Rock é Rock Mesmo

Nada Surf, Paulo Sérgio, os cegos e a luz

Justamente quando as hienas e os abutres reclamam de uma imaginária falta de shows no Rio, a banda americana Nada Surf tocará nela em duas noites seguidas, dentro do Loud! Festival. Publicado originalmente no Dynamite on line.

Meus amigos, a vida não é a maravilha que mamãe dizia. Mas a gente vai levando essa porcaria. Por exemplo, ontem à noite. Ainda era claro, por conta do início do horário de verão, quando uma assessora de imprensa me ligou, para me passar uma nota exclusiva. Em pleno dia os mortos. Vocês podem até achar engraçado, mas certa feita eu, num feriado de Finados, fui a um estúdio da zona oeste do Rio para entrevistar o Sepultura, que gravava ali o álbum “Nation”. Noutras épocas, numa infância/adolescência distante, lembro-me das sucessivas demãos de uma diluída cal virgem dadas em túmulos abandonados por um ano, mas cuidados por uma hora, num único dia.

A assessora tinha pressa. Precisava me passar com urgência a inédita nota. Antes, entretanto, naqueles pouco segundos em que se trocam frivolidades numa conversa telefônica enquanto não se entra no assunto propriamente dito, percebi uma certa ansiedade no ar. Não parecia. Era claro, evidente, que minha amiga assessora estava banhada por uma ansiedade fugaz. Parecia, sem exageros, o Fenômeno no dia da final da Copa da França: só faltava entrar em convulsões. Do lado de cá da linha, eu, mais solitário que Roberto Baggio diante do pênalti perdido na final de 94. Ela, a Candinha, que precisava contar a descoberta para alguém; eu, o crápula, pouco interessado na notícia.

A bem da verdade nem notícia era, admito. Era, no máximo, um fato. Notícia é outra coisa, como sempre falam na faculdade, e como eu sempre tento, em vão, passar adiante. Meus amigos, acreditem, é muito difícil dar luz a cego, pavimentar estradas para quadrúpedes passarem. Mais vale deixá-los trotando em vão, e utilizar a liga do revestimento para quem tem olhos para a claridade. Como sempre digo, uma coisa é uma coisa; outra coisa é outra coisa. Mas acreditem, até isso é difícil de explicar quando os ouvidos não escutam e os olhos não querem ver.

Outro dia estava num treino do Fluminense, nas Laranjeiras. Estava atrás do gol e vi a rede balançar sucessivas vezes. Treino é legal que sai gol a toda hora, e, contra ou a favor, é sempre do seu time. Mesmo assim, há pouca comemoração; torcida então, nem pensar. Mas o Estádio das Laranjeiras é inspirador. Um verdadeiro museu vivo que preserva a história dos costumes da cidade. Foi ali, por exemplo, que a Seleção Brasileira atuou pela primeira vez na história. E hoje somos pentacampeões. Muitos repórteres circulavam por ali naquele dia, era o auge da crise de relacionamento com Romário, jogador dos melhores que já se viu e incorrigível chato de galochas.

Na ânsia de encontrar uma caneta para anotar o que fosse necessário, e não decepcionar a querida assessora de imprensa, acabei me deparando com um flyer que recebera na numa das madrugadas do feriadão, e que, talvez pela dormência da ressaca, não reparei direito. E é dos maiores. Nele vejo (e redescubro) que a famosa festa Loud!, vai virar, em menos de duas semanas, o Loud! Festival. O evento vai trazer ao Rio, no Teatro Odisséia, bandas como Walverdes, Suíte Minimal e Wonkavision, e terá como atração principal o Nada Surf, que estará em turnê também pelo Brasil. O detalhe: no Rio, o grupo se apresentará em duas noites seguidas: domingo, 14, e segunda, 15, feriado nacional. Justamente quando as hienas e os abutres reclamam de uma imaginária falta de shows na cidade, uma banda americana tocará nela em duas noites seguidas.

Atrás do gol, me lembrava que ali, há muito tempo, existia uma arquibancada, que teve de ser demolida, quando da duplicação da Rua Pinheiro Machado. Um caso de harmonia entre passado, presente e futuro. Se capou o estádio, mas permitiu-lhe viver para a glória tricolor. Pode parecer fixação, como diria Leoni, mas, ao meu lado, súbito, uma viúva chorava a ausência de alguns craques. Digo viúva, porque, entre outros nomes, os citados pelo torcedor saudosista eram Carlos Alberto Pintinho, Gil, Rivelino e Edinho. Todos peças da máquina tricolor habilmente montada por Francisco Horta.

Pode parecer meio desagradável falar de viúvas logo depois do feriado de Finados, mas, imaginem, se, naquele momento, estivesse ali, ao meu lado, uma das inefáveis viúvas de Patton. Certamente enxergaria, num toque sutil de Romário, um “que” de Mike Patton; olhando para cima, defronte à deslumbrante paisagem do Cristo Redentor, veria uma profunda semelhança entre a cena e o legado do vocalista loser. Creio que até num reles treino do tricolor das Laranjeiras o maravilhoso mundo das viúvas de Mike Patton se instalaria.

Quantas pessoas? Mais de 600? Na minha profissão aprendi que todas as assessorias de imprensa da área cultural mentem em causa própria, mas que jamais, mais do que o dobro. O que quer dizer que pelo menos 300 pessoas passaram o dia em volta do túmulo do cantor Paulo Sérgio, no cemitério do Caju. E que, no mesmo cemitério, os túmulos de Cartola e Noel Rosa só foram visitados pelos esparsos parentes mais chegados. Nem sempre se pode ser Deus, né?

Até a próxima, e long live rock’n'roll!!!

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