Aqui se cria o novo rock, para o Brasil e para o mundo
Os discos de estréia de duas bandas brasileiras representam um passo à frente para o rock em todo o planeta, mas por sermos um país periférico, esses artistas não conseguem a merecida projeção internacional. Veja quais são essas bandas. Publicado originalmente no Dynamite on line.
Confesso que com “St. Anger”, o esperadíssimo novo disco do Metallica nas mãos, fiquei tentado a gastar o espaço dessa coluna para falar sobre esse assunto, até porque o grupo, ícone maior do thrash metal, é um problemão para o jornalismo cultural. Porque, em geral, para esse pessoal, metal é um gênero menor, e como é impossível negar a projeção atingida pelo Metallica, inicia-se uma enrolação danada, onde todos os conceitos de jornalismo são deixados de lado, a fim de evidenciar detalhes do grupo, que não a música, independentemente de qualquer juízo de valor.
Mas deixemos o Metallica para outro dia, porque aqui no Brasil está acontecendo algo de mais importante, e, sobretudo, de mais inovador. Estou convencido de que muita coisa que acontece por aqui apresenta um passo à frente para o rock e para a música pop em todo o planeta, mas por sermos um país periférico, nossos artistas não conseguem a projeção que teriam se estivessem desenvolvendo o mesmo trabalho na Inglaterra ou nos Estados Unidos. O próprio público brasileiro já não encara nossos artistas em igualdade de condições com os gringos, fruto de anos de assimilação da cultura do primeiro mundo, sobretudo a americana. Mas nada disso me impede de reconhecer algo de novo no rock produzido por aqui, como já fiz com o Forgotten Boys, primeira banda a promover o encontro de Ramones e Guns N’Roses, juntamente com o Backyard Babies, que, aliás, é da Suécia.
Não é o caso de ficar procurando “novas ondas”, “salvações da lavoura” ou “bolas da vez” - isso é assunto para o pessoal da vanguarda e das grandes gravadoras, só para justificar o discurso. Mas trabalhando no meio musical, cedo ou tarde você acaba se deparando com algo que te pega de sopetão, como aconteceu comigo há umas duas semanas, quando fui a Natal para o festival Mada - Música Alimento da Alma. Na segunda noite, cheguei ao local do festival justamente quando iniciava o show de uma banda natalense que atende pelo nome de Jane Fonda. Logo me chamou a atenção um vocalista berrando adoidado, tal qual um frontman dessas várias bandas de nu-metal, que já há algum tempo vêm se proliferando maciçamente pelos Estados Unidos. Parei para prestar mais atenção, entre um clique e outro, e vi que não se tratava de nenhuma banda cover, ou mesmo xerox de qualquer outra identificada com o nu-metal. E, melhor, o Jane Fonda ainda se apresentava de uma forma completamente original, com uma música pesada, cheia de idas e vindas, mas ao mesmo tempo, agradavelmente pop, no melhor dos sentidos. Em meia hora de show, pude constatar que se tratava e uma banda absolutamente original, porque resolveu misturar dois segmentos do rock antes absolutamente distintos: nu-metal e pop/rock.
Passando para o palco ao lado (no Mada é assim, com dois palcos paralelos, os shows não param) outra banda me chamou a atenção. Era o trabalho solo da baianinha Pitty, que eu conheci como vocalista da banda hardcore Inkoma, já há alguns anos. Desde fevereiro fiquei sabendo que ela estava no Rio preparando o lançamento de seu primeiro álbum, e tinha visto, de passagem, o videoclipe para a música “Máscara”, cujo verso “bizarro, bizarro, bizarro”, ficou gravado na minha cabeça. Lógico que é a própria Pitty, por ser vocalista e mulher, que chama mais atenção naquele palcão, mas antes da segunda música já dava pra ver que ela trazia uma bandaça, executando músicas pesadas, mas, assim como o Jane Fonda, altamente cativantes, a ponto de até empolgar o público que se amontoava junto ao palco. E isso não acontecia só pelo fato de “Máscara”, com uma boa ajuda da gravadora, estar tocando nas rádios em todo o Brasil, mas pelo tipo de som, que misturava o peso do nu-metal com doses de um pop rock pra lá de arrebatador. Não vi mais nada de interessante, em termos de novidade no Mada, e vim embora com esses dois shows na cabeça e entre vários CDs, o de estréia do Jane Fonda na mochila.
Já no Rio, pude ver mais um show da Pitty e escutar, mais ou menos no mesmo dia, os dois discos desses artistas, que apresentam similaridades únicas, ainda que, cada qual dentro do diferente contexto que separa as respectivas gravadoras, DoSol (Jane Fonda) e Deck Disc (Pitty). Se de um lado o Jane Fonda fez sua limonada, de outro a Deck, que trabalha nos moldes de uma major, ofereceu uma senhora produção.
Quem vê a foto da Pitty na contracapa de “Admirável Chip Novo”, cuja silhueta está sendo usada em tudo que é lugar, não acredita que aquela muleca, cujas perninhas tortas mais parece as de um garrinchinha de um campo de peladas de terra batida, iria trazer tamanho gás ao rock nacional, em música e letra. A banda que ela selecionou pratica o mesmo tipo de som que ficou conhecido como “a vanguarda do heavy metal” no início dos anos 90, mas que nos dias de hoje são ofuscadas pelas chorosas viúvas de Mike Patton, o inexpressivo vocalista do Faith No More. Me refiro a bandas como Helmet, Prong e Clutch, que criaram uma música pesada diferente, que parava e continuava feito um bate-estacas e levou o nome de alterna metal, para mais tarde, após receber várias influências do hardcore nova-iorquino, do hip hop, e com uma temática que expunha a decadência da sociedade americana, se diluir no que hoje chamamos de nu-metal.
São riff ultrapesados, alternados com trechos mais lentos, que habitam “Admirável Chip Novo”, mas as 11 músicas trazem ainda mais: um certo paladar pop que também exala do álbum de estréia do Jane Fonda, mas que não desanda o peso das músicas, como poderíamos esperar. Ouvir, em seqüência, “Telhado de Vidro”, “Admirável Chip Novo” (a música) e o já hit “Máscara”, que abrem de forma arrebatadora o disco, é por si só uma aventura das mais emocionantes e recompensadoras. Isso porque a trinca joga pelos ares o túnel escuro onde o rock se meteu, e pelo qual sempre procuramos achar uma luz no final. Para melhorar, Pitty canta o que escreveu em português e suas letras têm conteúdo, força, interiorização. Resumindo, tem atitude rock, tudo posto à mesa das viciadas FMs. Ok, o disco tem coisas desnecessárias, provavelmente advindas de gênios da gravadora, que entendem de mercado, e inúteis participações especiais, outro artifício em geral usado para se galgar sucesso mais depressa, mas são detalhes que não tiram da boa baianinha o mérito de entrar no mercado com o pé na porta, fazendo rock brasileiro de vanguarda, para o Brasil e para o mundo.
E se o assunto é “como começar muito bem um disco de rock”, o Jane Fonda não fica atrás com “Homens São Feios”, “Gatos e Cães” e “Retrato do Artista Quando Jovem”. Também percorrendo um caminho que tende a unir o nu-metal com o pop rock, o grupo se apega, além de ter uma impressionante máquina instrumental de fazer barulho, aos vocais de Rodrigo BS, em perfeita sintonia com bandas como Staind, System Of A Down, Korn e adjacências. E isso pegando tudo o que nu-metal tem de melhor (as guitarras, o peso, os riffs do tipo pára-continua) e abortando o que ele traz de pior, o hip hop, os efeitos eletrônicos e as críticas ao american way of life, fundamentais por lá, mas que aqui não pegam. E, melhor, cantando em bom e gritado português, também com letras que possuem conteúdo. É, repito, rock brasileiro de vanguarda, para o Brasil e para o mundo.
Até a próxima, e long live rock’n'roll!!!
Importante: Nos últimos tempos temos visto várias denúncias de jornalistas da área musical que inventam ou copiam matérias de outros veículos para passar adiante como se fossem suas. Só que quem denuncia não está tendo a decência de entregar o nome desses espertalhões, à exceção do jornalista Ricardo Alexandre, que em seu livro deu nome aos bois (no caso o “boi” era Pepe Escobar). Todos queremos saber quem são esses enganadores, portanto, vamos deixar o corporativismo e as panelas de lado e, em nome do bom jornalismo. trazê-los à praça pública.
Tags desse texto: Jane Fonda, Pitty