Rock é Rock Mesmo

Como explicar o fenômeno Massacration?

Se o público heavy metal aprova o deboche a uma postura que minutos atrás aceitou com “séria”, algo está errado. Ou ele não se leva a sério, ou o heavy metal é uma grande palhaçada. Entenda o fenômeno Massacration. Publicado originalmente no Dynamite on line.

No último final de semana, quando fazia a cobertura do Brasil Metal Union, um dos mais representativos festivais de bandas novas do País, segmentado em heavy metal, me deparei com uma situação assaz desconfortável, ao ver a apresentação da “banda” Massacration. Um turbilhão de reflexões passou a povoar meus neurônios, e assim começava, já ali na Alameda dos Jamaris, mais uma Rock é Rock Mesmo.

Para quem ainda não se situou, o Massacration é uma dessas bandas/paródias feitas dentro do programa humorístico “Hermes & Renato”, da MTV. O excelente programa veio cobrir uma lacuna deixada pelo saudoso “TV Pirata”, exibido anos atrás pela Globo, e pelo “Casseta & Planeta”, que há anos sucumbiu ao chamado “padrão global” e à censura da direção da emissora. Ficou conhecido na mídia a proibição de se fazer piadas com o 11 de setembro, logo após a tragédia ter acontecido. Mais musical (até por ser exibido na MTV), tosco e escrachado, onde um simples palavrão já é mote para o público rir, o programa conquistou boa audiência e foi crescendo dentro da emissora. Um dos esquetes de maior sucesso é aquele em que os atores imitam os trejeitos de músicos dos mais diversos grupos musicais, como o funk de morro, o rap de periferia, a música baiana (com o impagável Coração Melão) e, por fim, com o Massacration, paródia de uma banda de heavy metal.

Por incrível que pareça, e apesar da fama de “radicais”, foram os bangers que mais se divertiram e apoiaram o grupo/paródia, a ponto de consumir camisetas da “banda”, disputadíssimas nas Grandes Galerias, em São Paulo, entre outras formas de apoio. Vamos e venhamos, o deboche em cima dos clichês do heavy metal, da forma como os comediantes fazem é realmente sensacional, até porque eles próprios, segundo consta, são fãs do gênero, ou ao menos, têm certo conhecimento de causa. Até eu, do alto da minha inteligência heavy metal (coisa rara no meio) não tive como não me divertir com o Massacration.

Entretanto, ao ver a apresentação da “banda”, dividindo o palco com outras sete atrações, estas sim bandas de verdade, alguma coisa não desceu redondo. Constrangido, tive que anotar em meu caderninho nomes de músicas como “Metal Bucetation” e “Metal Massacre Attack”, aquela do refrão “aruê, aruô”. Não, meus amigos, não sou do tipo mal humorado e que gosta de ser “do contra”, mas estou com dificuldades para digerir aquele espetáculo praticamente unânime entre o público presente no BMU.

Explico. Ao subir no palco entre as bandas escaladas para o festival, o “vocalista” Detonator (um dos atores de H&R) imitou, com muito deboche, todos os trejeitos que os vocalistas das bandas anteriores faziam, com muita seriedade. E foram todos eles agraciados pelo público. E é aí que as peças não se encaixam. Se o público aprova o deboche a uma postura que minutos atrás ele aceitou com “séria”, “de atitude” ou “real”, algo está errado, e eu só posso ver duas opções. Ou o público não se leva a si próprio a sério, ou o heavy metal é uma grande palhaçada. Confesso que nenhuma das duas me satisfaz, mas não consigo, ao menos agora, enxergar uma terceira via. Sim, porque necessariamente, e até por uma questão de lógica, quem acredita no heavy metal enquanto música e atitude, incluindo aí todos os seus dogmas, conteúdo estético, épico, fantasioso e (até) religioso, jamais poderia aprovar o deboche apresentado, ao menos ali, sobre o palco, no meio de um respeitado festival. E vice-versa. Quem se diverte, gosta da imitação (baratíssima) feita pelo ator, é porque, repito, até por uma questão de lógica, não se identifica com o heavy metal, e provavelmente acha tudo uma grande palhaçada mesmo. Em suma: é impossível assistir passivamente uma paródia barata do heavy metal dividir o palco como o próprio heavy metal, sem sentir um certo desconforto.

Bem, impossível nada, porque foi exatamente isso que aconteceu. Por incrível que pareça, o Massacration é que conseguiu o impossível: unir os fãs de todos os segmentos (embora fosse essa a tônica do comportado público do BMU): death, gotic, melódico, prog, todos ali aplaudiram a “banda”. Ainda durante o festival, me veio à cabeça duas frases de dois ícones do heavy metal (guardadas as devidas proporções) que volta e meio vivem me aturdindo. Primeiro uma de Bruce Dickinson, o “irmão mais velho”. Chateado com a cobrança de um trabalho mais “metal” no início de sua carreira solo, ele disparou: “o fã de heavy metal não tem mesmo a cabeça mais aberta do mundo”. Li essa declaração na saudosa revista Bizz e em outra publicação estrangeira. Mais tarde, eu próprio, ao entrevistá-lo, questionei sobre ela, e ele negou com veemência. Como já estava de volta ao Iron Maiden, fica a dúvida se disse ou não a verdade. A outra declaração foi colhida por mim numa entrevista que fiz com Carlos (ex-Vândalo) Lopes, então líder do Dorsal Atlântica, banda seminal para o heavy metal nacional. Para Carlos, “público é tudo ovelha”. Essas duas frases, gostemos delas ou não, poderiam tranqüilamente ter sido cunhadas por um cidadão qualquer que estivesse no BMU depois da apresentação do Massacration, que fariam sentido.

Vejam bem, caríssimos, não é que eu queira aqui pregar o mau humor, a carranca, a sisudez. Muito menos tirar o mérito dos atores do “Hermes & Renato”, ou duvidar da capacidade mental dos fãs de heavy metal (ao menos dos que foram ao BMU). A idéia é (como sempre) fazer a reflexão e tentar entender o fenômeno Massacration. Para mim, concluo, ainda que em lápide provisória, que, nesse caso, devemos adotar a lógica de uma anedota impublicável, cuja moral da história é “cada coisa no seu lugar”. Deixem, então, os comediantes em seu programa semanal, nos DVDs, ou (quem sabe?) no teatro, cinema, etc. E as bandas de metal nos palcos, arrastando as multidões de sempre. Enquanto esquete humorístico, vamos nos divertir muito ainda com o Massacration. Mas enquanto banda, por favor, nos poupem de tanta dor de cabeça.

Até a próxima, e long live rock’n'roll!!!

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