Rock é Rock Mesmo

O esforço que as novas bandas fazem para tocar

Os festivais que acontecem atualmente no Brasil são o celeiro das novas bandas, mas ainda carecem de maior estrutura. Assim, muitas delas têm que botar a mão no bolso e encarar horas e mais horas de viagem. Publicado originalmente no Dynamite on line.

“Tô com a maior fome, não comi quase nada”. Essa declaração é de Morotó, guitarrista da banda Retrofoguetes, no final de um churrasco organizado pela Reverb Brasil, associação brasileira de bandas de surf music, com sede em Belo Horizonte. O evento serviu como confraternização durante o Campeonato Mineiro de Surf, no último final de semana, e aconteceu no tradicional Hotel Bragança, que, em outras épocas, já recebeu gente do quilate do Presidente JK.

Mas não pensem você que o churrasco foi fraco, que faltou comida e tal. E nem que Morotó seja vegetariano e não goste de uns bons goles, ao contrário, ele só anda com o copo vazio. Acontece que, desde que chegou no terraço do hotel, mal teve tempo para saborear a carne preparada pelo churrasqueiro Magno, o proprietário. Assim que apareceu um amplificador, um baixo acústico e uma caixa da bateria de seu parceiro Rex, Morotó desandou a tocar e não largou mais a guitarra.

Não era para menos, afinal ele, Rex e o baixista CH iriam percorrer cerca de 1500 quilômetros de ônibus em 24 horas de viagem (a ida foi de avião), para voltar para Salvador, e não iam “perder” tempo comendo a saborosa carne. Por isso também o show do Retrofoguetes no festival foi um dos mais longos, como que se cada minuto tocando compensasse cada olhada pela janela do ônibus, na volta.

Apesar das boas produção e organização do Campeonato Mineiro, reconhecidos por todas as bandas, a contabilidade do grupo certamente fechou no vermelho. Mas, é certo, a satisfação de seus integrantes não tinha como ser mensurada. E assim aconteceu com boa parte das bandas que ali estavam. De Florianópolis, os Ambervisions, por exemplo, admitiram que não podem viajar para todos os festivais para os quais são convidados, por quê não têm como pagar os custos. E assim também acontece com muitas bandas em todos os cantos do país.

O exemplo do Retrofoguetes foi dado só para mostrar o esforço que cada banda faz para poder fazer aquilo que gosta de fazer, e que tenta transformar numa profissão que renda aos seus integrantes no mínimo o padrão de vida que eles conseguiram nas suas famílias ou em outras profissões, digamos, “convencionais”. Mas são poucos que conseguem, sobretudo quando, ao tocar surf music totalmente instrumental, o Retrofoguetes sabe que as chances de triunfar num mercado como o brasileiro são bem remotas. Mesmo em outros países isso não seria lá muito fácil.

Mas os baianos, que no passado atendiam pelo nome de Dead Bilies e andavam na terra do axé vestidos de preto e com uma impecável gomalina no topete, não estão, definitivamente, sozinhos. Tinha gente de Vila Velha, no Espírito Santo, Campinas, Rio, Paraná, e os já citados catarinenses d’Os Ambervisions. Somados aos de Belo Horizonte, o Campeonato Mineiro totalizou 13 bandas, quase todas tocando surf music, e todas, invariavelmente fora do mercado fonográfico brasileiro como ele se apresenta. Pior pra o mercado e para quem ainda depende dele para conhecer os novos segmentos musicais.

Não pensem, entretanto, que isso só acontece com um evento dedicado à surf music. Nos maiores festivais do país, em geral a produção não banca os custos das bandas novas, mas somente dos grupos consagrados, que são escalados justamente para fortalecer o borderô. Ao ver a escalação de um Abril Pro Rock (Recife), um Mada (Natal), um Porão do Rock (DF), por exemplo, muitas vezes a falta de bandas de fora das cidades sedes se deve a esse fato, sendo que as que lá estão escaladas, e não têm uma gravadora por trás, está sacando do próprio bolso de seus integrantes a grana da passagem, e muitas vezes também da estadia, alimentação, deslocamentos, etc.

Se vale a pena ou não, isso depende da projeção do festival e das pretensões que determinada banda tem. Uma coisa, entretanto, é fato: estar no line up de um evento considerado “grande”, leva a banda a ter seu nome na grande mídia, o que às vezes é uma coisa inimaginável, muito embora esse retorno de mídia seja muito difícil de ser medido e até mesmo alcançado.

O que precisa acontecer, é que esses eventos, que ocorrem uma vez ao ano, consigam se estruturar de modo a conseguir patrocínios o suficiente para bancar toda a estrutura necessária para as bandas tocarem e serem tratadas como os artistas que são. É óbvio que num país periférico como o Brasil, a grana sempre está difícil para todo mundo, mas a cada diz que passa, mais leis de incentivo à cultura são aprovadas em cada estado. Da mesma forma, a iniciativa privada, depois da nefasta privatização dos anos FHC, está com dinheiro saindo pelo ladrão, é só ver as empresas de telefonia, por exemplo, que ocupam o horário nobre da TV aberta no Brasil diariamente.

A idéia aqui não é “ensinar o padre a rezar a missa”, mas mostrar que os festivais brasileiros não podem seguir o exemplo das decadentes gravadoras. Afinal são eles, hoje, o grande celeiro de bandas da nova música brasileira, onde o rock se insere. No que depender das bandas e dos músicos, que como Morotó não se eximem de encarar 24 horas num caixote motorizado, eles certamente estarão às ordens.

Até a próxima, e long live rock’n'roll!!!

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