Porque CPM 22 é muito mais legal que Los Hermanos
Num paralelo louco com os anos 80, o CPM-22 seria o Ratos de Porão, e o Los Hermanos, no máximo, Marina Lima. Descubra porque o hardcore do CPM-22 é muito mais legal do que a nova mpb do Los Hermanos. Publicado originalmente no Dynamite on line.
Volta e meia se discute o rock dos anos 80, o rock dos anos 90. Mas, e agora? A quantas anda o rock contemporâneo nesse vasto Brasil varonil? O tema é amplo, mas resolvi tratar de apenas duas bandas, não que elas sintetizem a coisa toda ou sejam representativas de uma época, enfim por nenhum motivo justificável que não seja minha intuição, associada a uma certa sincronicidade (ainda faço uma coluna inteira sobre isso) de certos fatos que se sucederam.
Na quarta-feira retrasada fui ao Canecão para ver o show do CPM-22. Bem, na verdade queria ver como se comportava o Leela (show de abertura) no palco, já que a banda está prestes a lançar o primeiro disco, pelo selo Arsenal, e, afinal, tocar num Canecão lotado de fãs da banda principal não é para qualquer um. Mas foi durante o show do CPM que comecei a refletir sobre o público rock dos anos 00, sobre o público em geral. Me lembrei, por algum motivo, dos dois shows também lotados que o Los Hermanos fez para lançar o último álbum deles, “Ventura”, no ano passado. No show do CPM, uma garotada agitada, boa parte menor de idade (deu até para sacar o clima “porta de escola” do lado de fora), que cantava todas a letras das músicas da banda na ponta da língua. Havia fãs do tipo tiete, sim, mas elas não eram a maioria, sendo que no geral a grande parte parecia estar ali mais pelo rock do que por outra coisa.
No show dos Hermanos, a platéia, entusiasmada, também cantava todas as músicas, muito embora fosse o show de lançamento, e o repertório não incluísse grandes sucessos como “Anna Júlia”, a música perfeita, mas que se transformou numa espécie de “Stairway To Heaven” para os barbudos mais famosos do Brasil. O Canecão também estava lotado, mas o público… Bem o público não era formado por adolescentes a fim de se divertir, mas por uma galera blasé que estava ali mais para reafirmar um certo caráter “intelectual” (e bota aspas nisso) do que pela música em si. Não havia a vibração do show do CPM, não havia a rebeldia e a atitude adolescentes (ainda que como opção estética), e sim aquele ar de “estamos aqui porque entendemos mais de música do que você” típico de um Caetano da vida.
No palco, ainda sem entrar na música, as diferenças também são gritantes. Marcelo Camelo e Rodrigo Amarante seguram as guitarras como se elas fossem violões de duplas sertanejas, e ensaiam passinhos tímidos e desconcertados, algo muito distante do que se deve fazer o indivíduo que decide empunhar o invento mais importante do século 20. Com os meninos do CPM, embora uma iluminação mais do que precária tentasse esconder, o que se via era guitarras sendo tocadas à toda, com direito a solos (meia boca, é verdade), cordas indo para o espaço, saltos e tudo aquilo que move o rock há anos. No Canecão, onde letras garrafais na entrada dizem que “aqui se faz a história da música popular brasileira”, o CPM, tal qual o rock, era o invasor, e o Los Hermanos, o convidado de honra, a continuidade. Num paralelo louco com os anos 80, o CPM seria o Ratos de Porão, e o Los Hermanos, no máximo, Marina Lima.
Saí de lá com essa impressão, e, coincidência ou não, na sexta seguinte, cheguei mais cedo à Bunker, onde Loop B, Ramirez e Cabaret (a nova versão do Glamourama) tocariam, e levei um papo com Marcos Sketch, figura carimbada no underground carioca, que trabalha como produtor de bandas como Leela e Ramirez. Sketch me contava que também é o administrador do site de algumas bandas, entre elas LS Jack, Detonautas e o Los Hermanos. É ele quem responde e-mails, recebe sugestões, tem, enfim, contato com os fãs dessas bandas. Sucintamente, ele me traçou o perfil de um fã do Los Hermanos. Pelo que pude entender, são universitários de classe média alta, com acesso e uso da Internet, os que mais enviam mensagem, participam de promoções e compram memorabília no site. Tanto que recentemente foi criada uma área exclusiva com acesso pago onde eles podem ter “vantagens exclusivas”. Sketch não trabalha com o CPM, mas a comparação que ele fez entre o público do Los Hermanos e o do Detonautas, reforçou minha tese sobre a diferença entre os públicos, e, por conseqüência, entre o som praticado pelas bandas. Ou melhor, sobre para quem é o som praticado por estas duas bandas. Vejam, bem, não sou contra fazer universidade (eu mesmo terminei duas), mas jamais a favor desse intelectualismo barato, mais por opção (como se fosse possível) do que por conseqüência de um aprendizado.
Um outro vetor que se somou a esta resultante foi o diagnóstico que Roger, do Ultraje a Rigor, deu, ao ser entrevistado por mim, uma semana antes, para a decadência das bandas do rock nacional nos anos 80, depois do domínio do mercado. Para ele, as bandas começaram a se levar a sério demais, querendo mostrar que sabiam mais do que tocar três acordes e fazer músicas simples, a ponto de abandonar o que o rock tem de melhor, que é justamente a simplicidade, a diversão, aquele universo que todos conhecemos. Assim, virou mpb. Dentro dessa ótica, é notória no Los Hermanos a renúncia ao rock, e no CPM a adesão, em que pese as letras chorosas típicas do emocore.
Entrando na música propriamente dita e no eco que ela tem conseguido junto à crítica, também podemos tirar algumas conclusões. Em geral, ninguém fala mal do Los Hermanos na mídia, a banda é quase uma unanimidade. E não há sobre o que falar mal realmente. “Ventura” é ótimo disco, com músicas com boas letras e arranjos elaborados, além de ter a complacência do esquemão para aparecer. Falar bem dos Hermanos não contraria o óbvio e faz bem para o jornal. Daí a se enxergar uma verdadeira admiração para com o som da banda, isso já é uma outra história.
Vejam o caso do Sepultura, por exemplo. Até a banda invadir o mercado da música e se tornar um dos ícones do thrash metal mundial, passava desapercebida aqui no Brasil. Depois, passou a aparecer sempre em tudo o que é jornal, TV e o escambau, sempre recebendo fartos elogios. Depois que a banda perdeu o vocalista e saiu de cena (lá fora), entretanto, desapareceu da mídia aqui (exceto quando o arroz de festa Andreas Kisser participa do show de alguém). Hoje, passada aquela época, já há alguns jornalistas admitindo que gostavam do Sepultura por questões de ser uma banda brasileira com sucesso no exterior, não por “opção estética”. Ou seja, achavam o thrash do Sepultura ruim, mas faziam matérias “pra cima” por causa da fama alcançada no exterior. Será que daqui a dez anos não saberemos que isso acontece, hoje, com os Hermanos?
Sim, porque daqui a dez anos o Los Hermanos continuará existindo (ou a carreira solo de Camelo ou Amarante, o que não faria a mínima diferença) e o CPM 22, provavelmente não existirá mais, porque bandas, como sempre digo, acabam; só o rock continua. Certamente outros grupos estarão colocando o pé na porta e conquistando seu quinhão no mercado. Porque o rock se renova (bandas acabam e outras surgem), o que não acontece (ou pouco acontece) com a mpb. Caetano, infelizmente, é para sempre, e assim também será com os Hermanos, que reafirmam a mpb, como bem notou Rogério Skylab numa entrevista concedida a mim há mais de um ano.
Quanto ao Leela, depois de anos no underground, a banda provou estar pronta para encarar o esquemão, e fez um show de gente grande. Não é qualquer um que abre o show para uma banda com fãs dedicados como os do CPM 22 e passa todo o set sem escutar pedidos para sair depressa.
Até a próxima, e long live rock’n'roll!!!
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