Rock é Rock Mesmo

O Circo Voador voltou e ainda estão reclamando…

No Brasil, a reclamação parece ser um esporte mais popular que o futebol. Somos uma nação de reclamões de barriga cheia. Até a volta do Circo Voador tem gerado queixas, é mole? Publicado originalmete no Dynamite on line.

Dizem por aí que saudade é uma palavra que só tem na língua portuguesa, muito embora o sentimento exista em cada ser humano. Um pesquisador, entretanto, bem que poderia se encarregar da tarefa de descobrir outras palavras que só os que falam a língua de Camões conhecem, bem como realçar outras que, caso fossem subtraídas do nosso vernáculo, não fariam a menor falta. Eu, por exemplo, se pudesse, extirparia da língua portuguesa a palavra “reclamação” e todos os seus sinônimos.

Explico. Não sei se é mania de brasileiro ou do ser humano de uma forma geral, essa inefável besta quadrada que vaga pela terra sem nem ao menos tentar se entender. Mas o fato é que, no Brasil, a reclamação parece ser um esporte mais popular que, imaginem vocês, o futebol. Reclama-se de tudo. Do salário, da fila, do filho revoltado, do filho acomodado, da mulher que não lhe ama, da esposa que não o larga, do time que não ganha, do escrete que ganha, mas joga mal, e assim por diante.

No rock a coisa não muda de figura. Reclama-se do espaço que as bandas do underground não têm na mídia, mas quando uma delas quebra a barreira e faz sucesso, reclama-se que ela se vendeu; reclama-se da falta de uma revista de rock, mas não se dá a oportunidade para que as mais de dez revistas voltadas para a música no País sejam, ao menos, lidas; reclama-se que faltam espaços para shows, mas os que existem, raramente conseguem atrair um bom público. Somos, meus amigos, sim, uma nação de reclamões. E de barriga cheia.

Digo isto, não em tom de reclamação (não to dizendo?), mas de desabafo, depois do que ouvi na última quinta-feira, durante a festa/show de inauguração do Circo Voador 2004. Estava lá eu, dentro daquele que foi o templo do rock nacional dos anos 80, o espaço mais popular e libertário da cultura nacional já criado neste País, em meio a uma fulgurante comemoração, encontrando e reencontrando meio mundo, quando começo a ouvir a horda de reclamões. “Já, já essas lâmpadas vão ser quebradas”, disse-me um profeta do apocalipse; “não dou dois anos para isso tudo ficar uma sujeira só”, retrucou um outro abutre; “não é a mesma coisa de antes, isso tá muito arrumado”, chegou a definir um outro azarão; “com a Fundição Progresso de um lado, e o Teatro Odisséia do outro, um dos três vai falir”, previa mais um uruca. Pois bem, estava eu lá, inacreditavelmente dentro de um Circo Voador novinho em folha, e tendo que ouvir essa turma de insensatos corneteiros do mal.

Ora, meus amigos, o que eles queriam? Que o Circo fosse construído já velhusco, sujo e usado? Ninguém apoiou a insensatez e a intolerância que fizeram o bode velho e criador e factóides fecharem Circo, há oito anos (muito menos eu), mas que o Circo estava acabadaço e precisando de uma geral, isso tava. O Circo Voador, hoje, é uma casa de espetáculos de alto nível, com bom som, boa luz (como pude ver no dia seguinte no show demolidor do Krisiun), e, o melhor, gerido pelas mesmas pessoas que lá se encontravam antes. Por essas e outras é que, de outro lado, ouvi de BNegão (que toca lá na quinta, 29), também no show do Krisiun, a melhor declaração: “a ‘vibe’ continua a mesma”, disse Bernardo, com um sorriso de orelha a orelha. Ele tem razão. A atmosfera do Circo 2004, mesmo com o palco em outra posição, as instalações novas e modernas, é a mesmíssima do Circo que foi covardemente fechado em 96 e posto abaixo nos anos seguintes. Eu mesmo não podia me distrair que me transportava no tempo, para shows que ali presenciei ao longo e duas décadas. E daí se temos outras duas casas de shows, uma de cada lado? Isso não é ótimo? Muitas vezes não reclamamos justamente da falta delas?

O amigo que lê essas linhas virtuais e que não é morador da cidade do Rio de Janeiro talvez não esteja nem aí para a volta do Circo Voador, e desde já ficam aqui minhas escusas. Ou mesmo não tenha se dado conta de o quanto isso é importante, para a cidade, num primeiro momento, e para todo o País, dada a vocação de “tambor cultural” que o Rio, inegavelmente ainda preserva. São as desvantagens de se ter uma coluna na web, que pode ser lida mais globalmente do que pela na vizinhança. Coisas da inexpugnável modernidade.

Fico imaginando, até, se o Dr. Rodivaldo desse-me o prazer de ler essas linhas, que tipo de avaliação ela faria. É certo que ele anda muito bonzinho nos últimos tempos, fazendo as pazes com antigos desafetos, e se declarando o melhor amigo de quem sempre detonou, tudo em nome do alpinismo profissional. Mas será que mesmo eu, que não sirvo de escada para nada, escaparia das vociferantes palavras desse carrasco do jornalismo cultural brasileiro?

Até a próxima, e long live rock’n'roll!!!

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