Rock é Rock Mesmo

Tributo ao inédito: muito mais que um pau-de-sebo

Cansados de cumprir aquela via sacra de gravar material, divulgar na imprensa, fazer shows e… nada, dez bandas cariocas resolveram fugir do óbvio. Veja quem está no Tributo ao Inédito. Piblicado originalmente no Dynamite on line.

Já falei numa das últimas semanas sobre o artifício das gravadoras para ressuscitar artistas em decadência, notadamente utilizando os artifícios de coletâneas, álbuns de covers, do tipo acústico e ao vivo. Vou começar falando mais ou menos no mesmo no tema, com ênfase nas coletâneas de bandas novas, os chamados paus-de-sebo. O nome é uma referência a uma brincadeira tradicional das festas juninas, na qual os marmanjos tentam chegar ao topo de um poste de madeira revestido de sebo animal, completamente escorregadio. Assim como nessa disputa, nas coletâneas de novas bandas, a que chegar ao topo, se destacar mais, pode se dar bem, conseguir um contrato para um disco só da banda.

Esse artifício sempre era usado para dar vazão a uma enxurrada de novos talentos dentro de um segmento, quando a gravadora reunia vários deles para o lançamento no mercado, a fim de testar a aceitação do público. Na década de 1980, durante o boom do rock nacional, vários desses paus de sebo apareceram, e, para exemplificar, vou citar dois casos clássicos. O primeiro deles é o “Rock Voador”, uma das coletâneas pioneiras daquele período, lançada em 1982, e que trazia bandas desconhecidas como Sangue da Cidade, que faria grande sucesso com a faixa “Brilhar a Minha Estrela”, o guitarrista Celso Blues Boy e o Kid Abelha e Os Abóboras Selvagens. O outro é “Os Intocáveis”, de 1985, já pegando uma segunda geração do rock nacional safra anos 80, depois do primeiro Rock In Rio. Dali saíram Capital Inicial e Zero.

Mas o CD que ouço agora, e que me dá a rara oportunidade de apresentá-lo em primeira mão, é muito mais que uma coletânea. Trata-se do “Tributo Ao Inédito 2″, que reúne dez bandas do Rio de Janeiro. Antes de entrar no mérito qualitativo-musical de cada uma delas, é preciso explicar o que representa o lançamento desse disco. A iniciativa do projeto nasceu ainda lá pelos idos de 2001 quando bandas que atuavam por conta própria na cidade, umas novas, outras já calejadas, estavam cansadas de cumprir aquela via sacra de gravar material, divulgar na imprensa, ver o resultado na mídia, fazer shows e… Nada, nenhum interesse de qualquer gravadora. Com o objetivo de fazer algo diferente para agitar a cena (não há nome mais apropriado), dez delas se uniram para produzir um disco e depois sair tocando em “caravana”.

Várias reuniões no Arco-Íris (um dos pé-sujos mais tradicionais da Lapa) depois, o projeto ganhou o nome “Tributo ao Inédito” (um trocadilho com os álbuns requentados lançados aos borbotões pelas majors) e reuniu as bandas Jimi James, Zumbi do Mato, Mandril, Brasov, Mim, Leela, Skylab, Bia Grabois, Jason e Vulgue Tostoi. Juntas (ou quase todas juntas), elas tocaram em tudo que é lugar. Além de mostrar as músicas que estão na coletânea, lançada am 2002, elas tocavam, duas a duas dividindo o palco, promovendo encontros inusitados como Leela com Skylab, por exemplo. Vendendo o CD por preços acessíveis, a tiragem de 3 mil cópias conseguiu bancar todos os custos e a tal exposição na mídia pretendida rolou. Das dez bandas, o Leela conseguiu assinar um contrato com o selo Arsenal, distribuído pela Sony, não só por causa da participação no Tributo, mas que ele ajudou, ajudou. Para o segundo volume do projeto, Jimi James, Mandril, Jason e Zumbi do Mato se mantiveram, e contam agora com a companhia de Djangos, Nelson e Os Gonçalves, Gabriel Muzak, Marta V, Grave! e Cabeçudos. Dessa vez os caras estão mais descolados, e conseguiram alguns apoios em forma de patrocínio, o que vai garantir até um coquetel de lançamento. Chique, não? Os shows já estão agendados até janeiro de 2004, e o primeiro eles é na Loud!, no próximo dia 13.

Para falar das bandas em si, vou dividi-las em quatro grupos distintos, a saber:

1) As que já estiveram numa gravadora, mas não decolaram. Djangos, a banda que mais mudou de nome na história do rock nacional, já lançou um disco, “Raiva Contra o Oba-Oba”, com produção de gente do quilate de João Barone e Tom Capone, pela Warner. Apesar de fazer um som fácil para o mercado, o disco não vendeu e a banda foi dispensada do cast da gravadora. Agora, incorpora ao som as inefáveis batidas eletrônicas, o que pode complicar, embora as duas músicas da coletânea sejam boas. O Cabeçudos, curiosamente de Jacarepaguá, a mesma região do Djangos, que já teve dois discos lançados pela Indie Records, músicas em rádio e tudo, volta ao independente com duas músicas com sotaque de hardcore melódico;

2) Os que já têm carreira independente consolidada. Nessa categoria está o Jason, já com três discos no mercado, duas turnês européias e várias pelo interior do Brasil. Tanto que a banda não tem mais “saco” para tocar em qualquer lugar. As duas músicas da coletânea marcam a estréia do vocalista e forasteiro Glerm Soares nos vocais. O outro é o “projeto de banda sem habite-se” Zumbi do Mato, que por incrível que pareça já existe (e insiste) há 13 (!) anos. Nas duas músicas predominam o mau gosto e os trocadilhos dispensáveis. Novidade…;

3) Aqueles que já tiveram bandas e estão recomeçando: aqui aparecem o Mandril, que vem do inacreditável Piu Piu e Sua Banda. Piu Piu já saiu há tempo, mas Marcelo (louco de) Pedra continua firme na banda. O som traz fortes referências ao rock Brasil dos anos 80 e pitadas do rock inglês pré-britpop. Já o Jimi James, a melhor banda do CD, vem com o vocalista Vital (ex-Jason e Poindexter) à frente, e tem também uma excelente retaguarda, com músicos técnicos e muito bons. O som é um rockão da pesada, com referências ao funk anos 70. As duas boas faixas do CD, que não estão entre as melhores do grupo, marcam a estréia do guitarrista Enio. Gabriel Muzak já foi guitarrista do escrachado Funk Fuckers, banda que tinha BNegão como um dos vocalistas. Aqui ele comparece com duas faixas do álbum “Bossa Nômade”, título que reflete a diversidade de sua música, entre o reggae, samba e a eletrônica;

4) Finalmente, as bandas novas. A primeira e mais interessante é Nelson e os Gonçalves, que disputa cabeça com cabeça o título de melhor do disco com o Jimi James. O trio pega a origem perdida do Los Hermanos, aquela coisa da fúria hardcore com temática romântica, e mistura com um sotaque tex-mex paraguaio (Wander Wildner?), resultando num rock/bolero dos mais interessantes e originais. Marta V é o nome da cantora que está à frente de uma superbanda pop/rock. A firme voz de Marta é realmente de assustar, numa grata revelação, em meio a tantas cantoras fakes que pipocam por aí. O Grave! já tem cinco anos de estrada, mas ainda assim está no rol das bandas novas. O grupo faz uma forte e dançante mistura de rock, reggae e adjacências, sempre com muito peso.

Desde que observo o que acontece com o meio musical, sobretudo nas bandas novas, que estão sempre em busca de espaço e reconhecimento, todas as iniciativas de associações, projetos associados e afins sempre acabaram invariavelmente em porrada. Essa é a primeira vez que um projeto reunindo tanta gente vai em frente, o que já é o bastante para merecer todos os elogios. Mas também é bom destacar a diversidade musical, definitivamente esse disco não é para especialistas nesse ou naquele gênero musical, mas para os antenados em geral que querem saber o que rola no rock nacional carioca, sem ter que sujeitar às hediondas rádios que se proliferaram no dial a custa do jabá. Quem vai sair dali para o ser grande no mercado (que é o que todos, no fundo, querem), isso vai depender da expectativa de cada banda.

Até a próxima, e long live rock’n'roll!!!

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