamos falar dos shows. Dizia eu que as duas veteranas bandas lançaram dois dos melhores discos do rock nacional em 2004. E isso, com tanto tempo de estrada, numa época em que os independentes dominam o mercado (em termos de variedade e qualidade) e que grupos meia boca dominam o dial (à custa do jabá), não é para qualquer um, não. Ainda mais se julgarmos a trajetória vacilante de ambas as bandas.

O Capital Inicial, por exemplo. Não é exagero dizer que a banda renasceu com a entrada do guitarrista Yves Passarel, em 2002. Os riffs, solos e evoluções de guitarra dele, somada à composição de Dinho e Alvin L., resultou na fórmula perfeita que manteve a banda no olimpo pop, e, é verdade, em patamares muito maiores do que aqueles atingidos pelo grupo pós punk de Brasília da década de 80. O leitor há de se lembrar também, que o que tirou a banda do ostracismo, ainda em 2000, foi um álbum do tipo acústico. Hoje, Dinho se arrepende (do ponto de vista artístico, não o comercial, claro) de ter feito tal empreitada. Pelo menos foi o que ele me disse e está publicado numa das edições da Revisa Dynamite. Então porque diabos fez o acústico ao invés de fazer um disco arrasa-quarteirão como o “Gigante”, já naquele ano? O próprio Dinho disse que a banda não sabia, na época, fazer música direito. E que poucos levavam fé no acústico. Nem ele mesmo. Dinho ganhou uma bolada, mas se envergonha do acústico.

O Barão Vermelho. O disco homônimo lançado no ano passado marcou a volta do Barão ao rock. É até ridículo escrever esta frase para uma banda cuja força motriz sempre foi o rock. Barão e rock eram coisas inseparáveis. Mas o fato é que a banda, desde 1996, vem decepcionando fãs de rock e sujando a própria história. Nesse período, foram um álbum de covers, um “eletrônico”, um acústico disfarçado (”Balada MTV”), e uma carreira solo de Roberto Frejat, o dono da boca. Em entrevista a mim concedida e também publicada na Revista Dynamite, Gutto Goffi, membro fundador, disse que o “Álbum”, o tal disco de covers, foi feito porque era o último do contrato, e a banda não queria arriscar material novo nessas circunstâncias. Guto disse ainda que hoje acha o disco “careta”. Ninguém afirmou categoricamente, mas todos detestaram o processo de gravação do “Puro Êxtase”, o tal disco “eletrônico”. Frejat explicou que era a época do Chemical Brothers e Prodigy, e que era preciso fazer algo com esse rumo. Se ficou bom ou não, não importa. O que conta é que os discos venderam muito bem, obrigado. E os dois maiores hits do Barão nos últimos anos são justamente “Puro Êxtase” e “Por Você”, ambos dessa fase.

Não, meus amigos, não sou contra as pessoas trabalharem pela grana, seja para pagar as contas ou para ficar milionário. Só não dá é para perder a noção do conteúdo artístico no boleto do ECAD, no borderô do show, ou no relatório da gravadora. E nem ouvir, a cada vez que um acústico é lançado, um artista dizer: “é um sonho antigo, gostaríamos de ver como nossas músicas soariam nesse formato”. É tudo balela. E nem ao gravar um disco só de covers, um outro afirmar: “queríamos homenagear nossos ídolos, ver como as músicas deles funcionariam conosco”. É tudo cascata. Ou ainda, no lançamento de um “ao vivo”, a justificativa de que “tínhamos que registrar esse momento único”. Tudo conversa pra boi dormir. Ou, por último, que “o DVD é um formato interessante”. É caô brabo. E vou mais longe. O jornalista que dá espaço a este tipo de declaração, acaba por fazer do veículo para o qual trabalha uma reles sucursal mercadológica da gravadora que lança esses produtos. Quero crer que o faz por inexperiência, ingenuidade ou mesmo preguiça. E quero crer ainda, que quem vai a um veículo, qualquer que seja ele, em busca de informação sobre um determinado artista, o faz porque tem interesse no conteúdo artístico do trabalho que ele faz, e não em saber se o acústico vende bem, o DVD é um formato interessante, e assim por diante.

Eis onde eu queria chegar. Se no futebol, dizem os especialistas, não existe o “se”, muito menos ele prevalece no mundo da música e das artes. Eu, entretanto, me dou o direito, se o leitor assim me concede, de imaginar certos cenários. Se o Capital Inicial não tivesse lançado o “acústico”, teria hoje o sucesso que tem com discos de verdade? Se o Barão Vermelho se recusasse a lançar estes três discos oportunistas, e colocasse no mercado, já em 96, um álbum de rock (como sempre fez), teria perdido o rumo? Ou, em suma, e generalizando para os dois grupos (e para todos), é necessário lançar esses trabalhos revivalistas e artisticamente limitados para se manter no mercado? Afinal, é o artista que molda o mercado ou o mercado que molda o artista? Na década de 80 eu aprendi que a primeira alternativa era a correta. Seriam os tempos, hoje, tão outros assim?

Não era isso que passava pela mina cabeça, entretanto, na sexta-feira retrasada, durante o show do Capital Inicial. Não se pode chamar o show deles de revivalista, pois a banda praticamente recomeçou sua carreira nesta nova fase. Mas o público do Noites Cariocas tem idade bem avançada (o ingresso custa R$ 80), e conhecia de tudo um pouco. Dinho era uma emoção só. Aliás, como ele próprio não consegue acreditar que o Capital faz sucesso nos dias de hoje, fala pelos cotovelos, relembrando mais que o próprio público. Yves deita e rola, e o show é bom pacas, mesmo com alguns arranjos ainda meio acústicos. (Mas atenção: isso não é uma resenha.)

Com o Barão é coisa é diferente. Um pouco mais velha e sem ter (oficialmente) uma fase decadente, a banda tem a moral de estar em casa e ter o público (um pouco maior que o do show do Capital) nas mãos. É difícil não gostar de uma única música tocada pela banda, não só porque boa parte delas foi escrita por Cazuza (quem mais diria “meu cartão de crédito é uma navalha” ou “disparo minha metralhadora cheia de mágoas”?), mas porque todas são sucessos e dos bons. E, agora, tocados com o peso que elas exigem. Ás vezes eram três guitarras no palco, como em “Cuidado”. A moral da história é: pense, entenda, questione. Mas não deixe estes shows passarem em branco na sua cidade.

Até a próxima, e long live rock’n'roll!!!

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