O triunfo de uma banda independente num mercado viciado
O CPM 22 é um exemplo de sobrevivência em um mercado fonográfico equivocado, que prefere esconder suas mazelas atrás de críticas à pirataria, como se fosse ela a responsável pela contratação de artistas de gosto duvidoso. Publicado originalmente no Dynamite on line.
Diretor Artístico é o nome dado, numa gravadora, a quem tem a função de, entre outras coisas, descobrir e contratar novos artistas. Considerando as contratações feitas nos últimos tempos pelas majors, chegaríamos facilmente à conclusão de que todos eles deveriam ser colocados da rua, já que, salvo raras exceções, esses profissionais têm contratados “artistas” de um baixo nível musical gritante. Mas eles continuam lá, ou quando um sai de uma gravadora, consegue ir para a outra, e assim por diante, mesmo porque o que interessa para a empresa, não é qualidade musical, mas sim as vendas. Por isso é difícil encontrar esses profissionais nos lugares onde os novos artistas aparecem (festivais, casas de shows, etc.), já que a cada dia, eles mais parecem “mercadores do mal”, dispostos a fazer o possível para tirar sua empresa do vermelho, e, claro, garantir seu quinhão numa partilha dos imensos lucros que a descoberta/fabricação de um artista do tipo “disco de ouro” pode garantir. Desmerecem, assim, o adjetivo “artístico” do seu cargo, já que trabalham dentro da lógica que muitas vezes é utilizada para justificar a péssima programação da televisão brasileira, a de que “é preciso dar ao público o que ele quer”. Mas que formação têm esses gênios para saber o que nós, público consumidor, queremos?
Dentro da música pop, um nome símbolo desse tipo de profissional, que faz aquilo que o mercado quer, é o de Rick Bonadio. Ele não está nem aí para gêneros, segmentos, qualidade, bom gosto, etc. O negócio dele é fabricar, embalar, fazer o público gostar e faturar uma grana alta em cima do seu produto. Bonadio, repudiado constantemente e com veemência pela crítica musical, é o responsável pela fabricação dos mais nefastos nomes do pop/rock nacional dos últimos tempos. Mamonas Assassinas, Rouge, Tihuana e outros que nem é bom citar, são exemplos que deram ao produtor a fama de Midas da indústria fonográfica. Hoje, depois de trabalhar em várias empresas, ele tem seu próprio selo, o Arsenal, cujo objetivo é preparar novos grupos e faturar uma boa grana. Ele contrata a banda, faz a gravação em seu estúdio e negocia contratos de distribuição, marketing (incluindo aí o jabá), divulgação, etc., com as majors. Atualmente, quem distribui o Arsenal é a Sony.
Acontece que, nem sempre esses tubarões da indústria fonográfica fabricam grupos ou artistas, mas os contratam do underground para transformá-los em ícones de vendas. Cabe a estas bandas, na encruzilhada, quando fazem um verdadeiro “pacto com o cão”, tentar manter inalterada sua integridade artística e moral. Foi o que aconteceu, ao menos analisando à distância, com o CPM-22, que chegou ao disco de ouro (100 mil cópias) já no primeiro álbum, surpreendendo o próprio Bonadio. O CPM faz parte de um grupo de bandas que tocava punk rock já nos anos 90, e que foi se aproximando cada vez mais do hardcore melódico californiano (no qual o Bad Religion é o principal destaque), e cantando em português (fator determinante para se chegar a uma grande gravadora). Os temas foram ficando cada vez mais pessoais, até se chegar as letras de relacionamentos mal resolvidos do emocore (de emotional core), rótulo no qual hoje a banda melhor se enquadra. Entre estas bandas, estão ainda o Hateen (no qual o batera Japinha também toca), Street Bulldogs, e o extinto Holly Tree, entre outros. É notável também a importância, acreditem, do Los Hermanos neste processo, afinal foi o grupo, que hoje toca pura mpb, que fez a ponte da mistura entre o hardcore e o conteúdo, digamos, “romântico”, das letras, com o mercadão do disco.
Daí ter sido fácil para Bonadio, que graças aos deuses não teve que fabricar nada. O CPM já tinha tudo pronto: um belo e bem produzido disco, “A Alguns Quilômetros de Lugar Nenhum”, uma longa experiência tocando no underground, e, por conseqüência, um púbico fiel e acostumado a lotar casas como o Hangar 110, em São Paulo, onde fez, inclusive, sua primeira apresentação, e, o melhor, disposição para tocar país a fora e consolidar uma carreira. Não foi o disco independente que estourou, mas sim “CPM 22″, já produzido por Rick Bonadio, que, acreditando no potencial do grupo, trabalhou em cima da qualidade sonora da coisa, sem modificar o conteúdo. O mérito, então, enfatizo, olhando à distância, é todo do CPM, que conseguiu triunfar num mercado caótico como o nosso, dentro de uma major, sem ter que ceder a pressões de um desses gênios do mercado, mas mantendo-se fiel à sua proposta. Não é à toa que outras gravadoras, como é comum acontecer nesses casos, saíram à cata de grupos semelhantes (ao menos no ponto de vista delas) ao CPM: Universal (Dibob), EMI (Emo), Deck, que é independente, mas trabalha nos moldes das majors (Dead Fish), e a própria Sony (Houdini).
Concluo isso após ter assistido ao DVD “CPM 22 - O Vídeo (1995-2003)”, que traz um mini show com sete músicas gravadas no Hangar, todos os seis videoclipes do grupo, além de entrevistas e imagens de bastidores e da banda em turnê pelo Brasil. Claro que o DVD não passa de uma jogada de mercado oportunista, e vai vender muito mais pelo formado que pelo conteúdo, mesmo porque o show, que é o que interessa, não aparece na íntegra. Mas como não tive a oportunidade de travar um contato mais próximo com a banda (que foi até capa da Dynamite, em 2002), este produto me teve boa serventia no conhecimento da trajetória, contada pelos próprios integrantes da banda. Sem entrar no mérito sonoro em si, o fato é que o CPM é hoje um exemplo, raro, podemos dizer, de sobrevivência dentro de um mercado fonográfico amplamente equivocado, que prefere esconder suas mazelas atrás de críticas à pirataria, como se fosse ela a responsável pela contratação de artistas de gosto duvidoso.
A próxima tacada de Rick Bonadio já foi dada. É o contrato, assinado há quase um ano, com o Leela, banda que, assim como o CPM, vem tocando a torto e a direito pelo país, tem estrada, público, mídia e ainda teve sempre o bom hábito de produzir suas demos. Tanto que, entrevistado por este repórter, o guitarrista Rodrigo Brandão disse que um dos fatores que levou a banda a aceitar a proposta do Arsenal foi a qualidade de produção do álbum de estréia do CPM 22, bem como a manutenção do som deles. Assim como o CPM, o Leela também já está pronto para o mercado, só falta agora o Rock Bonadio tirar o grupo da geladeira. Que ele faça isso o mais rápido possível.
Até a próxima, e long live rock’n'roll!!!
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