Rock é Rock Mesmo

O maravilhoso mundo paralelo dos fãs de Mike Patton

Nosso colunista é aturdido por um telefone enquanto escreve, faz associações teóricas e observações práticas, identificando a existência de mundos paralelos. E destaca um em especial. Publicado originalmente no Dynamite on line.

Estamos no século 21, o ano de 2001 já passou, nossa odisséia é diária e tem americano querendo votar diretamente do espaço. Na Terra medieval queimava-se vivo aqueles que estudavam até descobrir como era formado o mundo em que vivemos. Mas, acreditem, ainda sequer conhecemos esse mundo. Eis a verdade implacável: o mundo ainda é um mero estranho, um figurante vulgar de novela da sete. E vou mais adiante. Não existe um, mas vários mundos. Sim, meus amigos, dezenas, centenas, milhares de planetinhas redondos feito bolas de gude quicando no universo, prontas para se chocarem umas com as outras.

Outro dia, por exemplo - e não faz muito tempo, recebi um telefonema. Era um jovem universitário de primeiro período. Mal se identificou, e antes que eu entrasse em harmonia com aquela ligação, disparou: “Edgar Morin e a cultura de massas foram para o beleléu”. Assim, sem mais nem menos. Numa fração de segundo, me veio à mente coisas o arco da velha, como a aldeia global de McLuhan, o mundo globalizado, e (ao menos por mim) a desacreditada Internet. Uma outra parte da minha cabeça, ao mesmo tempo, refletia: onde diabos esse debutante quer chegar?

Em todo tipo de juventude, existem dois jovens. Um é aquele de idéias novas, revolucionário até, que tende a criar mais que se repetir, que usa dos vigores e hormônios juvenis em prol daquilo que qualquer idiota irá chamar de evolução humana. O outro é aquele que, súbito, tem uma certa aspiração em se tornar, o mais rápido possível, um arquétipo de sua própria velhice. Ele quer, desde já, ser adulto e, no plano das idéias, a vanguarda do caquético. Do primeiro protótipo, saem os libertistas, os visionários, e, para fincar exemplo no campo desta coluna, ícones do rock como Jim Morrison, Kurt Cobain, Jimi Hendrix e afins. Gente que, no campo da arte, soube ousar - e não há rock sem ousadia. No segundo grupo estão aqueles que apostam no óbvio, na mesmice, na continuidade. Em geral buscam profissões mais seguras, e se estão no mundo do rock, são facilmente convencidos a seguirem padrões de consumo vigentes em troca de um momentâneo conforto classemediano. São, exemplificaria eu, os que hoje se submetem à gravação de acústicos, DVDs, discos de covers e afins. Às vezes, entretanto, esses dois tipos estão num mesmo calouro humano, disputando espaço de parte a parte, o que, decerto, justifica altos e baixos aqui e acolá. Sim, meus amigos, boa parte dos jovens já quer ser velho.

Mas voltando aos universos paralelos (e Lobão nada tem a ver com isso), sejamos francos: o paralelismo, tal qual é definido, sequer existe. Puro, teórico e abstrato, vai por água abaixo diante dos mais inábil pedreiro da obra do Rio Comprido. Existe, entretanto, uma espécie de imã pouco estudado pelos acadêmicos que justifica (ou ao menos tenta explicar) a existência dos vários mundos que apareceram no início desta coluna. E, até, já avançando no campo da especulação eletromagnética, uma eventual rota de colisão, que pode chegar às raias da sincronicidade de Jung.

Por exemplo. Existe, certeza absoluta, um mundo de Patton. Minto: um mundo dos fãs de Patton. Ou melhor: um mundo dos fãs brasileiros de Mike Patton. Já dissequei esse assunto numa das colunas anteriores, e, acreditem, fui alvejado por mensagens de carinho de enrubescer até o Dr. Rodivaldo. De modo que, desta feita, não vou me ater na questão genérica em si, mas sim, na de explicar que existe, sim, um mundo paralelo dos fãs brasileiros de Mike Patton.

Certa vez o jornalista esportivo Renato Maurício Prado, rubro-negro até a última vírgula, travou (e com muita propriedade) uma batalha com o então presidente do Flamengo, Kleber Leite. Bem humorado, ele via, em todo e qualquer problema por qual passava o clube de remadores, um dedo de seu presidente, incluindo aí o colossal engarrafamento causado pelo show do U2 no Autódromo de Jacarepaguá, em 98. Pois eu, me apossando de tal teoria, só que levando a coisa para o lado clínico da questão, detecto o mesmo mal nos fãs brasileiros de Mike Patton. Diante de um palco, em que qualquer banda toque, se esse fulano, por alguma razão se identifica com o que vê, logo trata de apontar ali um “dedo” de Patton. Se, ao contrário, acha tudo muito ruim, despreza o que vê em nome de Patton. No rádio, a mesma coisa: se o que ouve parece com Patton, é lindo; senão, despreza. Tal teoria faz esse inefável ser, por outro lado, creditar à Patton o que é fruto de sua própria (e natural) empatia. Explico. Se, ao acaso, ele gostar de determinada banda, por pura intuição, logo trata de se justificar que “algo de Patton há ali”. Portanto, passa a ver Patton em qualquer suspiro musical, e cria-se assim, o maravilho mundo paralelo dos fãs brasileiros de Mike Patton.

Foi quando articulava esta parte o texto que o telefone tocou e fui atender o jovem universitário de primeiro período. Para ele, o mundo, ao invés de globalizado, já explodiu há anos, e temos, na verdade, vários mundos, fragmentos desse ex-planeta no qual vivemos. Ele me dizia isso para me convencer de que o mundo do rock era uma coisa à parte, e estaria, de certa forma, confinado à minorias. Depois de uma breve pincelada de minha parte sobre o maior invento do século vinte (a guitarra) e da decisiva influência do rock no modo de vida ocidental nos últimos 50 anos; e ainda de noções básicas de força centrífuga, força centrípeta, coesão e atração entre massas, a conversa se esvaiu e o universitário de primeiro período voltou para a aula de Formação da Cultura Brasileira.

Aí voltei ao meu raciocínio e, súbito, descobri que Jung tinha razão. Que o universitário de primeiro período tinha razão. E que os fãs brasileiros de Mike Patton têm, sempre tiveram, razão. Simplesmente porque, de acordo com essa associação de lógicas, eles vivem, há muito tempo, num mundo que lhes é próprio: o maravilhoso mundo paralelo dos fãs brasileiros de Mike Patton.

Até a próxima, e long live rock’n'roll!!!

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