Rock é Rock Mesmo

Hermanos e D2 agora querem samba

Dois artistas que marcaram época no mercado musical nos anos 90 se cansaram do rock e partiram para trabalhos identificados com a mpb. Descubra quem são eles. Publicado originalmente no Dynamite on line

Depois de receber a lista com os álbuns mais vendidos e as músicas mais executadas nas rádios das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, fornecidos pelo instituto de pesquisa NOPEM, o que pude ver foi realmente lamentável. Primeiro para quem gosta de boa música, feita por artistas e com o mínimo de qualidade, e, depois, para quem gosta de rock. Entre os álbuns mais vendidos nas duas cidades, no meio de uma saraivada de coletâneas, discos acústicos e trilhas de novelas, apenas “Admirável Chip Novo”, da Pitty (comentado aqui há cerca de um mês) aparece, e somente no Rio, num honroso 20o lugar. Entre as músicas mais tocadas nas rádios das duas cidades (onde o jabá das grandes gravadoras é que manda) nomes como Capital Inicial e Paralamas do Sucesso até aparecem, mas nada de significativo no rock nacional (ou estrangeiro) que tenha sido feito nos últimos 10 anos aparece. Enquanto isso, na Billboard, o Metallica desbanca Staind, Led Zeppelin e Marilyn Manson do topo, ou seja, quatro bandas de rock disputando o primeiro lugar da parada mais importante do mundo, ocupada inclusive pelo Sepultura nos tempos de Max Cavalera.

Mas não estou aqui para transformar esse espaço num muro de lamentações - pelo menos não hoje. O assunto é outro. Depois de dar uma olhada no quadro exposto acima, que banda de rock continuaria investindo no gênero, se não fosse por puro amor a camisa, isto é, pelo fascínio e interesse em ser um artista de rock? Você, caro leitor, toparia, por exemplo, fazer uma banda de rock, deliberadamente para se estabelecer no meio musical artístico? Ou optaria por outra tendência qualquer da música contemporânea? Pois dois artistas que laçaram há pouco trabalhos de excelente qualidade musical iniciaram suas respectivas carreiras com o rock, para depois partirem para outra: Los Hermanos e Marcelo D2.

Todos sabem, embora muitos só lembrem do sucesso radiofônico de Anna Júlia, o último grande hit de uma banda de rock nacional, que o Los Hermanos nasceu no seio do underground carioca, percorrendo o chamado circuito de shows alternativos, tocando em cada buraco da cidade. Depois de uma apresentação no Festival Abril Pro Rock, em Recife, no ano de 1999, a banda conseguiu um contrato com a Abril Music e estourou de vez. Me lembro da primeira vez em que “Anna Júlia” foi tocada em público, no Garage, num domingo, dia 1o de agosto daquele ano. A grande sacada da banda era misturar a fúria do hardcore com a melancolia de relações mal resolvidas, expostas em letras oriundas de sambas canção, e não do hardcore. Muito do que hoje se vê no emocore nacional, não se enganem, saiu dali. O nome Los Hermanos veio dos tempos em que o guitarrista e vocalista Marcelo Camelo participava de rodas de pogo em shows do Little Quail e, principalmente, do Acabou La Tequila, bandas que, assim como o Garage e a Abril Music, já não existem mais.

Recentemente, numa conversa com a banda, cujo resultado está publicado na versão impressa da Revista Dynamite 64, aproveitando o lançamento do terceiro álbum, “Ventura”, Camelo e seus companheiros de banda disseram, simplesmente, que “não têm mais saco” para o hardcore. Mais, que a banda só começou fazendo rock por uma questão circunstancial, já que Marcelo Camelo e Alex Werner (amigo da banda), estavam inseridos na cena rock. Isso tudo para explicar as incursões ao samba e à mpb, já mostradas em “Bloco do Eu Sozinho”, e agora também em “Ventura”, este de extrema qualidade musical e bom gosto.

Corta para 1993. Nascia, nas ruas do centro do Rio de Janeiro, o Planet Hemp, grupo cujo nome (algo como “planeta cânhamo”, a fibra feita do pé de maconha, em inglês) já denunciava o assunto que o grupo trataria nas suas músicas. Contratados pela Sony, o Planet chamou mais atenção não só por reivindicar a legalização da maconha, mas por pregar o livre consumo e plantio da erva, sobretudo nos dois primeiros álbuns, o sugestivo “Usuário” e “Os Cães Ladram Mas a Caravana Não Para”. Mas a grande sacada musical estava na mistura do rap com o rock, isto é, fazer rap, sujo mesmo, com uma bandaça de rock dos anos sessenta e setenta por trás, fato sem precedentes no rock e no rap nacional. Em 1997 a banda acabou na cadeia, sob a acusação de fazer apologia às drogas e ganhou a manchete de todos os jornais e telejornais brasileiros. Depois disso e de certas mudanças na formação, mais dois discos saíram: “A Invasão do Sagaz Homem Fumaça” e “MTV Ao Vivo”. Mas a banda pegou leve nas drogas (BNegão, um dos vocalistas, nem fuma mais, para não “estragar a voz”), mantendo, entretanto a base rock de sempre.

Marcelo D2, o líder do grupo, lança agora seu segundo disco solo, “À Procura da Batida Perfeita”, no qual investe por uma nova mistura: hip hop com samba (não confundam, por favor, com pagode ou sambrega). O disco, assim como “Ventura”, é também muito bom, e D2, ao ser questionado por este repórter em outra oportunidade, disse que, se é para fazer uma carreira solo, não teria graça fazer o mesmo feito no Planet Hemp. De fato, ele tem razão, pois a primeira coisa que um crítico faz ao analisar o início de uma carreira solo, é justamente comparar com o trabalho da banda de origem.

Ratifico a qualidade dos dois discos (Los Hermanos e D2), mais o fato desses dois artistas terem se projetado dentro do rock, e agora estarem partindo para a mpb, é algo que merece certa reflexão. Isso deve estar enchendo o ego de certos jornalistas ufanistas, que acreditam que nunca existiu um rock brasileiro de verdade (nem na década de 80), mas todos os grupos pertencem à mpb, caminho que 10 entre 10 bandas, segundo eles, acabam tomando. Bem, exemplos realmente não faltam, é só ver nomes como Barão Vermelho e Paralamas do Sucesso, entre outros, para acabar concordando com esses apologistas da música brasileira. Seriam D2 e Los Hermanos novos exemplos? Será que o amadurecimento pessoal e musical, e uma carreira bem sucedida dentro do mercado musical brasileiro tendem a afastar os artistas do rock, levando-os à mpb? Será que o rock é mesmo um gênero fadado a servir somente à juventude, e ambos devem durar pouco, já que a sociedade insistem em transformar todos em “cidadãos respeitáveis”?

Chamar Los Hermanos e Marcelo D2 de “traidores” seria um exagero, mas não deixa de ser uma grande decepção ver esses artistas, de “berço underground”, agora apostando em segmentos conservadores dentro do mercado. Ora bolas, se queriam fazer samba, mpb, o diabo, por que não optaram por isso desde o começo? Não dá nem para chamar de oportunismo, já que, como vimos lá em cima nos dados das paradas no Rio e em São Paulo, fazer rock, pelo menos no Brasil, não dá camisa a ninguém. Também não se pode afirmar, de antemão, que a migração desses dois nomes representem uma tendência no mercado. O que fica claro é a falta de um mercado verdadeiramente rock, sem que o gênero seja tratado como “nicho” ou, eventualmente, “bola da vez” no mercado. Claro que isso existe no segmento independente, mas ele está, sabemos todos, à margem os números, nem chegam às mãos de quem movimenta a economia. Ou seja, para o mercado, é duro de admitir, eles sequer existem.

Num país periférico como o Brasil, é assim que funciona, e não resta alternativa ao fã e rock senão contrariar a tudo e a todos e investir no improvável, pelo menos na visão do nosso viciado mercado fonográfico nacional. Por isso, dar moral aos independentes e aos artistas de rock, grandes ou não, é fundamental, mesmo que, como Hermanos e D2, eles eventualmente se bandeiam para outros lados.

Até a próxima, e long live rock’n'roll!!!

Tags desse texto: ,

Comentário

Seja o primeiro a comentar!

Deixe o seu comentário

Seu email não será divulgado